sexta-feira, 13 de setembro de 2013

A música e a vida estética para Nietzsche

O início da biografia escrita por Rüdiger Safranski sobre Nietzsche é arrebatador:
O verdadeiro mundo é a música. A música é o Inaudito [Ungeheuer]. Quando a ouvimos, pertencemos ao Ser. Assim Nietzsche a vivenciava. Era tudo para ele. Não deveria cessar nunca. Mas ela cessa, e por isso temos o problema de como continuar vivendo quando a música acaba.
O trecho define muito bem a ética de Nietzsche, talvez a única forma de pensar que Nietzsche nunca tenha mudado de posição tão radicalmente. Porque ética, para Nietzsche, sempre foi estética. Viver deveria ser produzir arte. Todo homem deveria ser artista, no sentido dionisíaco do termo. Não quer dizer todo homem deveria ser pintor, escritor ou músico, mas que deveria encarar a vida como uma tela em branco, onde se criaria, com toda a nossa potência.

Monstra Niliaca Parei, que aparece quando fazemos uma
pesquisa sobre Ungeheuer. Mais sobre ela aqui.
Isso demonstra, diferentemente de outros raciocínios, a importância, para Nietzsche, da arte - especialmente, da música e produções correlacionadas. Durante muito tempo, ele, inclusive, a viu metafisicamente, como uma forma de substituto do próprio Deus. Mas o que fica, o que permanece em toda a trajetória de pensamento de Nietzsche, é esse caráter essencial da arte. Como se só se vivesse uma vida boa - ou uma vida completa - quando tivéssemos um caráter artístico na vida.

Há outra passagem em que Safranski descreve bem como, para Nietzsche, a arte seria indispensável, não mero apetrecho:
Sentimos em Nietzsche toda a indignação de uma pessoa para quem estar na arte, especialmente na música, é estar no coração do mundo, que encontra no fascínio da arte o seu verdadeiro Ser, e que por isso luta contra uma tendência para a qual a arte é uma bela coisa secundária, talvez até a mais bela, mas mesmo assim uma trivialidade.
Quando vivemos "artisticamente", podemos enfrentar o abismo que se abre ao fim da execução da música. Ao completo sem sentido da vivência. Esse é um dos motivos que faz Nietzsche gostar das grandes tragédias, principalmente nas peças operísticas de Wagner. A tragédia o agrada exatamente porque tem um grau alto de aleatoriedade, não tem muita razão de ser. Em outras palavras, mostra a força inexorável do destino, que arrasta os homens independentemente das suas forças de vontade.

A tragédia seria a única forma artística que conseguiria se equivaler à vida. Não porque a vida seria trágica, no sentido de que a palavra tomou, de cruel, mas porque a vida também não é regida por qualquer lei, seja causalidade ou a de um Deus onipotente.

Me diga que você não entende o que Nietzsche quer dizer ao fim desse clipe?

Suspeito que uma maneira de entender bem o que Nietzsche quer dizer é pensar na palavra Ungeheuer, que a tradutora traduz por Inaudito (em maiúsculas) talvez para fazer uma relação com a música, já que sua primeira acepção é exatamente o fato de não se escutar. Ela anota, porém, a palavra pode ser traduzida ainda como "monstro", ou "algo extraordinário, incomum, ingente". O próprio inaudito, com a questão de que nunca se ouviu, parece algo espantoso. A música, e a vida, é / são espantosa[s].

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