quinta-feira, 16 de maio de 2013

Certezas demais, deus desconfia


Dois termos principais aparecem na metafísica nietzschiana: Wille zur Macht [vontade de potência] e o ewige Wiederkunft des Gleichen [eterno retorno do mesmo]. Segundo Heidegger, esses termos não mudam muito a ideia do que se vem falando na metafísica desde os tempos mais antigos. Porque Heidegger coloca [se eu entendi bem] o Wille zur Macht como a "essência", aquilo que somos "idealmente", ou que somos em si, dentro de nós, sem a influência do externo; e o "eterno retorno do mesmo" como nossa "existência", no sentido de - ainda se eu entendi direito - ao retornar a si mesmo, criamos uma identidade, uma identificação pessoal, única. O que acabamos sendo no cotidiano, com todas as concessões que devemos fazer.

Ele justifica essa posição polêmica afirmando que não há muita diferença entre o que fez a tradição metafísica, com a separação em, no caso de Platão por exemplo, mundo sensível [real] e mundo ideal [idealizado], e o que Nietzsche faz. Para Heidegger, há uma escala de valores, firme, fixa e que permanece, entre o Wille zur Macht e o eterno retorno.

Nietzsche se manteria na tradição da metafísica, apesar de todas as suas propostas de mudanças e revalorizações, por conta do fato da sua "Wille zur Mach" estar ligada ao *Ser*, ou o que é ser, ou verdade [mesmo que esses últimos conceitos tenham mudado muito ao longo dos tempos]. Porque, para Heidegger, "verdade é uma condição apresentada na essência da vontade de potência, a saber, a condição da preservação do poder"1.

Mas a verdade não é mais algo fixo, imutável, exterior, independente da opinião do próprio ser que a vive – esse ser que é mais comumente chamado de "sujeito". Explicando de outra maneira: o Wille zur Macht, com a sua posição de "preservação", via processo de sempre querer mais poder, como vimos, é algo que, no linguajar heideggeriano, "aguarda-para-ser-verdade". Como se dissesse que há uma potência latente nessa vontade, que ainda não existe na vida real, ou ainda não há, ou melhor, ainda não é. E que, ao ser liberada, se tornaria verdade.

É o que Heidegger diz se chamar "certeza", [as palavras em alemão usadas relacionadas a esse conceito são Gewiss, Gewisse e Gewissheit, respectivamente algo como “certamente”, “certo”, “certeza”], que seria o princípio, a base da metafísica moderna, como foi antes a “verdade”, travestida em seus mais diferentes nomes, teóricos, como o ícone, o alvo, a direção, ou práticos, como democracia, deus, tradição. “Certeza” - no sentido de "segurança do ser" - é a forma moderna da "verdade".

Ou seja: a vontade de potência torna o ser seguro de si, ou potente, para agir de acordo com a sua vontade, com o seu querer, com a sua impulsão [no sentido de "passível de impulsionar"]. Em vez de ter uma “verdade”, que remete à ideia de algo fixo, imutável, digno de um ser exterior, que influenciaria de maneira fria e impessoal as vontades dos seres, a “certeza”, que é pessoal, intransferível por completo, interna, e que empurra para frente, que impulsiona. É como se engolíssemos deus.
1Heidegger, 1977 / 84, em tradução livre

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