quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Adorável azul - Hölderlin

IN LIEBLICHER BLÄUE...
(Friedrich Hölderlin)
No azul adorável, floresce o telhado de metal do campanário. Em redor pairam gritos de andorinhas, à volta estende-se o mais comovente azul. O sol, por cima, vai muito alto e dá cor à chapa metálica. Mas suave, lá no alto, ao vento, range o catavento. Quando alguém desce, abaixo do campanário, os degraus, então o silêncio é vida; pois quando o corpo a tal ponto se destaca, depressa se forma uma figura do homem. As janelas de onde tocam os sinos parecem portas da beleza. Sim, as portas, parecendo ainda natureza, são à imagem das árvores da floresta. A pureza, que é simplicidade, é também bela. No interior, do diverso nasce um espírito grave. Tão simples são as imagens, tão santas, que por vezes se tem medo, na verdade, de as descrever. Mas os celestes, que são sempre inteiramente ricos e generosos, fazem dessa modéstia a sua virtude e a sua alegria. O homem, nisso, pode imitá-los. Mas, quando a sua vida não é senão cansaço, pode um homem olhar para cima e dizer: assim quero eu ser? Sim. Enquanto no seu coração permanecer a pura amizade, o homem pode medir-se, feliz, pela divindade. Será Deus desconhecido, ou será, como o céu, evidente? E nisto que prefiro acreditar. Tal é a medida do homem. Rico em méritos, é no entanto poeticamente que o homem habita nesta terra. A sombra da noite estrelada não é mais pura, se ouso dizê-lo, que o homem como imagem de Deus. Haverá na terra uma medida? Não há nenhuma. Nunca o mundo do Criador suspendeu o curso do trovão. Uma flor é ela própria bela porque floresce sob o sol. Frequentemente, o olhar encontra nesta vida seres que poderíamos dizer ainda mais belos que as flores. Oh, como o sei! Porque sangrar do corpo, e do próprio coração, por já não ser inteiro, agradará isso a Deus? A alma, creio, deve permanecer pura, senão do Todo-Poderoso aproxima-se com as suas asas a águia, reforçada pelo louvor do seu canto e as vozes de numerosas aves. É a essência, é a forma. Belo pequeno ribeiro, tu brilhas comovente enquanto corres, tão claro como o olhar da divindade pela via láctea. Conheço-te bem, mas as lágrimas perturbam o olhar. Vejo no entanto uma vida alegre florescer nos próprios corpos da criação ao redor de mim, porque a comparo sem erro às pombas solitárias entre os túmulos. O riso, dir-se-ia, desgosta-me no entanto dos homens, porque tenho um coração. Quereria eu ser um cometa? Assim o creio. Porque eles têm a rapidez das aves; florescem em fogo e são na sua pureza semelhantes à criança. Desejar um bem maior, a natureza do homem não o deixa presumir. A alegria de tal virtude, também ela merece ser louvada pelo espírito grave que sopra por entre as três colunas do jardim. Uma jovem bela deve coroar a sua fronte com flores de mirto, porque é simples, de essência e de sentimento. Mas os mirtos estão na Grécia. Quando alguém se vê ao espelho, quando um homem aí vê a sua imagem como pintada, ela assemelha-se-lhe. A imagem do homem tem olhos, a lua, porém, tem luz. O rei Édipo tem um olho a mais, talvez. O sofrimento de um tal homem parece indescritível, indizível, inexprimível. Quando o drama o representa, é isso que ocorre. Mas de mim agora, o que é que vem, que eu pense em ti? Como ribeiros, arrasta-me para aí o fim de um não sei quê, que se estende como a Ásia. Esta dor, naturalmente, Édipo conhece-a. Naturalmente é por isso. Terá também Hércules sofrido? Certamente. Os Dióscuros, apesar da sua amizade, não suportaram também a dor? Sim, lutar, como Hércules, com Deus, isso é sofrer. E possuir a imortalidade, que esta vida inveja, é também sofrimento. Sofrimento, também, contudo, quando um homem se cobre de sardas e fica coberto de muitas manchas dos pés à cabeça! E o belo sol que faz isso: ele tudo chama à sua revelação. Ele conduz os jovens com o encanto dos seus raios como com rosas. Os sofrimentos de Édipo são como os de um pobre homem que se lamenta de alguma falta. Ó filho de Laios, pobre estrangeiro na Grécia! Viver é morrer, e a morte é também uma vida.
Tradução daqui, da revista TBC, The Black Cat, em prosa. Aparentemente o original foi escrito em versos.

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