Uma das curiosidades para o brasileiro ao ler "Midnight's children", do Salman Rushdie, é descobrir como os portugueses influenciaram a Índia, principalmente a costa do mar da Arábia, que banha Goa - até o século XX uma colônia portuguesa - e Mumbai - previamente conhecida como Bombaim, palavra derivada da expressão "Boa Bahia".
Nós brasileiros temos o vício de especular como seria a nossa história caso os franceses tivessem ficado no Rio ou os holandeses em Pernambuco - como se as sociedades surinamesas e guianenses-francesas fossem exemplares. Temos o hábito de culpar nossas mazelas à nossa colonização portuguesa, a esse minúsculo país católico, que no mapa parece estar sendo expulso geográfica e metaforicamente da Europa, e que, entre outros problemas, introduziu uma mentalidade escravocrata em nossa sociedade, que não é fácil tirar.
Claro que devemos muito de nossos problemas a essas questões - mas não podemos mudar esse nosso passado. É ele que nós temos e é com ele que nós devemos lidar. Uma maneira mais produtiva [otimista?] de encarar esse fato [fato!] é tentar mudar o que nós podemos mudar, e tentar entender - enxergar a importância de Portugal, para perceber que esse país, que hoje é visto muitas vezes como um apêndice na comunidade europeia, já foi a mais importante nação do planeta. É, talvez, ficar assombrado que esse país ligeiramente menor que Pernambuco já dominou áreas tão extensas como o próprio Brasil e a Índia.
Para começar, há a questão da "descoberta" da Índia. O nome é péssimo porque a Índia é um dos mais antigos conglomerados de pessoas da história ainda em atividade - provavelmente só tendo rival com a China - que fazia comércio com o antigo Egito. Portanto, não foi descoberta por nenhuma civilização ocidental. Mas, como aprendemos na escola, Vasco da Gama foi o primeiro a chegar lá, oficialmente, contornando o continente africano, após os otomanos fecharem o caminho por terra. A importância mundial de Portugal começa aí.
E na Índia, principalmente em Mumbai [rebatizada em homenagem à deusa Mumbadevi na tentativa de tirar o traço europeu dela], podemos ouvir e ver o eco dos portugueses em vários lugares. O pão, por exemplo, se chama, "pao". O chá, "chai" - por herança dos chineses [aliás, foram os portugueses que levaram o costume de beber infusão de folhas para a terra do chá das 5 pm, a Inglaterra]. Armazéns se chamam "godown", por conta de "gudão", palavra portuguesa, adaptada de "gudang", da Indonésia. E ontem, fiz uma descoberta que me surpreendeu: "Brinjal" é, tanto na Índia como na África do Sul, o que os ingleses chamam de "aubergine", e nós, "berinjela" [ou "beringela", forma preferencial do Houaiss] - que, por sua vez, tem como origem a palavra árabe "al-bâ-dinjân", ou segundo novamente o Houaiss, "bádindjána", que, por sua vez, vem do persa "bádndján", que quer dizer "planta e fruto".
No caso da "berinjela", Portugal, e o seu - e o nosso - português foi mais influente na Índia [e na África do Sul] que as grandes potências da Arábia e da Pérsia. É um caso isolado, e provavelmente haverá outros inúmeros para comprovar o inverso, como essas potências trocaram palavras com os inúmeros ramos linguísticos da Índia. Mas já ter um caso em uma palavra tão comum - e não ter algo com o russo, ou o chinês, por exemplo - demonstra o prestígio de uma sociedade. Ou, parafraseando o sábio Quincas Borba, ao vencedor, a berinj[g]ela.
Nós brasileiros temos o vício de especular como seria a nossa história caso os franceses tivessem ficado no Rio ou os holandeses em Pernambuco - como se as sociedades surinamesas e guianenses-francesas fossem exemplares. Temos o hábito de culpar nossas mazelas à nossa colonização portuguesa, a esse minúsculo país católico, que no mapa parece estar sendo expulso geográfica e metaforicamente da Europa, e que, entre outros problemas, introduziu uma mentalidade escravocrata em nossa sociedade, que não é fácil tirar.
Claro que devemos muito de nossos problemas a essas questões - mas não podemos mudar esse nosso passado. É ele que nós temos e é com ele que nós devemos lidar. Uma maneira mais produtiva [otimista?] de encarar esse fato [fato!] é tentar mudar o que nós podemos mudar, e tentar entender - enxergar a importância de Portugal, para perceber que esse país, que hoje é visto muitas vezes como um apêndice na comunidade europeia, já foi a mais importante nação do planeta. É, talvez, ficar assombrado que esse país ligeiramente menor que Pernambuco já dominou áreas tão extensas como o próprio Brasil e a Índia.
Para começar, há a questão da "descoberta" da Índia. O nome é péssimo porque a Índia é um dos mais antigos conglomerados de pessoas da história ainda em atividade - provavelmente só tendo rival com a China - que fazia comércio com o antigo Egito. Portanto, não foi descoberta por nenhuma civilização ocidental. Mas, como aprendemos na escola, Vasco da Gama foi o primeiro a chegar lá, oficialmente, contornando o continente africano, após os otomanos fecharem o caminho por terra. A importância mundial de Portugal começa aí.
E na Índia, principalmente em Mumbai [rebatizada em homenagem à deusa Mumbadevi na tentativa de tirar o traço europeu dela], podemos ouvir e ver o eco dos portugueses em vários lugares. O pão, por exemplo, se chama, "pao". O chá, "chai" - por herança dos chineses [aliás, foram os portugueses que levaram o costume de beber infusão de folhas para a terra do chá das 5 pm, a Inglaterra]. Armazéns se chamam "godown", por conta de "gudão", palavra portuguesa, adaptada de "gudang", da Indonésia. E ontem, fiz uma descoberta que me surpreendeu: "Brinjal" é, tanto na Índia como na África do Sul, o que os ingleses chamam de "aubergine", e nós, "berinjela" [ou "beringela", forma preferencial do Houaiss] - que, por sua vez, tem como origem a palavra árabe "al-bâ-dinjân", ou segundo novamente o Houaiss, "bádindjána", que, por sua vez, vem do persa "bádndján", que quer dizer "planta e fruto".
No caso da "berinjela", Portugal, e o seu - e o nosso - português foi mais influente na Índia [e na África do Sul] que as grandes potências da Arábia e da Pérsia. É um caso isolado, e provavelmente haverá outros inúmeros para comprovar o inverso, como essas potências trocaram palavras com os inúmeros ramos linguísticos da Índia. Mas já ter um caso em uma palavra tão comum - e não ter algo com o russo, ou o chinês, por exemplo - demonstra o prestígio de uma sociedade. Ou, parafraseando o sábio Quincas Borba, ao vencedor, a berinj[g]ela.
4 comentários:
Já que o amigo anda mergulhado na etimologia da berinjela, pode ajudar uma dúvida do lado de cá do Atlântico? Por que em inglês berinjela virou eggplant?
See you soon :)
Beijos
Curiosamente, você é a segunda pessoa a me perguntar isso, hoje. Só tenho um adendo. Não é inglês, mas em "americano". Na Inglaterra, como eu disse no post, é aubergine. O que me remete à frase - que eu citei na primeira vez - do G. B. Shaw que dizia que "England and America are two countries separated by a common language." O que explica muitas coisas, mas não o porquê de eggplant.
Fui pesquisar no Oxford dicionário, versão EUA [na versão inglesa, eles se contentam em dizer que é a versão americana de aubergine], e eles têm a cara-de-pau de dizer que é porque o formato da planta se parece com um ovo. Vai entender americanos...
Em francês é aubergine também. Aposto que os ingleses se apropriaram do termo. :)
Brigada
Esses ingleses...
Na verdade, ouvi de um bielorrusso [!] a mesma teoria: de que essas trocentas palavras que são iguais entre o francês e o inglês [eu, que não sei bulhufas da língua de Alain Prost, lembro sempre de quando me deu o estalo e entendi o que queria dizer "non, je ne regrette rien", juntando com a informação de que eu sabia como responder a "merci" o meu parco inglês] são a mostra da influência do francês no inglês.
Todavia... sempre pensei o oposto, principalmente porque, como o francês é uma língua latina, ou bastante latina, essas palavras diferentes entre os dois lados do canal seriam exatamente porque eles foram influenciados pelos ingleses, seus semi-vizinhos.
Eu não sei qual é a resposta - ou se há uma resposta. Pode ser uma relação de influência mútua, ou ainda uma origem em comum, tipo, um povo [galês, por exemplo] que vivia dos dois lados da Mancha.
De qualquer forma, é uma relação de primos, me parece, que amam se odiar.
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