terça-feira, 6 de setembro de 2016

Chinanews: O G20 e o ressentimento

A China em crise de identidade
Recentemente, antes da abertura do G20 aqui na China, o presidente dos EUA, Barack Obama, teve que enfrentar um incidente diplomático: a escadinha para sair do seu avião oficial não apareceu. Ele teve que usar a saída de emergência. Obama também foi o único chefe de Estado que não teve direito a tapete vermelho. Até o golpista Temer recebeu o agrado.

Segundo comentários de quem entende do assunto, não foi um incidente, quiçá um acidente: foi deliberado. Os chineses queriam mostrar para o público interno que conseguem subjugar o [chamado] homem mais poderoso do planeta. Pura peça de propaganda, portanto.

A intenção do ato é reafirmar o mito da nação grande, em franco crescimento que em breve completará seu destino, que está gravado no próprio nome da nação em mandarim. Zhōngguó, ou 中國, quer dizer algo como nação do centro, do meio - do mundo. Em outras palavras, ser o motor que puxa o globo, morro acima. Ser o foco principal das atenções. Mudar o campo gravitacional da política internacional, do Atlântico para o Pacífico, da Europa-América do Norte, para a Ásia. Ser, enfim, a nação mais poderosa do planeta. [Poder, poder, poder.... quem decide isso?]

Essa vontade de liderança é apoiada pela população, em geral, pode-se dizer. Os chineses são o povo mais otimista em relação ao futuro que há. Essa confiança faz fronteira perigosa com a petulância e a arrogância. É a necessidade não de ser o primeiro colocado, mas de estraçalhar o adversário. É eleger um nêmesis, um inimigo que deve ser não somente suplantado, mas destruído. Isso é muito perigoso. Não é xenofobia, ainda ou totalmente. Mas é quase.

Lembra a noção de ressentimento em Nietzsche. Pelo que eu me recordo, o bigodudo dizia que, pelo ressentimento, só somos formados a partir do outro. O outro que nos dá nossa dimensão. Somos, portanto, apenas e somente no outro. O que Nietzsche está sugerindo, se eu ainda consigo recitar, não é necessariamente ignorar o outro, e viver uma vida completamente isolada do convívio - seja social ou geopolítico - mas afirmar a nossa potencialidade independentemente do nosso entorno.

Exemplo da natação. Sempre me disseram: nade o seu melhor. Se o seu melhor for o suficiente para ganhar a competição, ótimo. Se, pelo outro lado, você apenas focar em vencer o competidor do lado, vai acabar, na maioria das vezes, morrendo no final de prova [cf. PEREIRA, T., 2008, 2012 e 2016]. Em outras palavras e voltando para o caso chinês: não haveria um problema, em si, da China querer crescer [noves fora todas as consequências ambientais, claro]. Mas não pode tratar mal os coleguinhas por isso.

Esse é o traço mais funesto de outro mito: a competitividade como única forma de produção [aqui no sentido grego, mais amplo, de, resumindo, criação de algo]. A China, que ainda se vende internamente como uma nação comunista, está começando a praticar a mais nociva ação da lei de mercado. Como se dissesse, não basta vencer, tem que humilhar o outro. Eles engatinham ainda no assunto, mas o "otimismo" em relação a isso é grande. Dá para ver.

Essa é a base de qualquer projeto que prioriza o indivíduo, por meio de seus [cof, cof...] "méritos", em vez de pensar num projeto mais amplo em que o máximo número de pessoas fosse incluído. Serve para a China, para os EUA ou, claro, para o Brasil. Melhor que isso certamente seria: em vez de se preocupar com o outro, se preocupar com todos os outros.

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