domingo, 30 de junho de 2013

O trabalho dos burocratas políticos

Além de passarem por uma série de problemas urbanos, ainda se exige que eles façam o trabalho de profissional que deveria ser dos burocratas preguiçosos responsáveis pela bagunça nos serviços. Os cidadãos só apontam os problemas. Resolvê-los é trabalho para os políticos e técnicos pagos por eles para fazê-lo.
Manuel Castells mostrando as responsabilidades de cada um dos atores envolvidos n"O Globo".

Aliás, os comentários dele na "Istoé" também são ótimos:

Não há perigo de um golpe de Estado. Os corruptos e antidemocráticos já estão no poder: eles são a classe política. 
ou:
A grande força é que eles são espontâneos, livres, festivos, é uma celebração da liberdade. A fraqueza não é deles, a fraqueza são a estupidez e a arrogância da classe política que é insensível às demandas autônomas de cidadãos.


sexta-feira, 28 de junho de 2013

Brilhos e sombras das mentes com lembranças

Considerado o melhor filme da primeira década do século XXI pelo jornal "O Globo", Brilho eterno de uma mente sem lembranças sofre hoje por suas qualidades. Ele é o segundo e último – até agora – fruto da união do melhor diretor da época dos videoclipes [o francês Michel Gondry, que lança neste fim de semana o seu mais recente filme: A espuma dos dias] com o melhor roteirista da atualidade [o americano Charlie Kaufman]. Ambos sozinhos, ou com outras parcerias, nunca mais produziram algo tão inventivo e impactante. Daí o seu problema. Por conta dos predicados e da aura de cool de seus realizadores, diz-se que ele se tornou uma escolha óbvia entre aqueles que precisam de um filme para poder tentar se incluir dentro do grupo dos descolados.

Não gostar dele por conta dessa sua fama [que não é exatamente grande, logo, só incentivando o clima de “clube exclusivo”] é apenas fazer o jogo oposto – e, ao mesmo tempo, igual – dos que gostam dele sem qualquer fundamento: só é bom, ou só se pode falar sobre, aquilo que ninguém mais fala ou conhece. Essa vontade de ser único, individual, jamais uma cópia, não é novo, claro. O mesmo deve ter acontecido, podemos supor, em todas as gerações. Filmes como Laranja mecânica, Taxi driver, Blade runner, Pulp fiction, só para ficar nas três décadas anteriores, são exemplos de filmes que se tornaram referência muitas vezes sem nem mesmo serem vistos. Ignorá-los é, além de perder produções excepcionais, deixar passar movimentos históricos por pura ignorância.

Feitas essas ressalvas, basta pensar que o longa-metragem, que conta com Jim Carrey e Kate Winslet nos papéis principais, mas cujos coadjuvantes [Mark Ruffalo, Elijah Wood, Kirsten Dunst, Tom Wilkinson entre outros] são provavelmente tão importantes quanto os principais, tem predicados que sustentam sua fama para entrar para a memória cinematográfica mundial. Ele representa exatamente a geração que cresceu vendo videoclipes numa recém inaugurada MTV [que está para fechar, concluindo o seu ciclo], e, após o período do grunge, ou seja, na segunda metade da década de 1990, descobriu nomes como David Fincher, Spike Jonze, Roman Coppola, Chris Cunningham e Michel Gondry, só para citar os mais famosos.

Alguns fizeram a transição para o longa-metragem outros tentaram formatos mais alternativos, como a videoarte. Mas foi o clipe, esse vídeo que acompanha a música de uma banda, o laboratório em que eles puderam trabalhar suas linguagens, sem tantas amarras de um estúdio que limitasse suas imaginações. Mexeram com o tom das narrativas, aprenderam as questões técnicas, foram ganhando experiência, e criaram seus estilos. Toda a loucura nonsense que você vai ver em um filme como Quero ser John Malkovich, de Jonze, já estava presente no clipe Praise you, do Fat Boy Slim. O mesmo podemos dizer de Gondry. Todo o seu clima onírico já estava em Let forever be, dos Chemical Brothers.

Essa é a principal característica do cineasta francês, que fez depois filmes tão irregulares como Rebobine, por favor e Sonhar acordado: seus filmes parecem grandes passeios pelo inconsciente enquanto estamos desacordados. Sua estética, que se baseia em inventar soluções pequenas, às vezes forçosamente simples, sugere que suspendamos sempre nossa crença no que seria real, verdadeiro, físico, palpável. Nos seus filmes, tudo é possível.
Aqui entra Charlie Kaufman. O roteirista americano foi o parceiro ideal – enquanto viável – para esse grupo que vinha dos clipes. Ele é o roteirista dos primeiros filmes tanto de Jonze como de Gondry. Kaufman construía a história que seria levada à tela, no formato do diretor. Foi uma parceria, principalmente com Gondry, que rendeu ao menos duas obras-primas: além de Brilho eterno..., o primeiro filme dos dois juntos, Natureza quase humana. Curiosamente, quando se separaram, os dois nunca mais construíram nada relevante. Como se um precisasse do outro para se controlar e conseguir atingir o público. Como se os roteiros incomuns de Kaufman precisassem de um diretor com o apuro visual de Gondry para se fazer entender. O único filme que Kaufman dirigiu, Sinédoque, Nova York, é praticamente incompreensível. Como se a inventividade visual de Gondry necessitasse da substância de Kaufman. Com os dois juntos, forma e conteúdo, finalmente, teriam se encontrado.

Mas nem nomes conhecidos nem trajetórias de sucesso produzem, por si só, filmes [ou qualquer outra obra] relevantes. A trama de Eternal sunshine of the spotless mind [título original, tirado do poema Eloisa to Abelard, do inglês Alexander Pope, uma das fixações de Kaufman] pode ser resumida muito simplesmente assim: casal se separa e os dois tentam, com todas as suas forças, esquecer um ao outro. Quantos e quantos filmes partem dessa premissa e chegam a lugar nenhum? No caso de Brilho eterno..., é diferente: eles literalmente vão apagar um ao outro de suas memórias.

Ambos, em diferentes momentos, procuram uma empresa chamada sugestivamente de Lacuna que faz um procedimento não-cirúrgico de remoção das memórias não desejadas. “Há algum dano para o cérebro?”, pergunta Joel, personagem de Jim Carey. “O procedimento é basicamente danificar o cérebro”, responde o médico interpretado por Tom Wilkinson, responsável pela empresa, “Tecnicamente é igual a acordar de ressaca”, exemplifica.

Assim Joel deve juntar todos os objetos que o fazem lembrar de Clementine [Kate Winslet] e levar para que o seu cérebro seja mapeado: qualquer parte em que houver resquício da ex-namorada seria deletado, como se fosse uma fita de videocassete ou um cartão de uma máquina fotográfica digital. A proposta é que uma “mente sem lembranças” poderá “brilhar eternamente”. Mas seria isso possível? Será que uma mente existe “sem lembranças”? E é possível “brilhar eternamente”, sem em nenhum momento enfrentar alguns períodos de sombra?

Apesar de todo o avanço da neurociência, que já conseguiu, também, mapear o cérebro humano, ainda não se sabe exatamente – ou cientificamente – como funcionam os mecanismos da memória. Como nos lembramos de algo, por que nos lembramos, que fatores nos fazem lembrar ou esquecer algo? A psicologia vem, igualmente, tentando responder a essas questões desde antes de Freud. William James [irmão do romancista Henry James], por exemplo, em seu Os princípios da psicologia, de 1890, já afirmava que “de algumas ações, nenhuma memória sobrevive ao instante de sua passagem. De outras, é confinada a alguns momentos, horas, ou dias. Outras, ainda, deixam vestígios que são indestrutíveis e de alguma maneira elas podem ser recordadas enquanto a vida durar”.

No capítulo sobre a memória de sua obra, ele tenta explicar essas questões dizendo que as lembranças do objeto têm a ver com a intensidade da relação com esse objeto – intensidade que não necessariamente tem ligação com tempo ou espaço: “Um objeto de memória primária não é assim trazido de volta; ele nunca é perdido; sua data nunca foi cortada da consciência do momento do presente imediato”. Ou seja, se aceitarmos James e entendermos que não é possível esquecer certas paixões de maneira “tradicional”, a Lacuna, a empresa do filme, veio resolver esse problema cirúrgica, fisicamente. Mas nenhum benefício existe sem algum malefício. Nenhum brilho existe sem produzir sombra.

No meio do procedimento de apagar as memórias de sua ex-namorada, Joel decide abandonar o processo, exatamente porque junto com as partes ruins de sua relação havia também muitos momentos felizes. No momento de uma separação é comum – mas não uma regra – que só as dores apareçam. Porém, com o tempo, percebemos que, como todas as outras experiências da vida, um relacionamento nunca é só bom ou ruim: mas ambos. Cortar um é cortar os dois.

Para evitar que Clementine seja apagada, ele a leva, ou melhor, a sua projeção dentro de seu próprio inconsciente leva a memória que ele tem dela para áreas em que ela não pertenceria, como a infância ou momentos vexatórios da adolescência. Como se fosse possível controlar nossa memória. E ainda, controlar nossa memória contra a máquina que caça-lembranças. Em outra tentativa de viver um pouco mais com Clementine, Joel cria, inventa uma cena que não existiu, se utilizando das lembranças que estão sendo derrubadas como tijolos, numa espécie de reciclagem, fazendo uma bela metáfora de como a produção artística se utiliza da memória como matéria-prima. Nada disso parece ser páreo para a máquina.

Ao fim do processo, Joel já não tem qualquer recordação ligada a Clementine – mesmo as mais remotas [porque memória é um jogo de associação, como o próprio William James afirmou]. Mas, num truque do roteiro, os dois acabam se reencontrando. E se interessam novamente um pelo outro. A vida dos dois estava conectada? O destino já estava traçado? Antes de pensar que há um fim feliz, fácil [que não é o caso], há duas formas de interpretar essa quase conclusão [o filme ainda tem uma pequena reviravolta final].



A primeira, mais romântica: uma máquina, ou a sociedade tecnocientífica, para citar Heidegger, não consegue controlar o homem. Há sempre algo que escapa, que foge das simplificações da racionalização. Há o aleatório, há as emoções, há as vontades escondidas.

A segunda, um pouco mais prática, mas que só funciona a partir da primeira: nesse mundo aleatório, em que a ciência e a razão não conseguem dar conta de todos os fenômenos que existem, quando há o encontro de duas pessoas cujas afinidades, uma vez, as levaram a ficar juntas, elas tendem a ficar juntas novamente – mas não necessariamente, e o próprio filme dá um exemplo do caso contrário. Ou seja, se esse casal tem uma série de fatores em comum, fatores esses que os conectam, como já os conectaram antes, por que eles não ficariam juntos novamente?

O filme mostra que a memória individual pode ser, sim, algo “cerebral”, portanto, algo racional, científico. Mas não é apenas isso. Há uma memória “corporal”, mais emotiva, que é a formação dos nossos gostos, dos nossos quereres, das nossas vontades, feitas sem escolhas meticulosas, mas por impulsos. Mostra que a memória não se pode controlar. E, principalmente, que as experiências intensas, mesmo havendo consequências negativas no processo, valem a pena serem vividas. E repetidas.

quarta-feira, 26 de junho de 2013

A diferença entre sociedade e povo

Já reparou que, por aqui, usamos diferentemente os termos “sociedade” e “povo”? Isso não é uma curiosidade irrelevante, creio. Usamos “sociedade” para nos referirmos a quem tem voz; é praticamente como se estivéssemos dizendo “alta sociedade”, mas incluindo todo mundo que consegue comprar um carro zero. Por sua vez, “povo” designa algo muito abstrato, o velho “hoi polloi” dos gregos, isto é, o grande número, sem rosto, sem nomes, a multidão amorfa e perigosa, desprovida de direitos e de responsabilidade para com o coletivo, cujas únicas manifestações midiaticamente visíveis são as descargas de ódio ou de alegria, na violência ou nas festividades. A comunicação entre a sociedade e o povo se dá sempre assim: ou com condescendência, como quando o pessoal de Ipanema vai comer feijoada em Oswaldo Cruz, como quando um magnânimo patrão ajuda a mãe da empregada a conseguir um leito no hospital; ou, por outro lado, com rispidez e crueldade, quando alguém do “povo” sai da linha que lhe foi designada por alguém da “sociedade”. Já quando alguém da “sociedade” sai da linha, é porque “o Brasil não tem jeito, mesmo”.
[...]
A sociedade brasileira se tornou mais complexa nos últimos anos e dentro de um mundo mais complexo também. Hoje, é difícil espancar o “povo” sem acertar um pouco de “sociedade” também. Eu diria mesmo que os movimentos sociais só vão ser vitoriosos quando a distinção desses termos desaparecer. Até lá, vai ser difícil impedir que um movimento por pautas concretas seja seqüestrado por banais manifestações conservadoras do “contra tudo que está aí”.
Textão, nos dois sentido, de Diego Viana, sobre tudo o que está acontecendo por aí. Vale muito perder um tempinho para ler.

'Menos ladrões nos protestos que nas negociatas'

As the protests have intensified, there have been cases of looting and vandalism. But the great majority of the protesters aren’t rioters, nor should the rioters be mistaken for protesters.
Indeed, it would be safe to assume that the percentage of violent troublemakers among the protesters is smaller than the number of thieves among the negotiators of government contracts.
Elio Gaspari, no NYT de ontem, falando sobre as manifestações

segunda-feira, 24 de junho de 2013

Talvez uma explicação para as manifestações



O sociólogo espanhol Manuel Castells, talvez o pensador mais citado nesse momento, explica como esses movimentos sociais, como o Occupy, as primaveras árabes, os Indignados, e agora os protestos de junho de 2013, aparecem, se juntam, e agem. É a melhor hora gasta nos dias de hoje.

[Um detalhe que deve ser levado em consideração: exilado da Espanha por conta da ditadura de Franco, virou o professor mais jovem da Universidade de Paris. Foi nas aulas dele que nasceu o maio de 1968 na França. Daí, inclusive, foi expulso novamente de um país, e se refugiou nos EUA.]

domingo, 23 de junho de 2013

'O louco', de Nietzsche

Nunca ouviram falar do louco que acendia uma lanterna em pleno dia e corria pela praça, gritando: "Eu procuro Deus! Eu procuro Deus!" Mas aqueles que não acreditam em Deus, ficavam rindo, e diziam: "Estará perdido, tal uma criança?", "Estará escondido? Estará com medo de nós?", "Terá viajado?"
O louco então gritou: "Para onde foi Deus? o que vos direi! Nós o matamos! Vós e eu! Somos nós, nós todos, os assassinos! Mas como fizemos isso? Como esvaziamos o mar? Como apagamos o horizonte? Como tiramos a terra de sua órbita? Para onde vamos agora? Não estamos sempre caindo? Para frente, para trás, para os lados? Mas haverá ainda um acima, um abaixo? Não estaremos vagando através de um infinito Nada? Não sentiremos na face o sopro do vazio? O imenso frio? Não virá sempre noite após noite? Não acenderemos lâmpadas em pleno dia? Não podem ouvir o barulho dos coveiros - enterrando Deus? Ainda não sentiram o fedor da decomposição divina? Os deuses também apodrecem! E Deus morreu! Deus está morto! E nós o matamos! Como poderemos nos consolar? Nós, os assassinos dos assassinos? O que havia de mais sagrado sangrou sob o nosso punhal, quem nos limpará deste sangue? Que água nos poderá lavar? Que sacrifícios devemos sofrer? A grandeza deste ato é demasiado grande para nós, não será preciso que sejamos deuses para sermos dignos desta grandeza?"
O louco ficou calado, e também todos os outros. Atirou fora a lanterna, que se quebrou. E dizem que entrava nas igrejas e entoava os funerais de Deus, e era expulso e interrogado. Sempre dizia o mesmo: "O que são estas igrejas além de túmulos e monumentos funerários de Deus?"
"Der tolle Mensch" ["O louco"], aforismo 125 de "A gaia ciência".

[E assim começou toda a questão.]

[aqui outra tradução, do Marco Antonio Casanova:

O Homem Desvairado. - Vós não ouvistes falar daquele homem desvairado que em plena manhã luminosa acendeu um candeeiro, correu até a praça e gritou ininterruptamente: "Estou procurando por Deus! Estou procurando por Deus!" - À medida que lá se encontravam muitos dos que não acreditavam em Deus, ele provocou uma grande gargalhada. Será que ele se perdeu? - dizia um. Ou será que ele está se mantendo escondido? Será que ele tem medo de nós? Ele foi de navio? Passear? - assim eles gritavam e riam em confusão. O homem desvairado saltou para o meio deles e atravessou-os com seu olhar. "Para onde foi Deus?, ele falou, gostaria de vos dizer! Nós o matamos - vós e eu! Nós todos somos assassinos! Mas como fizemos isto? Como conseguimos esvaziar o mar? Quem nos deu a esponja para apagarmos todo o horizonte? O que fizemos ao arrebentarmos as correntes que prendiam esta terra ao seu sol? Para onde ela se move agora? Para onde nos movemos? Afastados de todo sol? Não caímos continuamente? E para trás, para os lados, para frente, para todos os lados? Há ainda um alto e um baixo? Não erramos como que através de um nada infinito? Não nos envolve o sopro do espaço vazio? Não está mais frio? Não advém sempre novamente a noite e mais noite? Não precisamos acender os candeeiros pela manhã? Ainda não escutamos nada do barulho dos coveiros que estão enterrando Deus? Ainda não sentimos o cheiro da putrefação de Deus? - também os deuses apodrecem! Deus está morto! Deus permanece morto! E nós o matamos! Como nos consolamos, os assassinos dentre todos os assassinos? O mais sagrado e poderoso que o mundo até aqui possuía sangrou sob nossas facas - quem é capaz de limpar este sangue de nós? Com que água poderíamos nos purificar? Que festejos de expiação, que jogos sagrados não precisamos inventar? A grandeza deste ato não é grande demais para nós? Nós mesmos não precisamos nos tornar deuses para que venhamos apenas a parecer dignos deste ato? Nunca houve um ato mais grandioso - e quem quer que venha a nascer depois de nós pertence por causa deste ato a uma história mais elevada do que toda história até aqui!" O homem desvairado silenciou neste momento e olhou novamente para os seus ouvintes: também eles se encontravam em silêncio e olhavam com estranhamento para ele. Finalmente, ele lançou seu candeeiro ao chão, de modo que este se partiu e apagou. "Eu cheguei cedo demais, disse ele então, eu ainda não estou em sintonia com o tempo. Este acontecimento extraordinário ainda está a caminho e perambulando - ele ainda não penetrou nos ouvidos dos homens. O raio e a tempestade precisam de tempo, a luz dos astros precisa de tempo, atos precisam de tempo, mesmo depois de terem sido praticados, para serem vistos e ouvidos. Este ato está para os homens mais distante do que o mais distante dos astros: e, porém, eles o praticaram!" - Conta-se ainda que o homem desvairado adentrou no mesmo dia várias igrejas e entoou aí o seu Requiem aeternam deo. Acompanhado até a porta e questionado energicamente, ele retrucava sem parar apenas o seguinte: "O que são ainda afinal estas igrejas, se não túmulos e mausoléus de Deus"".]

O Ser de Deus

O fato de pensar o Ser como um valor coloca o Ser como se fosse algo dispensável, desnecessário, acessório, ou que algumas pessoas poderiam ou não ser [o Ser]. "Todas as perguntas relativas ao Ser se tornariam e permaneceriam supérfluas", diz ele. 1 E esse processo dá um pouco de liberdade de movimento para quem vai pensar o Ser. Na argumentação heideggeriana, se pensarmos os termos relativos ao Ser mesmo como “valores”, vamos cair sempre no niilismo à maneira proposta por Nietzsche, ou seja, da ideia de revalorização de todos os valores – numa tentativa de transformar esses valores postos. Então, se esse processo acontecer dessa maneira, as interpretações de Deus como o máximo valor não é feita, não é pensada fora do Ser. Em outras palavras, com o niilismo nietzschiano, em que o homem traz para si mesmo a interpretação dos valores, o pensamento em um Deus não é opressor, ao contrário, vem de "dentro". Nas palavras de Heidegger, está no Ser.

Porque o homem, nesse caso, consegue ter a possibilidade de dar o valor que quiser para qualquer elemento. Logo, ele pode escolher quem vai ser mais importante para si. O processo niilista de Nietzsche traz para o homem a possibilidade de reinterpretar cada um dos termos dados, cada uma das ideias que existiam antes de si. O niilismo nietzschiano, como já se viu, é a proposta de revalorização, pelo meio do filtro pessoal (do Ser, diria Heidegger) de todos os valores.

O que vem acontecendo, porém, é algo ligeiramente diferente. É um caminho que se baseia em argumentos pré-determinados, quase “racionais” no sentido cartesiano do termo. "O último golpe contra Deus e contra um mundo suprassensorial consiste no fato de que Deus, o Ser entre os Seres, é degradado do máximo valor", escreve Heidegger. E ele argumenta que este golpe final contra Deus não é dado por ateus ou descrentes, mas pelos próprios seguidores das religiões e os teólogos. São eles que não pensam no Ser do mais-Ser-dos-Seres [uma das alcunhas de Heidegger para Deus]. São eles que tentam se tornar consciente, tentam racionalizar o processo, como se quisessem descrever o indescritível, prender o que não é apreensível. Talvez para propor uma comunicação, tentam evitar que visto de fora da fé, seus pensamentos sejam encarados como pura blasfêmia, tentam transformar em palavras, em comunicação, algo que não é capaz de ser comunicado. Acabam misturando teologia com a fé. Ao não encararem o Ser de Deus, ou Deus-em-si, eles acabam não falando de Deus nenhum. Falam apenas de uma situação acessória, não essencial – novamente, supérflua. Falam de uma ideia de Deus – não apenas no sentido platônico, de idealização, mas no sentido de elencar vários elementos que estariam ligados ao elemento Deus, como o que seria necessário para ter Deus. Como se juntasse em um boneco todas as características para Deus tornasse esse objeto Deus. Sempre vai faltar o Ser de Deus, que não pode ser descrito, apreendido, comunicado, mas apenas sentido.

É dessa forma que Heidegger interpreta a passagem "Der tolle Mensch", “O louco”, na "Gaia ciência" de Nietzsche, em que o personagem principal diz que foi o homem quem matou Deus. Porque foi o homem – esse homem, que pode ou não ser religioso – que O teria matado, quando deixou de se preocupar com o Ser das coisas, explica Heidegger. Quando se ateve apenas ao seu exterior, às firulas que criariam esse Deus, sem se preocupar com o seu “interior”, com o seu Ser. Mas Heidegger ressalta: deve-se deixar claro que o homem não seria capaz de "matar" Deus de uma hora para outra. Foi uma morte relativamente lenta, que durou 350 anos, tendo começado exatamente com Descartes, o homem que ligou sua existência à sua razão. O primeiro homem que teria não valorizado, em primeiro lugar, o Ser das coisas, mas as suas explicações, as suas formas, os seus resultados, às suas razões.

Quando Deus é racionalizado, quando se tenta explicá-Lo, não se fala mais sobre Deus, mas sobre os elementos que estão em volta dele. Quando se tenta levantar argumentos que envolvem Deus, se está apenas codificando, transferindo o Ser de Deus, para uma linguagem que pode ser falada, entendida por mais pessoas. Deus não é, ou não deveria ser, traduzível, comunicável. No momento que Deus é imposto a outro, ou passado adiante, esse outro, esse adiante já não capta o Ser do Deus e, portanto, o enxerga como elemento que não é exatamente essencial.

1Heidegger, 1977 / 105, em tradução livre

sábado, 22 de junho de 2013

Sem moralismo x sem vandalismo

Na quinta-feira, quando a a polícia usou bombas como confete, houve uma situação de nós x eles, nós que apanhávamos, eles, que batiam. E nós, ali, era todo mundo que apanhava. Quem carregou cartaz com mensagens-sacadinhas e quem destruiu o ponto de ônibus. Porque o gás não escolhe o nariz de quem vai entrar. E a polícia não separa bandido de morador.

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Fiquei imaginando que se toda a população fluminense estivesse nas ruas, toda ela, sem exceção, todos os 16 milhões de moradores do estado do Rio de Janeiro, menos os policiais e os governantes: ainda assim eles estariam defendendo o poder constituído? Porque a polícia, naquele dia, não defendia "nós", mas o governo. A polícia, ali, servia para proteger a autoridade, nada além disso.

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Isso não aconteceu, segundo relatos, com o chamado "arrastão" da Barra, ontem. Lá, o "nós" era - para usar uma das palavras na moda - difuso. Havia a polícia, havia o "arrastão" e o protesto. Havia o governo, o pobre da CDD que quebra vidro de concessionária de carro e o rico, que sabe se manifestar "civilizadamente". O rico e a polícia, nesse caso, estão do mesmo lado, contra o pobre da CDD. Mas qual é a diferença de um pobre que rouba uma televisão e um rico que rouba uma bolsa? A rica é presa arbitrariamente.

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Curiosamente, essa onda de protestos toda começou com reclamações sobre o transporte público, de péssima qualidade, e caro. E como se investe em transporte privado - ou seja, carros - de maneira errada.

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O protesto requer um caráter do incômodo. Se eu fosse um pouco mais abusado, eu arriscaria que o protesto nasceu dentro da sociedade moderna, ou seja, dentro do aparecimento da individualidade, quando descobrimos que nós temos vozes e que podemos falar e expressar aquilo que queremos e temos vontade. Descobrimos que não há um deus que vai nos mandar para o inferno caso façamos algo errado e que somos donos do nosso próprio destino. O protesto nasceu junto com o "eu", ou foi uma consequência direta dele. É uma forma de se chamar a atenção para uma demanda que para alguma pessoa é urgente.

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Não funciona se houver um protesto sem qualquer tipo de incômodo, senão, se naturaliza, se torna mais um evento, se torna paisagem. Senão poderíamos construir um protestódromo em que as pessoas desfilariam seus cartazes mais criativos e suas máscaras customizadas. Haveria alas: os policiais, os vândalos, os pacíficos... Poderíamos ter um júri que avaliaria também as músicas de protesto mais criativas. Criaríamos novos feriados...

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Mas qual é o limite do incômodo? Como controlar o gênio que saiu da garrafa?

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Na passeata-protesto-manifestação de quinta, entre o "nós" - aquele não era a polícia - havia claramente dois grupos: os que gritavam "sem moralismo" e os que gritavam "sem vandalismo". E entre os primeiros, havia ainda um subgrupo: a vanguarda incendiária.

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Como o sentimento geral era de que estávamos sendo agredidos, atacados, nos transformamos, rapidamente, em uma tropa em retirada. Me lembrei nessa hora do filme "Fuga de Nova York" e congêneres. Nesses filmes apocalípticos, sempre quem tem habilidades escusas é mais valorizado. Quem se importa se você era um ladrão quando o mundo acabou? Ou melhor, se você já matou alguém, não vai ter qualquer drama moral para matar um inimigo que aparecer ali. Portanto, você é mais "útil" nessa situação.

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A vanguarda incendiária era composto por meninos pretos, muito provavelmente pobres, magricelos, que já devem ter apanhado - física e moralmente - muito da polícia, e, por isso inclusive, nutrem um ódio antigo da polícia, do estado e do Estado que ela representa. É um ódio quase geracional, de quem nunca foi olhado. Era a hora de eles participarem do protesto do jeito deles.

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Enquanto éramos atacados por bombas - que foram chutadas, enquanto dava, para dentro do canal que divide a Presidente Vargas -, eles voltaram destruindo tudo o que conseguiram destruir. Ou quase tudo. O colégio da prefeitura e o centro de diagnóstico em imagens do estado permaneceram quase intactos. Eles começaram a tentar quebrar, sim, porque o ódio cega e eles não enxergavam nada, queriam apenas a destruição, mas a galera do "sem moralismo" gritava que "na escola não", "no hospital não" e eles, apesar de cegos, não eram surdos.

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Ao menor sinal de qualquer grito de "sem vandalismo", o outro grupo, o "sem moralismo", protegia a vanguarda incendiária.

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Talvez nem toda junção de 300 mil pessoas - segundo os cálculos oficiais - provoque cenas de saque. Talvez quando o papa vier ao Rio, mês que vem, as pessoas se darão as mãos e cantarão cânticos de alegria e felicidade. Mês que vem vamos poder tirar essa prova.

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Em um protesto, em uma manifestação em que o objetivo é exatamente exigir uma modificação do status quo, é constranger o governante, é mostrar que quem manda não é ele, ele apenas é um representante, há a possibilidade de muita gente com mais raiva no coração que o habitante do Facebook aparecer. Uma possibilidade forte, suspeito. Gente que vê nessa aglomeração de gente uma possibilidade de mostrar para o mundo suas frustrações, chamar a atenção para os seus problemas. Protestar da sua maneira. Ou como os ricos da Barra ontem viram, da maneira "errada".

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Ou simplesmente ir lá para levar umas bolsas e umas televisões para casa.

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O governante não pode ter vida boa. Não pode. Ele deve ter que pensar duas vezes antes de assumir qualquer cargo público. Política não deve ser algo bom, não deve ser algo desejável. Não podemos ter uma profusão de candidatos, quiçá de partidos. O cargo público deve ser aceito como um fardo. A vida de um político deve ser mediada pelo receio de não agradar às pessoas. Ele deve tentar fazer o melhor, sempre, para o povo com medo de que haja manifestações contra ele, contra o que ele representa. Exatamente para se evitar que haja esse tipo de situação "exagerada", essa maneira "errada" de protestar. Porque os protestos são, por sua natureza - e assim que devem ser -, incontroláveis.

sexta-feira, 21 de junho de 2013

Estado policial

Se o protesto de segunda foi uma festa, o de ontem foi um carnaval. E, como diz o galhardete do pierrô, todo carnaval tem o seu fim.

Poderia falar sobre a festiva retaguarda da manifestação, e sua alegria de quem vai a um show de um pop star, ou da nossa irada vanguarda incendiária, formada por garotos pretos, aparentemente pobres, que não tem medo de polícia, e que ao grito de "na escola não", eles evitam qualquer depredação. Mas o mais chocante é pensarmos a polícia militar e o que as ações dela representaram ontem.


Não importa quem começou o confronto. A PM optou por esvaziar a Presidente Vargas às 20h, como se fosse um toque de recolher. Mais: empurrou os manifestantes para as ruas laterais, vindo tanto do lado da prefeitura como da Candelária. Acompanhou - nunca pacificamente - o povo até a Zona Sul, para quem era de Zona Sul.

Os relatos do que aconteceu neste trajeto não precisam ser repetidos. O FB está cheio deles. O Youtube também. Policial jogando pimenta em senhora dentro de hospital público, caveirão atirando contra transeuntes por estarem próximo do Palácio Guanabara, o Choque atirando contra as pessoas nos bares da Lapa. A Glória. O Circo Voador. O Ifcs. A FND. A violência contra o desarmado foi a regra, não a exceção.

O que isso quer dizer? Bem, que eles [reparem, há uma dicotomia aqui: nós, povo, eles, governo] controlam o que querem nas ruas ou não. E por que eles controlam? Porque eles têm armas. Se o povo todo ficar insatisfeito com o governador, o que acontece? A polícia atira. Se reclamarem do prefeito? A polícia atira. A polícia defende o governo, não o povo.



Veja bem, não estou defendendo o anarquismo, o golpe de Estado, nem mesmo as manifestações, principalmente quando elas vestem as cores da direita. Mas demonstrando que a polícia não está nas ruas para defender os cerca de 300 mil que foram para a Presidente Vargas, mas para impedir que esses 300 mil fiquem nas ruas o quanto eles quiserem. A polícia existe, neste momento, para defender o governo, apenas isso. E o povo, nós ficamos acuados.

Sintomaticamente o governador do estado do Rio de Janeiro soltou boatos ao longo do dia de ontem afirmando que uma facção criminosa iria aproveitar a oportunidade para fazer atentados. Talvez para dizer que ele não avisou quando acontecesse.

O que aconteceu neste dia 20 de junho de 2013 mudou nossa perspectiva de país. Talvez tenhamos perdido a inocência.

quinta-feira, 20 de junho de 2013

Especulações sobre as manifestações - parte 2

Ops
Não sei exatamente por que, mas estou me lembrando com essas manifestações e protestos de uma declaração do professor Francisco Carlos Teixeira. A todo momento que falam "o gigante acordou", que citam "os protestos violentos", que pedem uma "pauta clara", que demonstram ceticismo, me recordo de uma explicação bem metafórica de Teixeira sobre a guerra do Paraguai.

Era um evento sobre a Primavera Árabe e ele falava - não sei por que - sobre como o Brasil demorou a dar uma resposta aos ataques cometidos pelo nosso país vizinho [isso, gente, o que se fala sobre termos brigado com eles por pressão da Inglaterra é mentira. Eles nos atacaram.]. Porém, quando finalmente o Brasil tomou partido, foi muito difícil parar. O resultado foi quase dizimar por completo a população paraguaia. Ele dizia que o Brasil era um país paquiderme, e usava como comparação a Rússia - talvez pelos nossos tamanhos, talvez por uma certa mentalidade em comum de dividir o mundo entre senhores e escravos, nobres e vassalos - e que, por isso, sair da inércia era complicado - tanto para se movimentar, como para parar [em relação a um observador estático, ok amigos físicos?].

É uma associação completamente sem pé nem cabeça, aparentemente. Como vimos ontem, "o gigante acordou" seria mais bem utilizado, como disseram ontem, em uma cena de "O homem de Itu", por exemplo. Pedir uma "pauta clara" é ótimo - eu também faço - mas é como pedir para as pessoas pararem de protestar e pensar no que realmente eles querem. Eles querem é que seja diferente. Tudo diferente. Já o protesto "violento", bem, o "protesto violento" é uma consequência. Um efeito colateral de um remédio amargo.

Eu também preferiria que ninguém tivesse que invadir a Alerj, o Congresso, tacasse fogo no carro de um pobre radialista pobre [que já recebeu um melhor de um parlamentar], que ninguém destruísse restaurantes que não têm nada a ver com o pato, e nenhuma loja fosse saqueada. Enfim, que fôssemos a Suécia - mas sem a xenofobia e sem o inverno [por que aí é demais, né?]. Claro que, em vez da passeata, eu preferiria estar em outro lugar, fazendo outras coisas, mas os protestos, me parecem, são mais que necessários. E, para algumas pessoas, criar essa desordem também é.

Some a isso que a reação policial é sempre desproporcional, o que só alimenta a espiral de violência. Se a Alerj é importante, por que o Choque - esse batalhão que é o da galera Bope-wanna-be - não a cercou antes da invasão? Aliás, por que o Choque nem estava lá desde o início da passeata? Por que eram policiais do 5o BPM que estavam lá? Por que um sujeito à paisana estava portando uma AR-15 e atirando a esmo?

Mais: noves fora as depredações no entorno da Alerj, podemos perceber que o alvo era claro: o poder. Não houve qualquer dano ao Theatro Municipal, à Biblioteca Nacional, ao Museu de Belas Artes, todos na Cinelândia, no epicentro da passeata [curiosamente, a Câmera dos vereadores, também na Cinelândia, passou incólume - será que é por ignorância? Será que as pessoas sabem qual é a função daquele palácio bonito?]. Já a Alerj foi atacada. O Congresso foi invadido. Um carro de uma TV foi queimado. Um ônibus foi virado. Alguma conclusão devemos tirar disso. Não são alvos aleatórios. São símbolos de uma insatisfação grande.

Não estou justificando a violência, mas dizendo que sou a favor dos protestos. E, com protestos, sempre haverá resultados inesperados, consequências amargas, passagens abruptas, momentos de desordem, tristeza, destruição e, enfim, reconstrução. Não dá - nem seria bom - para controlar 100 mil pessoas, ao mesmo tempo. Esse movimento não tem líderes claros e se repete que é um movimento horizontal - ou seja, não há ordens, não há diretrizes a que se obedece. Cada um é autônomo. A política agora, mais do que nunca, é individual. Devemos nos acostumar.

Neste momento, estamos - nós, povo - no dilema do médico. Se o remédio for em grande quantidade, podemos ser envenenados. Se for de menos, não surtirá o efeito necessário para uma mudança profunda, radical [no sentido de raiz]. Temos que encontrar a dosagem certa. E isso, claro, sem qualquer bula para nos guiar. A única forma de se descobrir é fazendo.

Em tempo: Para quem não leu, aqui está uma breve história da baderna. Sempre dá certo - seja lá o que certo é.

ps: Uma proposta que eu li ontem no FB e que compartilho: Devemos perseguir os políticos-chave diretamente. Perseguir é a palavra. Os secretários de transporte estadual, Júlio Lopes, e municipal, Carlos Osório, não podem mais ter um segundo de paz. Repito: não devem ter um segundo de paz. Não vão poder almoçar, dormir, levar as crianças no colégio. O mesmo deve acontecer com os parlamentares municipais e estaduais. O mesmo com o prefeito e o governador. Eles que são os culpados por se queimar, por se saquear, por se vandalizar. Eles.

pps: A pauta era sobre R$ 0,20? Era promessa de campanha! Bem, agora não é mais: agora eu quero uma CPI dos Transportes entre os vereadores e os deputados.

quarta-feira, 19 de junho de 2013

Especulações sobre as manifestações - parte 1

Gostaria de fazer duas especulações sobre as manifestações. Sugerir ideias que ainda não estão maduras e pedir ajuda dos amigos que as lerem para tentar prosseguir. Mas são duas questões que me chamam a atenção desde o início dos protestos dessa "revolta do vinagre", ou como querem chamá-la. A primeira questão derruba o argumento de que o Brasil é um país pacífico.

Como sabemos [veja esse link], isso é uma falácia histórica. Mas não precisava voltar tanto tempo para perceber isso. Há até uma pequena coincidência de anos. A minha sugestão, o meu chute, esse meu pensamento ainda "verde", é  que esse tipo de ideia mal concebida, de que somos um povo sem ganas, é problema geracional.

Anos rebeldes que sempre vivemos
Para começar a desmitificação, basta lembrar que sempre há protestos nas grandes cidades, apenas raras vezes tomam essa proporção. Também há sempre movimentos específicos que lutam direcionados aos seus interesses mais diretos. Agora, de dez em dez anos, mais ou menos, sempre temos - nós, povo brasileiro -, por conta de um esgotamento do projeto político anterior, uma vontade de mudar grande [seja lá o que isso queira dizer]. Reparem:

Quando até a "Veja" falou bem de Lula
Estamos em 2013 e um aumento de 20 centavos catalisou esses protestos que, pelo que eu vi, estão sendo apropriados à esquerda e à direita. A pauta de reivindicações, que começou com o transporte público, ainda é confusa. As pessoas querem, no fundo, uma mudança na forma como são representadas. Por um lado tenho medo de sair desses protestos um minicaçador de marajás, mas por outro acho que os anseios são tão pulverizados que, ao menos, desse mal não corremos.

Voltemos pouco mais de dez anos, 2001. Esse desejo de mudanças profundas que perpassa nosso país a cada década culminou na primeira do século XXI com a eleição de Lula. Lembrem-se que FHC saiu do governo com baixíssimos índices de aprovação e Lula foi praticamente aclamado no segundo turno, sendo que os 60% de votos não refletiram o mundaréu que foi às ruas comemorar sua eleição. A mobilização
popular foi imensa. Parecia Copa do Mundo. Lembre-se: foi uma eleição em que "a esperança venceu o medo".

Novamente pouco menos de dez anos antes, 1992, impeachment do Collor. Um grupo de jovens universitários foi lembrada pela minissérie "Anos rebeldes" que podia protestar e querer mudanças no país. Os protestos dessa época ainda eram muito parecidos com os de todo o século XX, com um líder claro [Lindbergh Farias, não coincidentemente catapultado para a política e um dos principais nomes do PT para ser um futuro presidente da República] e um objetivo que não deixava dúvidas: "fora Collor". "Vencemos".

Na década de 1980, eu era muito novo para falar com mais propriedade, mas o movimento das "Diretas já" ocorreu em 1983-1984. Não acredito em coincidência. Novamente, uma multidão exigia votar para presidente no próximo pleito - o que acabou não acontecendo e mostrando como a ditadura negocia com o seu povo. "Perdemos".

Se essa foto não é histórica, eu não sei o que é: Lula,
Ulysses, [não sei], Orestes, Brizola, [não reconheci], Tancredo.
Por motivos óbvios e ditatoriais, a década de 1970 não teve um marco tão forte [me corrijam se eu estiver errado, por favor]. O Brasil, me parece, estava cansado de tanto apanhar e ficou acuado por mais de dez anos, com medo de desaparecer. Mas Élio Gaspari acaba de lembrar que "em dezembro de 1974, a oposição havia derrotado a ditadura nas urnas, elegendo 16 dos 21 senadores, e o ex-presidente Juscelino Kubitschek estava num almoço quando lhe perguntaram o que acontecia no Brasil". Seria a nossa forma de manifestação num período contra manifestações?

Dez anos antes, houve o golpe de 1964, e é bom lembrar que nem sempre temos uma pauta voltada para o que ficou conhecido no século XX como esquerda. Lembre-se: era um período de completa polarização, com pouco diálogo entre os extremos, e de sentimento antidemocrático, contra as instituições. O que me lembra bastante o agora, talvez, quero crer, no outro lado do espectro político. [E ainda tivemos a passeata dos 100 mil, em 1968.]

Edição extra do "Última hora"
Em 1954, Getúlio dá um tiro no peito depois de não aguentar tanta pressão, e numa última jogada desse que foi, provavelmente, o nosso maior nome da política do século XX. Dizem, inclusive, que com esse gesto drástico, ele adiou o golpe em dez anos. O resultado de sua morte foi uma enxurrada de pessoas às ruas, novamente. Em 1945, foi o fim do Estado Novo. Em 1930, o início da ditadura de Getúlio. Comprovando que o nome dele aparece em vários pontos da trajetória.

Isso tudo para dizer que, sim, nós vamos às ruas sempre, mas são raras as vezes em que há uma pauta que realmente empolgue a todos nós. Por isso, mais uma vez, sugiro que as propostas desta série de protestos se atenham, basicamente, às questões de transporte público. Podemos exigir tudo, mas para ganhar algo, se não estamos esperando uma "revolução", temos que nos ater a poucos e específicos pontos. É um assunto que incomoda a todas as classes sociais, sem qualquer distinção, e é um dos símbolos mais fortes de como nossa política tradicional, a dos nossos representantes políticos nos cargos legislativos e executivos, é exercida de uma maneira muito parecida com a máfia. Ou seja, é pelo 20 centavos, sim.

Fim da parte 1.

terça-feira, 18 de junho de 2013

Festa da galhofa e da melancolia

[Texto que eu escrevi para a série de depoimentos que estamos publicando na Revista de História]

Foi uma festa. E como toda festa, há os com-noção e os sem-noção, sendo “noção” aqui entendida em vários sentidos. Seja o de ter alguma ideia do que estava acontecendo, seja o de perder o respeito pelos outros.  E como toda festa também, havia animação. A Orquestra Voadora estava presente. Havia gritos de carnaval. Gritos do futebol. Será que precisamos mesmo aprender a protestar? Por que todo protesto deve ter raiva mesmo? Havia muito humor também nos cartazes: “R$ 2,95? Só com open bar”, dizia um, em referência o novo preço da passagem dos ônibus do Rio. “Ei polícia / vinagre é uma delícia”, gritavam outros.

“O gigante acordou” era um dos “slogans” mais pronunciados. “Slogans”, não gritos de guerra, não gritos de ordem. “Fora... (acrescente o nome de um político no cargo executivo)” era outro. Nenhuma esfera do governo foi perdoada.

Fiquei parado durante um tempo na Avenida Rio Branco, perto da Avenida Sete de Setembro, a rua que leva à redação da Revista de História. Algo como uma hora. Parado, vendo o movimento de uma multidão que descia a antiga Avenida Central em direção à Cinelândia. Eram vários blocos compactos de manifestantes. Os primeiros, os que iam à frente de todos, talvez não fossem quem mais representava a maioria. Porque empunhavam flâmulas partidárias, que foram rechaçadas pelo restante do grupo aos gritos de “abaixa a bandeira / abaixa a bandeira”. Os protestos parecem deixar uma informação clara: a política partidária, como nós a conhecemos agora, “não me representa”, para usar uma expressão atual.
Em outro “bloco”, um minicarro de som. A moça no microfone, provavelmente uma paulista, pede para todo mundo abaixar, e depois, todo mundo se levanta numa catarse coletiva. Era uma festa, uma festa com gente não convidada.

Ao meu lado, estavam três catadores de papel, atividade que é forte na região. Era a hora de eles trabalharem. Estavam lá, assistindo a tudo, ao meu lado, entre o entediado e o bocejante. Em certo momento, passa um sujeito com um cartaz cheio de informações e para em frente a eles, como que quisesse mostrar algo. Só sai quando um dos catadores acena com a cabeça, como se dissesse, já entendi, agora você me dá licença?

Ao sair da manifestação, me lembrei de Machado de Assis, e de suas “Memórias póstumas de Brás Cubas”. Logo no início do livro, na sua dedicatória ao leitor, o defunto autor fala que escreveu suas memórias com “a pena da galhofa e a tinta da melancolia”. Talvez, nessa frase, Machado tenha identificado o caráter do povo brasileiro, de uma maneira que quase ninguém mais percebeu. Na manifestação, essa nossa “galhofa” aparecia em cada um dos momentos festivos, cada uma das piadas, das músicas, das gracinhas. Já a melancolia foi o que nos levou às ruas. Após uma década acumulando essa bile amarga, a gota de uma moeda imaginária de 20 centavos, transbordou o pote. Agora, a melancolia se travestiu de manifestações bem menos passivas. Uma melancolia que às vezes pode ser até raivosa.

Passe Livre no 'Roda Viva'



[o vídeo tá muito ruim depois de 20 minutos, infelizmente. vou procurar outra fonte.]

Manifestações nas capas de jornais




Além "Guardian" e "El País", há citações nas capas de "Le Monde" e "NY Times" - dos que eu vi.


segunda-feira, 17 de junho de 2013

Recado para os manifestantes

Não se apaixone por vocês mesmos. Nós nos divertimos aqui. Mas lembre-se que os tudo pode terminar em carnaval. O que importa é o dia seguinte, quando nós teremos que voltar à vida normal. Haverá alguma mudança, então? Eu não quero que você se lembre desses dias, você sabe, como "Oh, nós éramos tão jovens e foi lindo." Lembre-se que nossa mensagem básica é: "Nós podemos pensar alternativas." [...] Mas há uma longa caminhada à frente. Há questões verdadeiramente difíceis para enfrentarmos. Sabemos o que não queremos. Mas o que queremos?
Žižek explicando para os Occupy em Nova York, mas que serve também para a gente, os nossos próximos passos.


Você já andou de ônibus?

Se eu me lembro bem [o que eu duvido], há uma cena do espetacular [no sentido de ser um espetáculo] "Brave heart" em que um chefe de clã se aproxima de William Wallace um pouco antes da batalha para tentar lhe "convencer" a desistir da batalha. O nobre fala a Wallace que se não houvesse confronto, o líder rebelde ganharia uma série de benefícios, como terras e títulos. O escocês interpretado por Mel Gibson diz que é tudo muito, tudo muito bem, mas acrescenta que tinha ainda uma outra exigência: que o nobre beijasse a própria bunda.

Seguindo essa simpática sugestão, eu vou fazer uma humilde proposta para o pessoal do Movimento pelo Passe Livre. Deveria haver uma condição, uma exigência para qualquer tipo de negociação com as autoridades: que eles largassem seus carros particulares e andassem de qualquer meio de transporte público. Qualquer um. Pode ser trem, ônibus, metrô. De preferência, na hora do rush.

Aliás, isso deveria ser lei: os membros da classe política só deveriam usar os serviços públicos. Quer ser político? Tudo bem, mas quando ficar doente, vai ter que ir a um hospital público, os filhos vão frequentar a escola pública, e o ir e vir para os palácios do poder vai ter que ser feito via transporte público. Só a partir daí, a conversar deve prosseguir.

Um pouco de Goya, em homenagem a quem tomando bala de borracha: "El tres de mayo de 1808 en Madrid".  Reparem, essa pintura mostra o resultado do levante do povo espanhol: ser trucidado pelas tropas francesas de Napoleão que chegavam à capital  do reino. É curioso lembrar que nesse mesmo período, a família real portuguesa se dirigia para a sua principal colônia para refundá-la. De certa forma, nascemos também dessa imagem. Sobre o contexto da cena, Goya escreveu: "Siento ardientes deseos de perpetuar por medio del pincel las más notables y heroicas acciones o escenas de nuestra gloriosa insurrección contra el tirano de Europa." Que perpetuemos, com nossas câmeras e relatos via facebook, as nossas insurreições contra os tiranos brasileiros.

domingo, 16 de junho de 2013

Segurança x liberdade

Há muitos problemas na sociedade contemporânea, mas eu arrisco dizer que eles podem ser resumidos em um binômio: segurança x liberdade. Há um sentimento bastante espalhado, mas não unânime, que esses dois polos se equilibrariam em uma gangorra: quando um sobe, o outro desce. É assim, ao menos eu os interpreto assim, que são vendidos os argumentos que defendem o Estado contra as manifestações populares no mundo inteiro.

A segurança e a liberdade podem vir travestidas com outros nomes. Na Turquia, o caso mais à mão sem considerar o brasileiro, o primeiro-ministro Erdogan diz que ele pode fazer qualquer coisa que quiser porque a maioria da população o apoia. Ele tem mais de 50% de satisfação e foi eleito três vezes para o cargo mais importante do país. Deve acreditar que esse apoio nasceu com o crescimento econômico que sua política imprimiu. Daí, faz a proposta, como se fosse uma barganha típica daquelas cabines surdas de programa de televisão: você quer trocar a segurança [econômica, o emprego, o crescimento, etc.] por liberdade [poder protestar, beber cerveja, beijar na boca no metrô e andar de minissaia]? Algumas pessoas estão dizendo "sim", sem nem precisar tapar os ouvidos.

No mais recente escândalo dos EUA, o processo é parecido: você troca a sua liberdade [privacidade, uma vida só sua sem que ninguém possa interferir] por segurança [o Estado te protegendo contra o terrorismo internacional entre outros males sem rosto]? Os cidadãos americanos devem estar na dúvida entre ser a "terra do livre" ou o "lar dos bravos", como sugere o hino "Star Spangled Banner", deles.

No Brasil, idem. Sempre foi a mesma coisa, aliás. A luta pela abolição da escravidão é o caso mais óbvio, exatamente porque "liberdade" aí não era metáfora. Mas se repete sempre. A ditadura - e novamente "liberdade" não é metáfora - foi instaurada para acabar com a bagunça, representada à época pelo governo democrático, ou pelo perigo iminente do golpe do terrorismo, para dar a segurança a seus cidadãos. Deu um golpe para não tomar um golpe. É o golpe preventivo. Aquela imagem [provavelmente falsa] que circulou pela internet dando o crédito para a Globonews com o seguinte lettering "Polícia fecha a Avenida Paulista para evitar que manifestantes fechem a Avenida Paulista" apenas repete a história como tragédia. Outra tragédia.

O curioso é que esses dois elementos [segurança x liberdade] não são excludentes. Não é preciso escolher um lado, optar por uma das opções. É possível ter segurança e liberdade ao mesmo tempo. É trabalhoso, muito complicado, mas é possível, sim. Saber quais são os limites da liberdade de um para não afetar a segurança do outro. Em alguns países, costumam chamar esse processo de "democracia" - não confundir com vícios estatístico-demográficos. É a menos pior maneira de se governar, de se guiar um Estado, como bem disse Churchill em uma de suas frases lapidares.

Suspeito que se deixar para o povo decidir entre a liberdade e a segurança, é possível que em alguns momentos possamos escolher, como grupo humano que recém saiu das cavernas, o segundo item. Mas em geral, acredito que tendemos, como homens e mulheres que saímos desses lugares às sombras para encarar o sol a pino sem óculos escuros, ao primeiro. Porque o critério que define "segurança" é coletivo, portanto tem limites passageiros, negociáveis, discutíveis. Já o de "liberdade", não.

sexta-feira, 14 de junho de 2013

The bus fare is our Taksim square

[As we are not receiving the proper attention from the local media corporations, I will try to summarize what happens at this moment with these protests on the main Brazilian cities to my foreigner friends, aiming that this kind of information would be spread and with international consideration, our concerns could be heard.]

Brazil is facing the biggest main public demonstrations since 1990s. At that time, we have had a popular clamour for the at that time president impeachment. And we did it. Collor was sacked. Now, thousand of protesters from all social classes are going to the streets to claim for a better transport system. The recent bus-fare increase was just the cherry on the top, our Taksim square: people cannot stand inflation again [we had hyperinflation until mid-1990s] and will not tolerate be treated like animals when using buses or any other transport.

This is the idea [by Sandro Menezes]


To contextualize, let's see São Paulo example. It's the sixth or seventh biggest city in the world, and it's part of the second [or fourth] more populous metropolitan area. There are more than 30 million people living there and in its surrounds. But its public transportation is supported mainly by bus and private cars. There is one car for every each one citizen. Who is überrich buys a helicopter: the city has the biggest chopper fleet of globe. Who cannot afford this extravagance faces a two hours traffic jams every single journey. At average.

All the transport system in Brazil is a public concession, which means that they are managed by private companies whose objectives are not having a better transport for its commuters, but to make more money. Metro [underground or subway] is only 74,3 kilometres long [London underground is more than 400 kilometre long, besides Overground, DLR, etc.] and is considered the busiest in the world. Worst than Tokyo's.

The bus business follows a Mafia method throughout the country. The same companies owns the privilege to transport the population since its beginning. Sometimes, there isn't any kind of regulation for this. In Rio, for instance, more than half of population [4 million of the 8 million people] uses buses everyday. And frequently we heard informations about how they corrupt politicians and how bus companies are the strongest lobby against any other kind of transportation. There is a strong rumour that says these companies pay a monthly bribery of R$ 100,000 [around £ 30,000 or US$ 50,000] for every each of the 71 state deputies in Rio.

They are the biggest supporters for mayors and even governors all over the country in elections. Then it was not a surprise to see that all the government spheres [national, the state and the city] were against the protesters, in São Paulo or in Rio. Even if they are supposed to be from different political ideologies. Even if they are from the apparently left wing to the certain right one. It seems they are all under the Mafia influence.

While this, passengers keep getting overloaded buses that were constructed over truck bodies. Buses that does not have air conditioner, even in 40 degrees Celsius and 100% humidity summer Rio. Buses that are never - ever, ever - on time. Buses whose conductors think they are pilots, and drive like crazy - or they are forced to it, as they have to deliver its commodities on time, and make its machine as profitable as possible.

To show how the transport system is getting worst and worst everyday, and is not only a bus or metro problem, yesterday, the day when the biggest protest until now happened, the train workers stopped in São Paulo. They asked for better salaries. In Rio, passengers from the boat system destroyed one of its stations because it was completely crowded. More than twice its limits.


Police breaks its own car glass to blame on the protesters

Besides all of that, our media companies seem that the only problem that exist is the havoc. They call Turkish groups in Taksim square as demonstrators, protesters, those who are fighting for their freedom. In Brazil, the same people are vandals, wreckers, those who want just to create chaos. It seems they are also under the Mafia influence. The irony of the destiny: yesterday, "Folha de S. Paulo", maybe the most influential paper in Brazil, says seven of its journalist were injured by the police.

Giuliana Vallone, a "Folha de S. Paulo" reporter, who was
wounded by a rubber bullet shot by policemen
Yesterday, apparently things were worst. Official informations talk about 235 people held in custody by the police. Among those, there is at least one journalist, from the leftist magazine "Carta capital", who was arrested only for having vinegar - it is said that is good to use it against the gas bombs. Besides that, they used pepper sprays and sticks to beat who were unlucky enough to be close to the City centre. In Facebook and others social media, there are tons of posts about how police was violent. Sometimes, with no reason. A couple who were just drink a beer and was spanked. A student who was leaving the university at the same moment the protesters were passing by and was hit by sticks. A mother who were at the hospital with her daughter and witnessed a group of youngster injured being chased in the corridors. All of them by policemen.

Does this need a subtitle?
The curious thing about all of that is that Brazil is accused for not having the tradition to protest - which, I think, is just bullshit. Every day papers show corruptions scandals and there is not any organized and strong public manifestation. This can mean that the transport system is a common thread in the country. One of the most significant point about these protests is that it gathered rich and poor people, black and white, PhDs and almost illiterates. Maybe because they see that this rise of the fare is not what matters, or does not matters alone. That it is just a sign of how the politicians treat people, without any care, regard, consideration. That we will not again accept this quotidian violence against our lives. Put yourself in our shoes: what would you do if you lose four hours of your everyday life in a totally uncomfortable bus?

quinta-feira, 13 de junho de 2013

O pior problema das cidades brasileiras

O transporte público é, na minha humilíssima opinião, o nosso principal problema [como escrevi aqui]. Repare, é a questão da cidade que afeta mais pessoas nos seus cotidianos. E de todas as classes sociais - salvo os muito ricos que se locomovem de helicóptero. Se você não pega o ônibus, porque é coisa de pobre, e você não quer se misturar, ou acha que o ônibus é muito ruim para você e prefere tomar um táxi, ainda assim você enfrenta o congestionamento causado pelo seu carro.

É também um problema que afeta, em bem menores graus, outras questões da cidade, como a favelização e, até, quem sabe, a violência. Cada pessoa deveria ter o direito de escolher entre passar mais tempo nos péssimos transportes pendulares e viver numa casa razoavelmente confortável ou viver mais próximo do trabalho, e optar por um casebre quase insalubre [por favor, considere essa suposta dualidade como uma generalização].

São Paulo é, das poucas cidades que eu conheço, a que tem o pior trânsito. Rio vem em segundo lugar, não muito atrás. Isso é fruto de uma proposta de incentivo a compra de carros, com a desculpa de que a economia deve continuar girando, e de apoio a um sentimento de posse e de ascensão social e status pessoal por meio do consumo de um bem defasado. Além, é claro, de um descaso quase completo por transportes de massa decente. Descaso completo nesse aspecto acontece no Rio.

Então, não entendo como ser contrário aos manifestantes que tentam diminuir o preço da passagem. A reivindicação imediata deles é das mais simples: diminuição, quase simbólica, do valor que se paga para usar esses transportes ruins. Há outras, um pouco mais duras, como o passe livre para estudantes - mas essa pauta maior faz parte do processo.

FILME 2,95 RJ from TRÊS FILMES on Vimeo.

É claro que haverá excessos quando se junta mais de três pessoas. Mas se o argumento para ser contra protestos e manifestações é o prejuízo público, sugiro acabar com eventos como o carnaval e o réveillon. Aproveita e coloca no pacote os eventos de futebol e os grandes shows em lugares públicos.

Além disso, ninguém me mostrou uma prova mais concreta de que as depredações tenham partido dos manifestantes - pelo que eu li e vi, o protesto era completamente pacífico até que a polícia começa os ataques. Aí, é guerra. E, para usar uma expressão que os militares - esses ídolos de um grupo saudosista da ordem e da ditadura - adoram repetir: na guerra, a única coisa boa é o seu fim.

Se um grupo que, de certa forma, representa boa parte da população [senão toda], mesmo que ela não queira ser representada por eles, vai às ruas pedir, com bastante e incisiva insistência, exigir que seja ouvido, que as autoridades aceitem suas vontades, eu dou todo o meu quase dispensável apoio. Concordo totalmente como uma faixa mostrada aos motoristas no último protesto do Rio mostrava: "Desculpe o transtorno, estamos protestando pelos seus direitos".

Se qualquer desses argumentos mais práticos não servir, ainda há o ideológico. Essas manifestações destroem a ficção de que brasileiro não gosta de protestar. Talvez só faltasse um elemento catalisador, algo que despertasse a revolta em cada uma das pessoas envolvidas, cada um dos cidadãos. E para tanto, nada melhor [ou pior] do que enfrentar um engarrafamento dentro de um ônibus lotado e sem ar condicionado, num dia de sol a pino, sabendo que a passagem aumentou sem qualquer benefício direto, e que o seu salário não subiu na mesma velocidade, e, ainda tendo horário para chegar no trabalho / colégio, sabendo que o seu chefe / a diretora não gosta que você se atrase. Dá ou não dá vontade de queimar o ônibus?

quarta-feira, 12 de junho de 2013

Imprensa dilmista

Manchete do G1 neste exato momento: "Dilma empresta R$ 5 mil a famílias do Minha Casa - Com qualquer renda, elas terão crédito para adquirir móveis e eletrodomésticos." [negrito é meu.]



A reportagem em questão tem o seguinte título: "Famílias do Minha Casa terão R$ 5 mil para eletrodomésticos e móveis"

Dilma só aparece no terceiro parágrafo, assim: "O programa foi anunciado durante cerimônia no Palácio do Planalto, com presença da presidente Dilma Rousseff."

Ou temos um dilmista infiltrado no G1 - logo escolhendo as manchetes - ou, talvez, a ideia de um complô da imprensa contra o governo seja um pouco exagerada.

Manifestar-se ou não manifestar-se

Sin embargo, la clase media, poco acostumbrada en este país a las manifestaciones de protesta en las calles, está aplaudiendo a las autoridades, que han pedido mano dura a la policía contra las movilizaciones, que están paralizando el tráfico en ciudades ya de por si supercongestionadas.
Do jornal "El País".

Ainda o jornalismo

A ventania reformadora dos meios de comunicação voltou ao Brasil da pior e da melhor maneira. Cortaram-se vagas e poderão ser extintos títulos que fizeram história. Esse é o aspecto fim do mundo. Há o outro, do mundo novo. De sua casa na Gávea, o jornalista Glenn Greenwald explodiu um dos grandes segredos do governo americano jogando o companheiro Obama no fosso da falta de credibilidade. Ele grampeia o mundo, inclusive seus cidadãos.
Elio Gaspari mostra que não há coincidência nessas duas informações terem aparecido ao mesmo tempo. Mas um discrepância de como o jornalismo é entendido, aqui e lá [seja onde for o aqui e o lá, reparem]. Ou, em outras palavras: o jornalismo está morto, vida longa ao jornalismo.

terça-feira, 11 de junho de 2013

Problemas da elite brasileira

A elite brasileira acha que o Estado é para ela, que não pode ter esse negócio de dar dinheiro para pobre. Além de o Bolsa Família entrar na Constituição, é preciso ter outras políticas complementares, políticas culturais específicas. É preciso ter uma escola pensada para aquela população. É preciso ter outra televisão, pois essa é a pior possível, não ajuda a desfazer preconceitos. É preciso organizar um conjunto de políticas articuladas para formar cidadãos.
Palavra da socióloga Walquiria Leão Rego, 67, que escreveu, com o filósofo italiano Alessandro Pinzani, "Vozes do Bolsa Família".

segunda-feira, 10 de junho de 2013

Índio de calça jeans

“Eu não usava computador até acabar a minha tese, mas continuo a mesma pessoa. Existe esse preconceito de que índio com calça jeans ou celular não é mais índio. Obviamente que é. Simplesmente, eles não estão numa redoma, querem compartilhar os benefícios da nossa sociedade e são fascinados por tecnologia: adoram andar com filmadoras para registrar as suas cerimônias. Isso não interfere na sua identidade indígena”.
A antropóloga Vanessa Lea, que lança um livro sobre os Mẽbêngôkre, também conhecidos como Kayapó, explicando o óbvio.

Assange x Google x Privacy in internet

Commodities just become more marvelous; young, urban professionals sleep, work and shop with greater ease and comfort; democracy is insidiously subverted by technologies of surveillance, and control is enthusiastically rebranded as “participation”; and our present world order of systematized domination, intimidation and oppression continues, unmentioned, unafflicted or only faintly perturbed.
[...]
The advance of information technology epitomized by Google heralds the death of privacy for most people and shifts the world toward authoritarianism. [...]
The section on “repressive autocracies” describes, disapprovingly, various repressive surveillance measures: legislation to insert back doors into software to enable spying on citizens, monitoring of social networks and the collection of intelligence on entire populations. All of these are already in widespread use in the United States. In fact, some of those measures — like the push to require every social-network profile to be linked to a real name — were spearheaded by Google itself.[...]
Without even understanding how, they have updated and seamlessly implemented George Orwell’s prophecy. If you want a vision of the future, imagine Washington-backed Google Glasses strapped onto vacant human faces — forever.
On 1st June, Julian Assange wrote a piece to "The New York Times" about "The new digital age", book written by Eric Schmidt and Jared Cohen, two names connected to Google (tt seems this is the controversy book of our very-right-now moment). Assange complains about a lot of positions from Google, disagree in almost all of their ideas, makes some self-promotion, but we cannot denied: he foresaw the actual US crisis.

domingo, 9 de junho de 2013

A castanheira de Istambul

Em frente a esse prédio havia uma castanheira de 50 anos de idade, que, felizmente, continua ali. Mas, certo dia, em 1957, o prefeitura decidiu derrubar essa árvore para alargar a rua. Os burocratas presunçosos e governadores autoritários ignoraram a oposição do bairro.
Assim, no dia em que a árvore seria cortada, meu tio, meu pai e a família toda passaram dia e noite na rua, revezando-se para montar guarda. Dessa maneira protegemos nossa árvore; mas também criamos uma memória compartilhada que a família toda ainda recorda com prazer e que nos une.
O nobel de literatura Orhan Pamuk explicando, de uma maneira bem particular, e familiar, os problemas que acontecem na Turquia

sábado, 8 de junho de 2013

A razão e a vontade como problemas

O sujeito tendeu, nos últimos séculos, a sujeitar a si mesmo. Heidegger cita o "ego", da fórmula cartesiana de "ego cogito" como exemplo para isso. Quando Descartes mostrou que o homem existiria ao tomar consciência da própria razão, deu ao homem o poder de controlar, de sujeitar a sua própria existência, e, consequentemente, sujeitar o que quer que fosse. O resultado disso, segundo o Heidegger, é sujeição do mundo ao homem, o mundo se transforma em objeto do homem, perde o seu Ser, que não é visto pelo sujeito, e se transformando em ente.

O que isso quer dizer? Que o homem ao se tornar senhor de si, sem um deus para obedecer / seguir, transforma o mundo em seu objeto. A terra se torna um objeto incondicional – nunca mais teríamos contato com o seu Ser. A Natureza, por sua vez, se torna o objeto da tecnologia, apenas provendo os recursos necessários, sem nunca também mostrar o seu próprio Ser. O homem se coloca no centro de um mundo, numa posição que era de deus, mas sem o poder que deus tinha. Deus também legislava. E mesmo que legislasse de acordo com princípios controversos, tinha uma importância para todos. O homem, não. É único, individual, sem alcance para o mundo.

Uma das consequências desse processo seria o fim da filosofia como a conhecemos, como doutrina e imagem da cultura, como a linguagem da verdade. Mais ou menos o mesmo tom da entrevista de Heidegger para a revista Der Spiegel.

Essa dominação do mundo, segundo Heidegger, é consequência da Vontade de potência, mas que nunca é entendida dessa maneira. Porque essa luta por dominação sobre a terra, essa era da subjetividade está direcionando para o consumo. Uma cobiça para dar vazão à razão, quase uma forma de compensar os anos de sujeição. Por isso, explica Heidegger, é indispensável se tornar consciente da vontade-que-deseja além da vontade de potência. Não é controlar a vontade, nem determinar os seus limites, mas saber, avaliar ao menos suas consequências para não se tornar um escravo da própria vontade. Porque a vontade vai querer sempre mais. E é importante ter alguma noção se é realmente um desejo da vontade ou simplesmente um vício que se repete.

"'O grande meio-dia'”, escreve Heidegger, “é o tempo do mais brilhoso brilho, a saber, da consciência de que a incondicionalidade, e em cada respeito, se transformou consciente de si mesmo, como aquele saber que consiste em deliberadamente desejar a vontade de potência como o Ser-do-que-quer-que-for."1

A citação ao "grande meio-dia" se refere provavelmente a um trecho do “Crepúsculo dos ídolos” em que Nietzsche narra a trajetória da metafísica desde Platão até ele mesmo, passando por Kant, utilizando a metáfora da passagem da escuridão noturna à claridade do dia, como passando, segundo os seus critérios, dos períodos na História, desde a criação da metafísica platônica, culminando, ao "grande meio-dia", no seu (de Nietzsche) momento histórico, em que essa metafísica não faria mais sentido. São seis passos identificados, que demonstrariam, nas palavras de Nietzsche, “como o mundo 'verdadeiro' terminou por se tornar uma fábula”. No último passo, Nietzsche escreve que com a supressão do mundo verdadeiro, ou seja, com o fim de uma tentativa metafísica de se querer um mundo ideal, fora da nossa realidade, imaginado por Platão e seguido pelos cristãos (ao menos), também se quebraria o mundo aparente. Ou seja, não haveria mais uma divisão entre verdade e aparência. Para existir a metafísica, ou esse tipo de metafísica que dominou nossa forma de pensar durante milênios, é necessário ter esses dois termos, o real e o imaginado, o aqui e o lá, o aparente e o ideal. Sem um deles, o outro não consegue existir, porque seria apenas um espelhamento do primeiro.

Heidegger cita o momento mais brilhoso do brilho, o meio-dia, em que a luz do sol incinde quase verticalmente, no “instante da sombra mais curta”, como escreve Nietzsche. É o momento da razão mais profunda, a “incondicionalidade”, ou seja, o não ter condições, não haver um algo, um alguém, um Ser como parâmetro, isto é, é saber que deus, em que formato ele tiver ou estiver, está morto. É o momento em que se sabe que não há uma diferença entre mundo real e aparente. É também nesse instante em que o sentimento tomou consciência, despertou, que nasce um novo desejo, algo que impulsiona, que "deliberadamente” deseja a vontade de potência, de maneira quase aprisionadora. Dessa maneira, seguindo o raciocínio de Heidegger, o homem resiste a se subjugar a qualquer objetivação.

Heidegger pergunta como consequência desse raciocínio, em que só todo sujeito subjetiva, ninguém é objeto, o que é, isto é Ser agora, agora que o "domínio da Vontade de potência está amanhecendo" e que essa abertura está se tornando uma função da vontade, está existindo em função da vontade, ou seja, sendo subjugada, sujeitada, objetificada. O que é, o que está acontecendo com o Ser neste momento de dominação? "O Ser está sendo transformado em um valor", ele responde.  

Ele não fica satisfeito. Quer saber se o Ser pode ser melhor avaliado do que simplesmente ser um valor, porque ele acredita que, desta forma, ele já estaria degradado. Porque estaria, de certa maneira, condicionado à vontade de potência, como se dependente da vontade de potência. Ou mesmo subjugada, ou ainda sendo em função da vontade de potência. Dessa forma, o Ser estaria despojado da "dignidade de sua essência". A vontade de potência, nesse sentido, apenas substituiria deus, sem qualquer vantagem para o Ser. Nesse sentido, o Ser não seria a vontade de potência, mas algo além. E a vontade de potência seria algo que, porque não consciente, poderia dominar o ser. Nas palavras de Heidegger, este processo oblitera a experiência do Ser.


1Heidegger, 1977 / 102, em tradução livre

sexta-feira, 7 de junho de 2013

Verdades sobre as mentiras políticas

Todos ficamos incomodados com a maneira como os partidos políticos brasileiros se formam e se comportam. Mesmo partidos que já tiveram um perfil ideológico mais nítido, como o PT e o PSDB, hoje parecem ter perdido o eixo e disputam o poder como se não se importassem com a afirmação de suas diferenças. Outros partidos parecem existir somente para disputar eleições e ocupar espaços nas esferas de poder. Mas é preciso tomar cuidado para não trocar a análise da vida política brasileira concreta por aquilo que deveria ser idealmente. Em primeiro lugar, mesmo que semelhantes, há diferenças entre os partidos, as quais impactam na vida de milhões de brasileiros quando são transformadas em políticas públicas. Nesse sentido, não são exatamente “de mentirinha”. Em segundo lugar, é preciso ver que os partidos existentes refletem a sociedade em muitos de seus aspectos. A existência de partidos sem perfil ideológico definido se deve também ao grau de despolitização de franjas importantes da população. Por outro lado, pequenas formações partidárias defendem ferozmente os interesses de grupos particulares. Veja, por exemplo, a resistência de certas formações políticas a temas como o casamento gay. Assim, não podemos falar de acaso, ou de algo anedótico. Essa é a posição de uma parte da população brasileira e alguns partidos refletem isso de forma muito explícita. Talvez esse não seja o melhor dos mundos, mas se quisermos compreender o Brasil, ou mesmo mudá-lo, teremos de olhar para esse tecido político dividido e corrompido. Essa é a matéria da política brasileira e, em alguma medida, podemos dizer, sua verdade.
 O filósofo Newton Bignotto falando umas verdades sobre as mentiras nossas de cada dia.

'O mundo é falso'