segunda-feira, 4 de novembro de 2013

'Breaking Bad' e o [mais um] crepúsculo dos homens

Capitulei e assisti à série que todas as pessoas disseram ser a mais sensacional produção para a televisão, mais até que "Avenida Brasil", em muito tempo: "Breaking Bad". Vi todas as cinco temporadas. Terminei ontem com a sensação de dever comprido e cumprido. Não posso negar que há momentos verdadeiramente incríveis no seriado, mas que ficam concentrados na primeira, início da segunda, fim da quarta e praticamente toda quinta. Ou seja, o miolo da produção é meio modorrento. De toda forma, valeu verdadeiramente a pena assisti-la por completo.



Para quem não acompanhou os cerca de 70 capítulos, nem quis ver o vídeo aí de cima, um diminuto resumo: Walter White é um pacato professor de química de uma escola pública do estado do Novo México, nos EUA, que completa a renda de casa com um emprego de meio-período como caixa numa lava-jato. É casado com Skyler, que está grávida de seu segundo filho, a menina Holly, que nasce na segunda [ou terceira?] temporada, e cujo primogênito, Walter White Jr. tem uma leve paralisia cerebral, que dificulta sua locomoção e sua fala. A irmã de Skyler, Marie, é casada com Hank, um policial da D.E.A., uma agência americana de combate ao tráfico de drogas. Esse é o núcleo central e familiar da trama. Walt vive um cotidiano sem grandes sobressaltos - ou melhor, sem qualquer sobressalto - até que... descobre que tem câncer no pulmão. A partir daí, ele decide mudar de vida, tentar ganhar a maior quantidade de dinheiro possível para poder sustentar sua família depois que ele partisse. Sua proposta, porém, é um pouco ousada demais: ele começa a fabricar com um ex-aluno, Jesse, metanfetamina.

Pronto, essa é a trama, a coluna vertebral da série. Em cinco anos, muitos outros personagens aparecem, muitas situações paralelas se desenvolvem, mas esse núcleo se mantém, mais ou menos inalterado, até o último episódio. A mudança do original tom de humor negro, em que você se pega rindo de situações escabrosas, para uma tragédia shakespeariana, como bem demonstrou sir Anthony Hopkins, um dos seus muitos fãs, talvez seja a principal transformação nesse tempo. E a qualidade dos atores, principalmente de Bryan Cranston, Walter White, uma versão contemporânea do rei Lear, o seu ponto mais alto.

O conhecimento avançado de Walt sobre química, o que muitas vezes lhe dava quase poderes super-humanos sobre as outras pessoas, me fez lembrar um pouco o MacGyver, acrescido do fator de vivermos, agora, em um sociedade em que aparentemente apenas o conhecimento científico-matemático é valorizado nas camadas médias da sociedade. Mas a principal referência, e é uma referência que sem querer muita gente fez, sem demonstrar que sabia que fazia, é "Sopranos" [que eu só vi a primeira temporada].

Considerada por muita gente boa a série que transformou as produções americanas para a TV em obras de arte, o seriado sobre o mafioso Tony Soprano, que vai para uma psicóloga porque não consegue cumprir suas funções criminosas, tem alguns pontos de encontro fundamentais com "Breaking Bad". O mais óbvio é a relação de um criminoso com sua família. O limite moral de uma pessoa é elástico? Se rompemos com as leis e os limites no âmbito público, também o faríamos na esfera privada? Ambas produções tentam dar respostas para isso.
Em cinco temporadas Bryan Cranston sai da esquerda para a direita

Porém, há uma segunda correlação mais sutil que me chamou mais a atenção: o tal crepúsculo do Homem. Em que momento um mafioso começou a ter dúvidas sobre o que fazer na condução do seu negócio? Como fazer um professor de escola pública não se sentir aviltado diante de uma vida sem qualquer tipo de desafio? Como aceitar um enfadonho cotidiano casa-trabalho-casa, sabendo que esse é o futuro que lhe foi reservado até sua morte? Como achar bom que o seu presente de aniversário de 50 anos é receber um handjob da mulher enquanto ela participa de um leilão pela internet de objetos sem valor algum?

O que "Breaking Bad" mostra é que vivemos em uma sociedade sem qualquer gosto verdadeiro. Não à toa há a piada do bacon vegetariano logo no início da primeira temporada. Ficamos tão cientificamente cuidadosos com a nossa sobrevivência que nos esquecemos que viver requer algum tipo de risco. BB exagera nessa dose para exatamente acentuar as características que mais marcariam nossa sociedade: o infinito tédio, o cinismo cotidiano, a ironia como forma de vida.

Se os dois casos têm papéis masculinos como protagonistas talvez seja porque nós, homens, sofremos mais essa queda do Olimpo. Porque nunca tivemos muito tempo para dúvidas e nossas cobranças eram de caráter muito mais claro. Agora, para efeito de comparação, assim como os homens sempre exigiram mulheres ao mesmo tempo lindas e inteligentes, chegou a vez das mulheres exigirem híbridos de poetas e pedreiros. O resultado são relações de alta expectativa e baixa segurança.

Quando finalmente Walter White assume uma voz de comando, típica da do homem-masculino-alfa, em que ele pode se identificar com um passado nem tão longínquo, em que ele tem dinheiro, carrão e todos os ícones que identificam o arquétipo batido dos portadores do cromossomo Y, ele percebe, porém, que ultrapassou um limite e que não é mais possível voltar. Mesmo que ele não quisesse, ele estaria para sempre conectado com o que ele criou. Como um animal primitivo, ele avançou sobre seu destino, aceitou seu instinto e seguiu em frente inconsequentemente. Como um animal primitivo, se esqueceu de uma das lições mais antigas que a ciência, via Newton, ensinou para a humanidade há quase 500 anos: a toda ação, há sempre uma reação de mesma direção, intensidade e sentido oposto. Mas isso não é exatamente um problema. Porque, às vezes, para viver é preciso também morrer.

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