[Texto que eu escrevi para a série de depoimentos que estamos publicando na Revista de História]
“O gigante acordou” era um dos “slogans” mais pronunciados. “Slogans”,
não gritos de guerra, não gritos de ordem. “Fora... (acrescente o nome de um
político no cargo executivo)” era outro. Nenhuma esfera do governo foi
perdoada.
Fiquei parado durante um tempo na Avenida Rio Branco, perto
da Avenida Sete de Setembro, a rua que leva à redação da Revista de História. Algo
como uma hora. Parado, vendo o movimento de uma multidão que descia a antiga
Avenida Central em direção à Cinelândia. Eram vários blocos compactos de
manifestantes. Os primeiros, os que iam à frente de todos, talvez não fossem quem
mais representava a maioria. Porque empunhavam flâmulas partidárias, que foram rechaçadas
pelo restante do grupo aos gritos de “abaixa a bandeira / abaixa a bandeira”.
Os protestos parecem deixar uma informação clara: a política partidária, como
nós a conhecemos agora, “não me representa”, para usar uma expressão atual.
Em outro “bloco”, um minicarro de som. A moça no microfone,
provavelmente uma paulista, pede para todo mundo abaixar, e depois, todo mundo se
levanta numa catarse coletiva. Era uma festa, uma festa com gente não convidada.
Ao meu lado, estavam três catadores de papel, atividade que
é forte na região. Era a hora de eles trabalharem. Estavam lá, assistindo a
tudo, ao meu lado, entre o entediado e o bocejante. Em certo momento, passa um
sujeito com um cartaz cheio de informações e para em frente a eles, como que
quisesse mostrar algo. Só sai quando um dos catadores acena com a cabeça, como
se dissesse, já entendi, agora você me dá licença?
Ao sair da manifestação, me lembrei de Machado de Assis, e
de suas “Memórias póstumas de Brás Cubas”. Logo no início do livro, na sua dedicatória
ao leitor, o defunto autor fala que escreveu suas memórias com “a pena da galhofa
e a tinta da melancolia”. Talvez, nessa frase, Machado tenha identificado o
caráter do povo brasileiro, de uma maneira que quase ninguém mais percebeu. Na
manifestação, essa nossa “galhofa” aparecia em cada um dos momentos festivos,
cada uma das piadas, das músicas, das gracinhas. Já a melancolia foi o que nos
levou às ruas. Após uma década acumulando essa bile amarga, a gota de uma moeda
imaginária de 20 centavos, transbordou o pote. Agora, a melancolia se travestiu
de manifestações bem menos passivas. Uma melancolia que às vezes pode ser até
raivosa.
Nenhum comentário:
Postar um comentário