"O jornalismo é um cachaça". Já perdi as contas de quantas vezes ouvi essa frase, que já se tornou um clichê, dentro do clichê que é associar algo que é viciante, porém, nem sempre saudável. Porque como explicar a reação de de jornalistas que, ao saberem de uma catástrofe, correm para as suas redações, em vez de esperar o horário normal de entrar no trabalho? Ou gente que está dentro de uma dessas intermináveis e extremamente cansativas coberturas e, no meio de uma pausa, comentar que é muito empolgante/bom/gratificante fazer o que faz?
É, para o leigo, inexplicável. Por outro, porém, é possível traçar algumas linhas de raciocínio que fogem do caminho comum de outros trabalhos. Como se pode ver, o jornalista, como o fotógrafo, não é um profissional facilmente enquadrável. Por um lado, recebe doses constantes - e overdoses de tempos em tempos - de adrenalina e de outras químicas internas que, certamente, liberam quantidades de prazer incomparáveis com as liberadas por outros ofícios. Quantidades essas que antes eram usadas em situações de perigo iminente. Por outro, tem o contato com tragédias, o que, desde Aristóteles, ficamos sabendo que é um atrativo para o ser humano - seja por uma espécie de educação moral, por um aprendizado para encarar os momentos mais inesperados do mundo, seja, por fim, uma catarse completa que faz as pessoas repensarem as suas vidas e decidirem suas prioridades.
Além desses aspectos, que poderiam ser associadas a outras profissões como a medicina, por exemplo, há uma outra, uma outra condição que eu estava amadurecendo a ideia, formulando o raciocínio, aparando os exageros, e que ouvi recentemente de um jornalista de 80 anos, com um carreira que se pode chamar de modelo, Alberto Dines: O jornalismo é uma arte.
Além da ideia de techné, dos gregos, que era mais ligada ao exercício de um ofício que precisa de alguma técnica - o que, aliás, se aplicava à medicina, também - quero dizer que o jornalismo é uma versão em baixa voltagem da literatura. É uma dose menor do que teríamos contato com um romance, por exemplo. É uma versão mais diluída - em alguns casos, claro.
Pois, se não: usa da matéria-prima da literatura, a linguagem. Trabalha com o princípio básico da literatura moderna, contar uma história. Exige o contato da mesma figura que a literatura, o leitor. Tem que passar pelo mesmo responsável, o editor. Possui os mesmos elementos, como personagens, localização, tempo.
Claro que respeita mais regras que a literatura de ficção em si - mas se pegarmos um poema também percebemos certas auto-imposições criadas pelo seu autor. Trabalha num outro registro, mais literal, menos literário, mais referencial, menos poético. Mas isso pode ser apenas um estilo - imposto, claro, por donos de jornais, pelas exigências do mercado, pela adaptação aos tempos, mas sempre um estilo. De toda forma, talvez seja daí que venha aquela famosa reclamação de Nelson Rodrigues contra os "idiotas da subjetividade". Porque ele queria pegar o caminho que ele enxergasse, não seguir pelo atalho que lhe estavam forçando.
O mesmo, a mesma sensação de produção de arte, mesmo que jamais se atenham a isso, acontece com fotógrafos - mesmo que trabalhem com batizados e casamentos. Eles mexem com um elemento que tem todas as características da arte da fotografia - que não é, como se pode pensar,o ato de registrar um momento, mas a possibilidade de recriar, com outras lentes e outros formatos e interferências, um instante que passou e provavelmente não voltará mais [ou não tão cedo].
O fotógrafo tem a vantagem sobre o jornalista de trabalhar com a imagem, que é algo de fácil identificação por todo mundo [que enxerga]. Nascemos com o aparato visual, com o sentido da visão, sabemos identificar, ou aprendemos a identificar, ou somos moldados a identificar aquilo que é belo ou feio para os olhos desde muito pequenos. Já a leitura, é algo que, necessariamente, aprendemos, não é um sentimento nato - apesar de que o ato de contar histórias, me parece, agora, sim, totalmente comum a todos os homem, desde sempre.
Isso explica, ao menos em parte, a ligação do jornalista com o seu trabalho. Porque ele toca e pode modelar esse barro que é a língua para construir o seu produto final, o texto. Ele tem o prazer - esse inenarrável - da criação. Ele sente o gosto, mesmo que de uma forma paradoxalmente efêmera, da eternidade. Ele congela um espaço temporal e o faz sempre fresco, sempre primeiro, sempre único quando alguém com a sua leitura o desperta. É difícil pensar isso com muitas outras profissões.
É, para o leigo, inexplicável. Por outro, porém, é possível traçar algumas linhas de raciocínio que fogem do caminho comum de outros trabalhos. Como se pode ver, o jornalista, como o fotógrafo, não é um profissional facilmente enquadrável. Por um lado, recebe doses constantes - e overdoses de tempos em tempos - de adrenalina e de outras químicas internas que, certamente, liberam quantidades de prazer incomparáveis com as liberadas por outros ofícios. Quantidades essas que antes eram usadas em situações de perigo iminente. Por outro, tem o contato com tragédias, o que, desde Aristóteles, ficamos sabendo que é um atrativo para o ser humano - seja por uma espécie de educação moral, por um aprendizado para encarar os momentos mais inesperados do mundo, seja, por fim, uma catarse completa que faz as pessoas repensarem as suas vidas e decidirem suas prioridades.
Além desses aspectos, que poderiam ser associadas a outras profissões como a medicina, por exemplo, há uma outra, uma outra condição que eu estava amadurecendo a ideia, formulando o raciocínio, aparando os exageros, e que ouvi recentemente de um jornalista de 80 anos, com um carreira que se pode chamar de modelo, Alberto Dines: O jornalismo é uma arte.
Além da ideia de techné, dos gregos, que era mais ligada ao exercício de um ofício que precisa de alguma técnica - o que, aliás, se aplicava à medicina, também - quero dizer que o jornalismo é uma versão em baixa voltagem da literatura. É uma dose menor do que teríamos contato com um romance, por exemplo. É uma versão mais diluída - em alguns casos, claro.
E quem terá coragem de dizer que o "A sangue frio" não é
uma obra-prima da literatura? [acima, o seu autor, Truman
Capote, fotografado por Irving Penn]
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Claro que respeita mais regras que a literatura de ficção em si - mas se pegarmos um poema também percebemos certas auto-imposições criadas pelo seu autor. Trabalha num outro registro, mais literal, menos literário, mais referencial, menos poético. Mas isso pode ser apenas um estilo - imposto, claro, por donos de jornais, pelas exigências do mercado, pela adaptação aos tempos, mas sempre um estilo. De toda forma, talvez seja daí que venha aquela famosa reclamação de Nelson Rodrigues contra os "idiotas da subjetividade". Porque ele queria pegar o caminho que ele enxergasse, não seguir pelo atalho que lhe estavam forçando.
O mesmo, a mesma sensação de produção de arte, mesmo que jamais se atenham a isso, acontece com fotógrafos - mesmo que trabalhem com batizados e casamentos. Eles mexem com um elemento que tem todas as características da arte da fotografia - que não é, como se pode pensar,o ato de registrar um momento, mas a possibilidade de recriar, com outras lentes e outros formatos e interferências, um instante que passou e provavelmente não voltará mais [ou não tão cedo].
O fotógrafo tem a vantagem sobre o jornalista de trabalhar com a imagem, que é algo de fácil identificação por todo mundo [que enxerga]. Nascemos com o aparato visual, com o sentido da visão, sabemos identificar, ou aprendemos a identificar, ou somos moldados a identificar aquilo que é belo ou feio para os olhos desde muito pequenos. Já a leitura, é algo que, necessariamente, aprendemos, não é um sentimento nato - apesar de que o ato de contar histórias, me parece, agora, sim, totalmente comum a todos os homem, desde sempre.
Isso explica, ao menos em parte, a ligação do jornalista com o seu trabalho. Porque ele toca e pode modelar esse barro que é a língua para construir o seu produto final, o texto. Ele tem o prazer - esse inenarrável - da criação. Ele sente o gosto, mesmo que de uma forma paradoxalmente efêmera, da eternidade. Ele congela um espaço temporal e o faz sempre fresco, sempre primeiro, sempre único quando alguém com a sua leitura o desperta. É difícil pensar isso com muitas outras profissões.
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