Em várias tradições, aconteceu o mesmo: quem tentou chegar perto de Deus, de uma maneira ou de outra, acabou se dando mal. Os casos mais famosos são a Torre de Babel e o conto de Ícaro. Não deve ser coincidência que o mesmo mito tenha se perpetuado.
O caso de Babel aparece em apenas nove versículos do capítulo 11 do "Gênesis". Todos sabemos a história: "homens do Oriente encontraram uma planície em Sinear" e resolveram "construir uma cidade, com uma torre que alcance os céus", com a intenção de tornar o nome deles "famoso" e também para não serem "espalhados pela face da terra". Além da vaidade [e é bom lembrar sempre da famosa última frase de "Advogado do Diabo", quando Milton, o coisa-ruim-em-si, admite que é o seu pecado favorito], há um sentimento de união, que Deus, demonstrando todo o seu ciúme, acaba por acabar - exatamente, confundindo as línguas que eles falavam. "Assim o Senhor os dispersou dali por toda a terra, e pararam de construir a cidade", diz o oitavo versículo. Não poderia ser mais cruel - como, aliás, toda vida é.
Já o de Ícaro é menos conhecido. Seu pai, Dédalo [o que só me faz lembrar de Stephen Dedalus, alter-ego de James Joyce], era um grande criador de artefatos. Mas, humano, demasiado humano, sente inveja do sobrinho Talos, que tinha intuído uma serra a partir das espinhas de um peixe, e o tenta matar. Como pena, os deuses o degredaram a Creta, onde foi o responsável por construir o famoso labirinto, onde o igualmente famoso Minotauro ficaria preso. Após a morte do monstro antropomórfico por Teseu [outra história, outra história...], Dédalo e Ícaro foram presos no labirinto. Para tentar fugir de lá, Dédalo criou as famosíssimas asas de cera com penas de gaivota, uma para ele, outra para Ícaro, e aconselhou o filho: não chegue próximo do Sol, nem do Mar. Ícaro ignorou a sugestão do pai e foi em direção a Hélio, que derreteu suas asas, fazendo com que ele caísse no Mar Egeu.
Toda essa contextualização é para dizer que uma das críticas, a meu ver, de Heidegger a Nietzsche segue masomeno esse caminho. Heidegger, que era um gentleman ao criticar seu predecessor, enxergava um dos grandes temas do Bigode, a vontade de potência, como uma questão "relativa". Em outras palavras: para que a vontade existisse, era necessário que houvesse outra vontade para se apoiar, para ultrapassar, para vencer. A vontade não era sozinha, por si só, mas estava determinada a partir de outras vontades. Era competitiva, portanto. E, também, individualista, excludente. Também aristocrática [uns são melhores que outros] e elitista. Para Heidegger, Nietzsche acredita que o seu além-do-homem [outro dos temas favoritos do Bigode] era uma espécie de Deus.
Não concordo que Nietzsche tenha dito exatamente isso, mas o raciocínio de Heidegger é límpido. Além disso, o fim da vida de Nietzsche, em que ele assinava as cartas como Zaratustra ou Dionísio, seus deuses que substituiriam o deus cristão, é exemplar nesse sentido. E não vamos culpar a doença que, alega-se, ele tinha. Ou não vamos culpá-la totalmente. Havia, sim, um sentimento de superioridade, de não querer fazer parte da humanidade, como ela era, no senhor Bigode. Nietzsche queria ser tirado para o novo Cristo.
O problema desse raciocínio, se eu entendi bem Heidegger - o que eu duvido -, é perceber como as relações são sempre fracas para manter qualquer tipo de afirmação peremptória. Melhor explicando: Se Nietzsche criticava tanto a humanidade, por que ele ainda precisaria dela para se elevar, para exercer sua vontade? Apesar de ele esnobar as relações humanas, parecia que ele era o que estava mais ligado aos homens - daí, inclusive, o início do seu Zaratustra, quando o profeta desce de seu isolamento para pregar entre os homens.
Porque, seguindo o argumento de Heidegger, se essa vontade de potência depende tanto da humanidade para poder existir, para poder se destacar, no momento que essa humanidade simplesmente ignorar o além-do-homem, ele não terá mais parâmetro algum por que lutar e viver. E, novamente, basta ver o fim da vida de Nietzsche para saber que a história não terminou bem. Quando o homem se torna sujeito, ele está necessariamente objetivando algo ou alguém. E, certamente, dependendo desse algo ou desse alguém. Sem esse algo ou alguém, ele cai, se estabaca no chão redondamente, e fica um tempo ali, com dificuldade de se levantar, sem entender bem o que aconteceu. Porque todo e qualquer Deus precisa de fiéis para existir. Já o homem pode viver, simplesmente, diluído na humanidade.
O caso de Babel aparece em apenas nove versículos do capítulo 11 do "Gênesis". Todos sabemos a história: "homens do Oriente encontraram uma planície em Sinear" e resolveram "construir uma cidade, com uma torre que alcance os céus", com a intenção de tornar o nome deles "famoso" e também para não serem "espalhados pela face da terra". Além da vaidade [e é bom lembrar sempre da famosa última frase de "Advogado do Diabo", quando Milton, o coisa-ruim-em-si, admite que é o seu pecado favorito], há um sentimento de união, que Deus, demonstrando todo o seu ciúme, acaba por acabar - exatamente, confundindo as línguas que eles falavam. "Assim o Senhor os dispersou dali por toda a terra, e pararam de construir a cidade", diz o oitavo versículo. Não poderia ser mais cruel - como, aliás, toda vida é.
Já o de Ícaro é menos conhecido. Seu pai, Dédalo [o que só me faz lembrar de Stephen Dedalus, alter-ego de James Joyce], era um grande criador de artefatos. Mas, humano, demasiado humano, sente inveja do sobrinho Talos, que tinha intuído uma serra a partir das espinhas de um peixe, e o tenta matar. Como pena, os deuses o degredaram a Creta, onde foi o responsável por construir o famoso labirinto, onde o igualmente famoso Minotauro ficaria preso. Após a morte do monstro antropomórfico por Teseu [outra história, outra história...], Dédalo e Ícaro foram presos no labirinto. Para tentar fugir de lá, Dédalo criou as famosíssimas asas de cera com penas de gaivota, uma para ele, outra para Ícaro, e aconselhou o filho: não chegue próximo do Sol, nem do Mar. Ícaro ignorou a sugestão do pai e foi em direção a Hélio, que derreteu suas asas, fazendo com que ele caísse no Mar Egeu.
Toda essa contextualização é para dizer que uma das críticas, a meu ver, de Heidegger a Nietzsche segue masomeno esse caminho. Heidegger, que era um gentleman ao criticar seu predecessor, enxergava um dos grandes temas do Bigode, a vontade de potência, como uma questão "relativa". Em outras palavras: para que a vontade existisse, era necessário que houvesse outra vontade para se apoiar, para ultrapassar, para vencer. A vontade não era sozinha, por si só, mas estava determinada a partir de outras vontades. Era competitiva, portanto. E, também, individualista, excludente. Também aristocrática [uns são melhores que outros] e elitista. Para Heidegger, Nietzsche acredita que o seu além-do-homem [outro dos temas favoritos do Bigode] era uma espécie de Deus.
Não concordo que Nietzsche tenha dito exatamente isso, mas o raciocínio de Heidegger é límpido. Além disso, o fim da vida de Nietzsche, em que ele assinava as cartas como Zaratustra ou Dionísio, seus deuses que substituiriam o deus cristão, é exemplar nesse sentido. E não vamos culpar a doença que, alega-se, ele tinha. Ou não vamos culpá-la totalmente. Havia, sim, um sentimento de superioridade, de não querer fazer parte da humanidade, como ela era, no senhor Bigode. Nietzsche queria ser tirado para o novo Cristo.
O problema desse raciocínio, se eu entendi bem Heidegger - o que eu duvido -, é perceber como as relações são sempre fracas para manter qualquer tipo de afirmação peremptória. Melhor explicando: Se Nietzsche criticava tanto a humanidade, por que ele ainda precisaria dela para se elevar, para exercer sua vontade? Apesar de ele esnobar as relações humanas, parecia que ele era o que estava mais ligado aos homens - daí, inclusive, o início do seu Zaratustra, quando o profeta desce de seu isolamento para pregar entre os homens.
Porque, seguindo o argumento de Heidegger, se essa vontade de potência depende tanto da humanidade para poder existir, para poder se destacar, no momento que essa humanidade simplesmente ignorar o além-do-homem, ele não terá mais parâmetro algum por que lutar e viver. E, novamente, basta ver o fim da vida de Nietzsche para saber que a história não terminou bem. Quando o homem se torna sujeito, ele está necessariamente objetivando algo ou alguém. E, certamente, dependendo desse algo ou desse alguém. Sem esse algo ou alguém, ele cai, se estabaca no chão redondamente, e fica um tempo ali, com dificuldade de se levantar, sem entender bem o que aconteceu. Porque todo e qualquer Deus precisa de fiéis para existir. Já o homem pode viver, simplesmente, diluído na humanidade.
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