sábado, 16 de novembro de 2013

Coeficiente de emoção

Em um evento na PUC-Rio, há uma semana, assisti a uma palestra de Javier Toret, da Universitat Oberta de Catalunya, a mesma do Manuel Castells, e um dos grandes midiativistas [essa nova posição] do grupo Indignados, ou, como eles gostam de se autodefinir, 15-M, em referência ao 15 de maio de 2011 em que eles se instalaram na puerta del Sol, uma espécie de Cinelândia madrilenha.

Os indignados, para quem dormiu nos últimos anos, continuaram e impulsionaram o movimento internacional de contestação da forma como a política é feita em todo mundo. Aliás, se há algo em comum em todas as manifestações que atravessam, em menor ou maior escala, o globo [sem trocadilho] é essa insatisfação. Não, meu amigo brasileiro, você não é o único que reclama dos seus políticos. Pode ficar tranquilo, ou se sentir despreocupado de viver no pior lugar entre todos, que isso é comum. Mais comum, infelizmente, do que se pode imaginar.

O evento consistiu em uma série de palestras que tinham o gancho de mostrar que havia uma organização, sim, entre os aparentemente desorganizados que participavam de protestos como os que acontecem no Brasil desde junho. Só não era uma organização formal, ou uma organização como nós a conhecemos, reconhecemos.

Houve vários momentos curiosos e interessantes, como quando Tiago Pimentel, um sujeito de dreadlocks louros e forte sotaque paulista, dos coletivos de mídia Interagentes e Casa de Cultura Digital, citou uma das frases mais assustadoras - e verdadeiras - que se pode dizer sobre política: Segundo Deleuze, ele disse, não seria possível haver um governo de esquerda, apenas um governo mais permeado aos ideais da esquerda. É fácil entender o conceito, se levarmos em conta a proposta de mudança, revolução, transformação que estaria incluída dentro do conceito de esquerda, o que é totalmente diferente da imobilidade de um Estado. É de assustar, às vezes, escutar o óbvio.

Mas o momento mais assustador [para mim, ao menos] foi quando, durante a apresentação de Toret ele falou de uma das métricas que eles, do 15-M, estavam usando para aferir o impacto das manifestações durante os protestos em 2011 [aliás, esse é um detalhe que devemos levar conosco: estão há dois anos estudando as manifestações, já]: uma espécie de coeficiente de emoção das interações dentro das redes sociais.

O processo era o seguinte, se eu entendi direito: eles criaram um robozinho que vasculhava a internet para saber como as manifestações foram comentadas, que tipo de emoção estava sendo associada a ela. Se o cara dizia: "Odiei a manifestação", era catalogado como "ódio". Se o cara dizia "Adorei o protesto", como "amor" ou algo do gênero. E assim por diante. O primeiro e principal problema nessa metodologia é óbvio. A linguagem não consegue refletir de maneira correta todos os tons da nossa emoção. Um exemplo tosco e banal: se o cara escreve "A passeata foi foda!", qual é a emoção que está implícita aí?

Além disso, uma frase não quer dizer exatamente o que a pessoa estava sentindo. O fato de ter escrito que odiava a manifestação não demonstra que o seu autor realmente a odiou, pode ter exagerado no tom. Também não quer dizer que o que ele considera ódio é o mesmo que outra pessoa considera. Como, então, igualar essas duas frases dentro de um mesmo conceito totalmente abstrato?

Eu gosto bastante de discussões políticas, mas, para mim, este não é o fundamento do humano - apenas o fundamento da vida em sociedade. Para mim, haveria algo ainda anterior à política, que identificaria o humano, que eu estou chamando muito amplamente de humanidade, ou o pensamento sinuoso, e que, na minha mais que humilde opinião, não seria possível matematizar, i.e., transformar em dados, códigos para uma análise numérica quantitativa.

Naquele momento, eu percebi que aqueles homens à frente da sala razoavelmente cheia, que seriam uma nova esquerda do mundo, uma nova forma de se organizar politicamente, já não compartilhavam a mesma humanidade, ou o mesmo conceito de humanidade, que eu. Eles estão tão integrados com as máquinas que aparentemente perdem toda a eternidade que existe entre o 0 e o 1. Não é de assustar que, e novamente eu vou citar a mais que famosa e derradeira entrevista de Heidegger, o filósofo de Meßkirch tenha afirmado - na década de 1960 - que a filosofia tinha acabado e que o que ficaria no lugar dela era a cibernética. Se sempre fomos homens-máquinas, homens-tecnológicos, agora, estamos virando máquina-homem.

Eu sei que isso é um problema da metodologia, e que a filosofia tende a se afastar disso, ainda bem, mas não consigo ficar satisfeito, mesmo, com essa tendência de transformar o mundo em um código binário. O homem, ou o homem-humano, não pode ser reproduzido numa impressora 3-D.

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