quarta-feira, 22 de abril de 2015

'O ponta driblador e o filósofo', de L. A. Simas

[...] Os que demonizam meu compadre acertam, porém, em um detalhe: – o homem é perigoso. Perigoso porque escapa das limitações do raciocínio matemático [que tem pânico do inesperado] e não compactua com fórmulas que reduzem a vida a um jogo de cartas marcadas, com desfecho previsível.
Como poderemos, na limitação de nossa tosca e arrogante visão racionalista, entender Exu, o menino que colheu o mel dos gafanhotos, mamou o leite das donzelas e acertou o pássaro ontem com a pedra que atirou hoje? Como lidar com aquele que sentado bate com a cabeça no teto e em pé não atinge nem mesmo a altura do fogareiro?
Exu é Pastinha na ginga, Garrincha no drible, Dino no sete cordas, Grande Otelo na tela, o jagunço na travessia, o sincopado do escurinho com fama de brigão, a pimenta no caruru de Dona Flor, Tia Eulália no miudinho, a rima de Aniceto na roda de partido alto, o mote de Zé Limeira, o trenzinho de seu Heitor Villa-Lobos, o manto do Bispo do Rosário, a sabedoria do professor Milton Santos, a vida severina, o infinito enquanto dure do poetinha e o provisório que se perpetua na poesia.
Posso até imaginar a cena de um verdadeiro encontro de civilizações no mais improvável dos filmes: – O filósofo Heráclito diz que viver é a arte de esperar o inesperado. Um moleque, preto retinto, filá na cabeça , pés ligeiros e pau duro, solta uma gargalhada alegre e responde ao grego, entre um gole e outro de marafo , enquanto descarna um bode, prepara o couro e dança no aço da navalha:
- Só percebeu isso agora, meu bom?
Este preto feito tiziu mora no tempo, no meu país, no mundo, na minha casa…
Texto mais que incrível do Luiz Antonio Simas.

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