domingo, 9 de agosto de 2015

A cabeça-durice de Dilma

Encontrei com Dilma Rousseff apenas uma vez na vida. Por isso não é possível chegar a qualquer conclusão sobre sua personalidade, nem mesmo seria prudente arriscar algum tipo de interpretação de sua psiquê ou fazer paralelos entre o que aconteceu aquele dia e o que acontece hoje em dia no país. Mas nem sempre somos assim tão prudentes.

Era um debate presidencial, no Projac, entre Lula e, suspeito, Alckmin. Como jornalista de generalidades, estava responsável por cobrir o lado do PT, para o caso de algo sair do planejado. Já que raramente alguma coisa realmente sai do planejado nesse tipo de evento, minha participação se resumiu a ser um observador privilegiado de algumas figuras importantes do cenário político nacional de então e até hoje - o que já diz algo sobre nosso cenário político -, um espectador curioso do debate para que pudesse, quiçá, anos depois - hoje - deixar algumas notas irresponsáveis sobre seus bastidores.

Apesar da proximidade com os principais caciques da política brasileira, infelizmente poucas coisas dignas de notas aconteceram. Lembro do atual prefeito do Rio, Eduardo Paes, então mero deputado, apoiando Alckmin [o mesmo Paes que depois de assumir o cargo de alcaide ia pedir bênção a Lula, como quem vai ao seu pai-de-santo ou ao seu padrinho da máfia, e que hoje chama o famigerado Eduardo Cunha de "meu presidente" - coisa que não se deve fazer nem de brincadeira] e ardilosamente gostando muito de aparecer. E lembro de uma cena envolvendo Dilma.

Dilma era então uma ministra em ascensão, ligada fortemente à moralidade, após todos os escândalos do primeiro governo Lula [lembrar do mensalão]. Era um perfil técnico. A gerentona. Quem tinha feito a Petrobras [logo a Petrobras!] crescer como uma empresa privada. Começava a se consolidar com um nome de confiança, inatingível, exatamente porque não era uma política profissional [lembrar que a primeira eleição para um cargo executivo que ela concorreu foi a de 2010]. Isso tudo há, apenas, dez anos. Como as coisas mudam...

Em um momento em que Alckmin deu uma resposta considerada pelo seus pares como boa, a bancada do PSDB fez um alvoroço. Um impaciente William Bonner chamou a atenção dos presentes dizendo que essa participação exagerada era contra as regras do debate, as quais todos tinham concordado em respeitar. Os tucanos se calaram. Foi a vez de Lula, então, falar. Quando ele terminou sua participação, uma resposta quase protocolar de tão banal, Dilma, inflamada, se levantou sozinha e começou a bater palmas empolgadamente, no que foi acompanhada quase que por inércia por dois ou três petistas [não lembro quem]. Bonner repetiu a sua repreensão padrão com ainda mais dureza e fez uma cara ríspida de "já não falei sobre isso?". Dilma se sentou em seguida, não sem deixar de reclamar em um tom alto o suficiente para que eu, que estava a uns dez metros de distância, escutasse sem ruídos: "mas se eles podem, a gente também pode!"

Muitas ideias aparecem com essa pequena anedota. Para a galera que é petistofóbico, a primeira coisa deve ser: "tá vendo como ela justifica suas ações? O passado a respalda. Logo ela é corrupta, claro!" Tal conclusão chega fácil porque ela agiu imitando o comportamento anterior, sem qualquer tipo de reflexão sobre o que seria certo ou errado, quase como uma criança de 5 anos que só elogia o desenho do amiguinho caso o amiguinho o tenha elogiado antes. A conclusão do petistofóbico é falha, porém, ao se restringir a atual presidenta porque ignora o fato óbvio: mesmo que sua atitude seja bastante infantil, não modificou o que existia. Em outras palavras: ela não inventou o hábito de quebrar as regras, apenas o imitou.

Prefiro uma outra interpretação, que, para mim, consegue mostrar melhor o caráter errático do atual governo. Uma possibilidade de entender a psicologia por trás de discursos violentos feitos pelo governo e o partido da presidenta que soam, às vezes, indecodificáveis para sujeitos menos bélicos [como eu]. Em vez de baixar a guarda para fazer uma mea culpa, expurgar o mal que contaminou áreas muito importantes da máquina, tentar reconstruir suas bases abrindo a guarda e procurar reatar as conexões com a militância histórica que sustentou seu partido na sua gênese, enfim, ser de esquerda, ela continua atacando, batendo, aumentando o tom de voz.

Dilma mostrou nessa pequena cena relatada que não leva desaforo para casa. Ela não se coloca numa posição de inferioridade e quase nunca pede desculpa. Ela se sentiu agredida pela atitude do adversário, do inimigo, e queria dar o troco. Achou que agir da mesma moeda era a única forma de se sentir vingada. Que o PSDB era um protegido e que se ela não fizesse nada ali, o seu partido, o partido que, na sua opinião, estava mudando o país, tinha sido roubado. E ela tinha que defender os seus, não importando como.
Exibiu-se como uma pessoa extremamente desconfiada, quase paranoica, talvez com mania de perseguição, que só sabe retribuir agressões do mesmo jeito. Apresentou um grau de insegurança assustador para a sua posição, e uma cabeça-durice que nos tira a esperança de que ela vai mudar o ritmo ou a direção das suas ações nos próximos anos. Vimos ali sua completa inabilidade política em lidar com ataques e como ela parece perdida quando está, cada vez mais, isolada. Ou melhor, ela se engana que sabe como agir nessas oportunidades: deve devolver no mesmo tom violento que é atacada.
ps. Isso tudo, claro, não é qualquer motivo para golpes, impeachment ou xingamentos de cunho simplesmente machistas direcionados à presidenta. Nem é, para mim, razão para qualquer pessoa participar do ato de 16 de agosto, agora. Viver em sociedade é aprender a viver com o diferente, o outro - desde que o outro não seja o Eduardo Cunha.

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