sexta-feira, 18 de março de 2005

Gosto

Há tempos quero saber do que é feito o gosto dos outros, e o meu próprio. Como embasamento, só tinha uma frase do Borges que dizia algo como "gostar é reconhecer-se". O que é um belo ponto de partida. Junto a isso, numa aula sobre ética, o professor citou as diferenças entre o juízo de fato, de valor e de estética. Exemplos: Chove lá fora; Chove muito lá fora; Chove belamente lá fora - respectivamente.

O primeiro seria uma constatação do óbvio. O segundo uma atribuição relativa, mediante comparação, mesmo não explícita. E o terceiro - o que interessa - uma descrição da qualidade ou do defeito de um determinado objeto de estudo.

Então, por que gostamos de um filme, peça, música etc? Um juízo de fato, para início de conversa: os gostos são diferentes. Então, se conclui que diferentes personalidades têm gostos díspares. Por um raciocínio lógico, pode-se sugerir que há duas formas de gostar: a) daquilo que melhor complementa o seu ser; b) aquilo que melhor representa o seu ser. E, pode-se argumentar que há ainda a possibilidade de trânsito entre esses dois extremos. Mas, é possível sugerir que os dois casos são praticamente iguais, bastando demonstrar que o primeiro seria aquilo que o sujeito quer ser, mas não é (ainda ou nunca será). E, dessa forma, gostar seria somente reconhecer-se - ou como incompleto ou como narciso. Ponto para Borges.

Exemplos são infinitos: via de regra, um brutamontes não gostará de um filme delicado - porque não encontrará nada dele na tela. Por outro lado, um sujeito sensível poderá se intrigar com alguma produção violenta ou de ação, querendo alcançar toda a virilidade que ele não apresenta normalmente.

Basta pensar em nós mesmos. Conheço um camarada que adora o "Rio 40 graus", do Nelson Pereira, porque em determinadas cenas, o faz lembrar de sua família. Sei de outro que gosta do "Coffee and Cigarretes", porque o ritmo de narrativa é natural para ele. E o que dizer do meu fascínio por Woody Allen?

O que acontece, às vezes, e sobre isso seria interessante um estudo bacana, é como os outros juízos - principalmente o de valor - interfere no estético. A estética deveria ser amoral, ou pelo menos, "sobremoral", se é que tal conceito existe. Mas, conheço gente - inúmeros - que detestam "Irreversível" porque há cenas extremamente fortes e chocantes. Não defendo nem ataco, pelo contrário. Só digo que os argumentos não podem conter um valor. Porque a estética deveria vir antes do raciocínio, antes do argumento formado, antes dos porquês, o gostar deveria ser uma surpresa que te pega antes de pensar e te mostra quem vc é, ou como vc gostaria de ser.

Ou não. E se essa justificativa começasse uma outra discussão: o seu senso estético não seria também influenciado pelos valores pessoais? Porque se gostar é reconhecer-se, e se reconhecer é se conhecer de uma forma nova, isso também incluiria os seus valores éticos e morais. Certo, correto ou belo?

Ok, ok, ok. Deixemos as discussões mais acaloradas para outro dia.

Nenhum comentário: