No filme húngaro "O cavalo de Turim", o diretor Béla Tarr coloca o narrador para descrever a famosa cena de Nietzsche abraçando o quadrúpede na praça pública da cidade italiana [já comentei essa cena aqui]. Ele lembra que, após todo o imbróglio, o Bigode teria entrado em parafuso. As últimas palavras do alemão teriam sido, segundo Tarr: "Mutter, Ich bin Dumm", ou algo como "Mãe, eu sou um idiota".
Não encontrei qualquer outra fonte, na internet, que confirmasse essa frase. Se diz muito sobre a cena de Nietzsche abraçando o cavalo, e se fala sobre o momento em que, nu, dentro do quarto, ele dançou, para o desespero da dona do estabelecimento em que ele estava hospedado, que assistiu a tudo pelo buraco da fechadura. Também é possível encontrar outras frases finais, como "Christ, or Dionysius, do you understand me? Take your choice", mostrando a tara que Nietzsche tinha ao fim da vida com Cristo e com Dionísio, e ecoando a informação de como ele, já meio tantã da cabeça, assinava suas cartas ora como Dionísio, ora como Anticristo. Ou, em um livro sobre a estranhíssima relação de Nietzsche com a família Wagner, já no manicômio alemão, como ele teria dito para os guardas: ""It was my wife Cosima Wagner who brought me here."
A verdade é que não dá para saber exatamente qual teria sido as últimas palavras de Nietzsche, principalmente porque ele ficou cerca de dez anos fora do ar, após o colapso de 1889. E, mesmo antes, ele já não estava regulando bem, conforme mostram as tais cartas, entre outros documentos. Além disso, suas últimas palavras também não podem / não precisam ser as mais representativas de toda a sua vida, apenas demonstrariam sua passagem final, o momento em que não seria mais necessário jogar o jogo da vida, interpretar o papel que escolhemos. Mas Nietzsche não era um sujeito que estava dentro da moralidade, que representava, que tentava agradar. Era, inclusive, o oposto disso, e esse comportamento baseado apenas na sua vontade, sem levar em conta os outros, em sua volta, foi, inclusive, um dos motivos que o deixou isolado.
Daí é curiosa a escolha das palavras do diretor Tarr para Nietzsche. Primeiro, que ele se refere a mãe, com quem Nietzsche não teve uma boa relação, chegando a afirmar que o principal empecilho para se acreditar na doutrina do Eterno retorno seria pensar que ele viveria novamente com a mãe e com a irmã. Mas, de toda forma, a mãe é um desses firmamentos que sempre teremos. É uma constante que nos acompanha. A frase seguinte, "Eu sou um idiota", quer dizer, na primeira leitura, que ele tinha feito tudo errado na vida. Tinha optado pelos caminhos que levaram a esse isolamento, que não tinha acertado.
Mas não consigo deixar de pensar, novamente, em Dostoiévski, especificamente em "O idiota", uma de suas obras-primas. Saca a minúscula sinopse que a Wikipedia em português dedica para o livro:
O homem que quis criar um super-homem, que não se acanhava de falar o que pensava, que gostava do Cristo histórico, mas o via como um inadaptado, e que acabou se isolando, ou sendo isolado, em um sanatório, por dificuldade de se relacionar com as outras pessoas. O livro de Dostoiévski, para aumentar as coincidências, foi escrito na italiana Florença.
Tarr talvez tenha inventado a frase final de Nietzsche, mas não é uma sentença aleatória. Está dentro de um contexto, de um mundo que melhor explica quem foi o que quis ser o Bigodudo. Um idiota dostoievskiano completo.
Não encontrei qualquer outra fonte, na internet, que confirmasse essa frase. Se diz muito sobre a cena de Nietzsche abraçando o cavalo, e se fala sobre o momento em que, nu, dentro do quarto, ele dançou, para o desespero da dona do estabelecimento em que ele estava hospedado, que assistiu a tudo pelo buraco da fechadura. Também é possível encontrar outras frases finais, como "Christ, or Dionysius, do you understand me? Take your choice", mostrando a tara que Nietzsche tinha ao fim da vida com Cristo e com Dionísio, e ecoando a informação de como ele, já meio tantã da cabeça, assinava suas cartas ora como Dionísio, ora como Anticristo. Ou, em um livro sobre a estranhíssima relação de Nietzsche com a família Wagner, já no manicômio alemão, como ele teria dito para os guardas: ""It was my wife Cosima Wagner who brought me here."
A verdade é que não dá para saber exatamente qual teria sido as últimas palavras de Nietzsche, principalmente porque ele ficou cerca de dez anos fora do ar, após o colapso de 1889. E, mesmo antes, ele já não estava regulando bem, conforme mostram as tais cartas, entre outros documentos. Além disso, suas últimas palavras também não podem / não precisam ser as mais representativas de toda a sua vida, apenas demonstrariam sua passagem final, o momento em que não seria mais necessário jogar o jogo da vida, interpretar o papel que escolhemos. Mas Nietzsche não era um sujeito que estava dentro da moralidade, que representava, que tentava agradar. Era, inclusive, o oposto disso, e esse comportamento baseado apenas na sua vontade, sem levar em conta os outros, em sua volta, foi, inclusive, um dos motivos que o deixou isolado.
Daí é curiosa a escolha das palavras do diretor Tarr para Nietzsche. Primeiro, que ele se refere a mãe, com quem Nietzsche não teve uma boa relação, chegando a afirmar que o principal empecilho para se acreditar na doutrina do Eterno retorno seria pensar que ele viveria novamente com a mãe e com a irmã. Mas, de toda forma, a mãe é um desses firmamentos que sempre teremos. É uma constante que nos acompanha. A frase seguinte, "Eu sou um idiota", quer dizer, na primeira leitura, que ele tinha feito tudo errado na vida. Tinha optado pelos caminhos que levaram a esse isolamento, que não tinha acertado.
Mas não consigo deixar de pensar, novamente, em Dostoiévski, especificamente em "O idiota", uma de suas obras-primas. Saca a minúscula sinopse que a Wikipedia em português dedica para o livro:
O príncipe Míchkin tem 27 anos de idade quando retorna a Petesburgo, após permanecer vários anos em um sanatório na Suíça para tratar da sua epilepsia. Tem-se então o desenrolar da trama cujo tema central recai na problemática do indivíduo puro, superior, que acaba sendo para os demais, numa sociedade corrompida, um idiota, um inadaptado."[P]roblemática do indivíduo puro, superior, que acaba sendo para os demais, numa sociedade corrompida, um idiota, um inadaptado"? "O herói do romance, o humanista e epilético Míchkin, é uma mescla de Cristo e Dom Quixote"? "Sua bondade e o impacto da sua sinceridade irá revelar ao leitor de forma trágica como em um mundo obcecado por dinheiro, poder e conquistas, o sanatório acaba sendo o único lugar para um santo"? Poderíamos, sem fazer esforço, estar falando sobre Nietzsche.
O herói do romance, o humanista e epilético Míchkin, é uma mescla de Cristo e Dom Quixote, cuja compaixão sem limites vai se chocar com o desregramento mundano de Rogójin e a beleza enlouquecedoura de Nastácia Filíppovna. Sua bondade e o impacto da sua sinceridade irá revelar ao leitor de forma trágica como em um mundo obcecado por dinheiro, poder e conquistas, o sanatório acaba sendo o único lugar para um santo.
O homem que quis criar um super-homem, que não se acanhava de falar o que pensava, que gostava do Cristo histórico, mas o via como um inadaptado, e que acabou se isolando, ou sendo isolado, em um sanatório, por dificuldade de se relacionar com as outras pessoas. O livro de Dostoiévski, para aumentar as coincidências, foi escrito na italiana Florença.
Tarr talvez tenha inventado a frase final de Nietzsche, mas não é uma sentença aleatória. Está dentro de um contexto, de um mundo que melhor explica quem foi o que quis ser o Bigodudo. Um idiota dostoievskiano completo.
2 comentários:
Muito bacana a análise e o texto, cara. Parabéns.
obrigado!
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