quinta-feira, 9 de maio de 2013

'Pólvora e cocaína'

Já houve quem dissesse por aí que o Rio de Janeiro é a cidade das explosões.
Na verdade, não há semana em que os jornais não registrem uma aqui e ali, na parte rural.
A ideia que se faz do Rio é de que é ele um vasto paiol, e vivemos sempre ameaçados de ir pelos ares, como se estivéssemos a bordo de um navio de guerra, ou habitando uma fortaleza cheia de explosivos terríveis.
Certamente que essa pólvora terá toda ela emprego útil; mas, se ela é indispensável para certos fins industriais, convinha que se averiguassem bem as causas das explosões, se são acidentais ou propositais, a fim de que fossem removidas na medida do possível.
Isto, porém, é que não se tem dado e creio que até hoje não têm as autoridades chegado a resultados positivos.
Entretanto, é sabido que certas pólvoras, submetidas a dadas condições, explodem espontaneamente e tem sido essa a explicação para uma série de acidentes bastante dolorosos, a começar pelo do Maine, na baía de Havana, sem esquecer também o do Aquidabã.
Noticiam os jornais que o governo vende, quando avariada, grande quantidade dessas pólvoras.
Tudo está a indicar que o primeiro cuidado do governo devia ser não entregar a particulares tão perigosas pólvoras, que explodem assim sem mais nem menos, pondo pacificas vidas em constante perigo.
Creio que o governo não é assim um negociante ganancioso que vende gêneros que possam trazer a destruição de vidas preciosas; e creio que não é, porquanto anda sempre zangado com os farmacêuticos que vendem cocaína aos suicidas.
Há sempre no Estado curiosas contradições.
Lima Barreto, em crônica publicada no "Correio da Noite", no Rio, dia 5 de janeiro de 1915.

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