Percebi que esse problema da memória não é só meu, mas generalizado. Tentei lembrar do nome de um escritor hoje, famoso, um grande frasista, e perguntei para o meu filho, Moacir, o do meio, que tinha vindo aqui em casa para almoçar, se ele sabia, se ele se lembrava, e a primeira coisa que ele fez foi entrar na internet. Perdemos a capacidade de armazenar nossos próprios dados. Terceirizamos a nossa memória, esse músculo que deve ser exercitado sempre, porque, senão, atrofia. Foi o que aconteceu, desde a geração dos meus filhos, que utiliza tipos de discos rígidos externos para guardar o que acham que é importante. Discos rígidos, no início, já há bastante tempo é o que eles chamam de nuvem, esse éter que veio para substituir o paraíso bíblico e nos trouxe bastante conforto, sim, claro, de ter acesso a qualquer informação a um clique, mas também dor de cabeça, principalmente porque não conseguimos mais lembrar coisas tão simples, como o nome do escritor, famoso, grande frasista. Perguntamos ao oráculo internético sobre o passado, como antigamente os gregos perguntavam sobre o futuro. Foi um amigo meu quem deu esse nome de oráculo a... quem foi mesmo? Quem foi esse meu amigo que deu o nome de oráculo? ... Mais uma decepção. Fico olhando para a janela aqui de casa, sem enxergar nada, tentando afundar mais e mais na minha memória, como o escafandrista, prendo o ar, perco o ar, fico confuso, e volto à tona para tentar respirar um pouco, perdendo o fio, que some, como uma cobra ao ser descoberta em seu habitat. Volto, afundo, prendo de novo a respiração, procuro uma referência, lembro que era um amigo meu que tinha cabelos ruivos, deixo o meu pensamento ser carregado pela corrente, vem à minha frente a suspeita de que eu o conhecia da faculdade, libero o meu corpo, tento relaxar novamente, começo a visualizar o seu rosto, o contorno da sua cabeça, os traços sendo desenhados sem mãos, automaticamente, como mágica, como num computador sem cursor, ele começa a se materializar, tomar corpo, tomar uma forma, mesmo que esfumaçada, como um personagem de vídeo-game que num passe de mágica ganha uma nova vida para continuar [hoje em dia, todo mundo joga algum tipo de jogo], e então me sinto enjoado, sem oxigênio, e perco novamente as pistas, os detalhes, as referências e o corpo se desmaterializa, some, evapora, puf! Pronto, não tenho mais qualquer imagem. Dói a minha cabeça e fico cansado, como se tivesse corrido quilômetros.
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