Sobre Kill Bill
Sobre Kill Bill, aconselho a leitura de dois sujeitos (um que fala pouco mal por decepção, e outro que fala bem por pura tietagem, só para contrabalançar): o Calil do Nomínimo, e o Jafas do site dele (http://jafas.weblogger.terra.com.br/).
Fico no meio do caminho, pendendo para a babação-de-ovo. Concordo com o Calil na sua análise sobre "o pastiche do pastiche" (sensacional essa definição), mas já acho o Tarantino o melhor cineasta de sua geração. Aquele que melhor representa uma parcela da sociedade. Que demonstra através de suas fixações, as preferências, os gostos e os defeitos do atual ser-humano. Que, por nossa sorte, é americano e tem carta branca de um estúdio que se diz "independente" para fazer o que quiser (distante com o que aconteceu com o Mr. Scorcese, infelizmente). Que tem umas idéias loucas que só funcionariam em seus filmes, e quando as vemos, temos vontade de rir - exatamente a intenção dele. Talvez nossa "sociedade" seja realmente a do "pastiche do pastiche".
II
Tava conversando com o Batata, camarada meu, sobre como deve ter sido a conversa dele com o resto da equipe, para passar suas idéias. Imagina ele dizer para todo mundo: "E então, a Lucy Liu e a Uma Thurman saem do clube e está nevando lá fora, e é um jardim japonês por definição". Todo mundo se entreolha e acha a idéia louca e genial.
Ou as reclamações (se as houve, foi de um chato) sobre, sei lá, a cor da roupa de Uma (que faz aniversário comigo, amanhã) se confundir com a luz. A resposta de Tarantino: "E daí?".
Indubtavelmente precisamos mais desses sujeitos que têm a possibilidade de dizer "e daí". Não aqueles que se consideram gênios, mas dos que riem das próprias agruras.
III
Se quiserem algo mais próximo da "minha visão" (que brega), dêem uma passadinha no blog do bonequinho e leiam o Jaime Biaggio.
quarta-feira, 28 de abril de 2004
CK-2.
Volto ao papo Charlie Kaufman só para dizer que está comprovado: o moço é o melhor roteirista de hollywood atualmente. Não é pouca coisa não. A sentença pode estar embaçada porque parece que os EUA só produzem porcarias, mas não exageremos (Drummond: "Não nos afastemos / não nos afastemos muito). Coloque tudo lá numa peneira que sempre sai alguma coisa boa (só para exemplificar: lembro de um filme completamente estúdio que é beeem legal: o "Monster Ball", na qual a interessante, talentosa, simpática Halle Berry ganhou a estatueta).
Ontem vi o último filme que era inédito para mim: "Human Nature" (em parceria com o outro homem dos clipes, Mr. Michel Gondry) e pude comprovar que esse sujeito realmente foge de qualquer convenção do que hoje se empilha aos montes nas prateleiras das locadoras ou nas vitrines das salas de cinema.
Suas características podem até afugentar o gosto mais pop(ularesco), mas só se o sujeito for um impaciente completo. Ele nunca escreve sobre a realidade de maneira realista. Lembre do andar sete e meio, do irmão gêmeo, do produtor e agente da cia, e agora da clínica que apaga memórias ruins e a versão pós-pós-moderna do Tarzan e Jane.
Aliás, Human Nature é esse último aí. O sujeito pega uma história que não teria nenhuma novidade para o meu sobrinho que viu o desenho da Disney e te surpreende a cada tomada de câmera. Nem é melhor que o "Eternal Sunshine...", mas é bem mais engraçado (mesmo sem contar com o Jim Carrey).
Sou fã dele.
Volto ao papo Charlie Kaufman só para dizer que está comprovado: o moço é o melhor roteirista de hollywood atualmente. Não é pouca coisa não. A sentença pode estar embaçada porque parece que os EUA só produzem porcarias, mas não exageremos (Drummond: "Não nos afastemos / não nos afastemos muito). Coloque tudo lá numa peneira que sempre sai alguma coisa boa (só para exemplificar: lembro de um filme completamente estúdio que é beeem legal: o "Monster Ball", na qual a interessante, talentosa, simpática Halle Berry ganhou a estatueta).
Ontem vi o último filme que era inédito para mim: "Human Nature" (em parceria com o outro homem dos clipes, Mr. Michel Gondry) e pude comprovar que esse sujeito realmente foge de qualquer convenção do que hoje se empilha aos montes nas prateleiras das locadoras ou nas vitrines das salas de cinema.
Suas características podem até afugentar o gosto mais pop(ularesco), mas só se o sujeito for um impaciente completo. Ele nunca escreve sobre a realidade de maneira realista. Lembre do andar sete e meio, do irmão gêmeo, do produtor e agente da cia, e agora da clínica que apaga memórias ruins e a versão pós-pós-moderna do Tarzan e Jane.
Aliás, Human Nature é esse último aí. O sujeito pega uma história que não teria nenhuma novidade para o meu sobrinho que viu o desenho da Disney e te surpreende a cada tomada de câmera. Nem é melhor que o "Eternal Sunshine...", mas é bem mais engraçado (mesmo sem contar com o Jim Carrey).
Sou fã dele.
quinta-feira, 22 de abril de 2004
Just to burn my tongue
Como sempre acontece, o imprevisível bate a porta. Quando dava por certo não ir para Curitiba, eis que conseguem transferir o show dos Pixies para a tal pedreira onde cabem mais 5000 pessoas. Fiquei um dia inteiro de frente ao computador e nada do site do festival entrar no ar. Dia seguinte, já pensando em formas alternativas de me matar aos poucos, percebo que o site voltou a funcionar e comprar o ingresso foi a mais simples das ações até agora. Aliás, se tu quiser, corre lá, que ainda rola de comprar. (www.curitibapopfestival.com)
Tem ainda um papo de Massive Attack no Rio - pois já está confirmado em Sampa, meu - dia 25 de maio. E o Lemonhead vem para cá semana que vem. Isso sem contar no skol beats que calhou de cair no casamento (isso, casamento. 'Tô ficando velho) de um camarada meu, com basemment jaxx e mister roni size (o pedagogo do drum and bass). E também o living colour que voltou e toca hoje no canecão.
acho que os míseros dinheiros que juntei nos states serão convertidos em horas de shows praticamente impossíveis há dois anos atrás.
Em tempo: se alguém souber como chegar em Curitiba de maneira barata, ou quiser alguns comparsas para dividir a gasolina, meu email está em algum lugar nessa página e vc estão mais que intimados a me convidar.
Como sempre acontece, o imprevisível bate a porta. Quando dava por certo não ir para Curitiba, eis que conseguem transferir o show dos Pixies para a tal pedreira onde cabem mais 5000 pessoas. Fiquei um dia inteiro de frente ao computador e nada do site do festival entrar no ar. Dia seguinte, já pensando em formas alternativas de me matar aos poucos, percebo que o site voltou a funcionar e comprar o ingresso foi a mais simples das ações até agora. Aliás, se tu quiser, corre lá, que ainda rola de comprar. (www.curitibapopfestival.com)
Tem ainda um papo de Massive Attack no Rio - pois já está confirmado em Sampa, meu - dia 25 de maio. E o Lemonhead vem para cá semana que vem. Isso sem contar no skol beats que calhou de cair no casamento (isso, casamento. 'Tô ficando velho) de um camarada meu, com basemment jaxx e mister roni size (o pedagogo do drum and bass). E também o living colour que voltou e toca hoje no canecão.
acho que os míseros dinheiros que juntei nos states serão convertidos em horas de shows praticamente impossíveis há dois anos atrás.
Em tempo: se alguém souber como chegar em Curitiba de maneira barata, ou quiser alguns comparsas para dividir a gasolina, meu email está em algum lugar nessa página e vc estão mais que intimados a me convidar.
terça-feira, 20 de abril de 2004
Neo-Luddismo.
Fiquei sabendo que agora ao tentarmos baixar alguma música do Kazaa (o mais popular deste tipo de programa) quase metade dos arquivos vem com vírus. Depois de destruírem o Napster - o propagador dessa cultura de troca de informação pela internet - o Sistema resolve literalmente aterrorizar (no sentido de praticar o terror ou promover atos terroristas) os usuários online.
Parágrafo para dizer que não há como ter prova que foi o Sistema (representado aqui pelas grandes gravadoras que perdem uma boa grana com essa gratuidade) o autor desse ato de criminoso, mas que é muito estranho, isso é inegável.
De certa forma, ao receber essa informação, me lembrei da história de Ned Ludd. (Para quem não sabe: lá atrás, na primeira revolução industrial, quando o Brasil ainda engatinhava, alguns trabalhadores na Inglaterra, organizados por esse tal Ludd, ao perderem seus empregos pela entrada das máquinas, resolveram culpá-las e destruí-las em massa. Claro que não adiantou muito e logo em seguida havia mais máquinas que homens para combatê-las. Os combatentes da tecnologia se chamaram Luddistas e o movimento, Luddismo.) A diferença mais absurda é que agora não é o povo que combate os avanços, mas o próprio Sistema, que cada vez mais se torna liberal no discurso e conservador na prática.
O óbvio ninguém se alvitra: faz-se mais que necessário promover formas alternativas de ganhar dinheiro com essa nova realidade de troca de música de graça pela rede. Se me pergutarem que opções eles têm para dissolver o problema, eu não vou saber responder, mas até soluções ridículas (como por exemplo focar o rendimento em material de merchandising dos artistas, ou em shows ou em produtos diferenciados) são menos violentas e grotescas que as atuais. Qualquer coisa que fizerem é mais correto que contaminar a culha qualquer PC que queira escutar uma musiquinha só de um artista desconhecido.
A sorte, para o nosso lado do tabuleiro, é que sempre desenvolveremos formas de burlar essas barreiras burocráticas criadas pelo Sistema. A mais simples é usar outro programa de troca de arquivos. Aliás o Kazaa só existe porque o Napster e depois o Audiogalaxy agonizaram até findarem-se. Não é segredo para ninguém que hoje existem softwares dessa natureza que usa como servidor a máquina do usuário, ou seja, não há matriz, ou quem culpar por essa "liberdade" on line (me recuso a usar a palavra "pirataria"). Então, basta-nos, a nós civis que somos envenenados por gás sarin nos metrôs das capitais mundiais, que sofremos com quedas de prédios ou bombas em trens, procurar combater de nossa maneira: trocando mais e mais arquivos.
ps. O Soulseek, 'tadinho, parece devagar demais, desde que voltei da casa de minha irmã nos states. Será que também foi "contaminado" pelo Sistema?
ps2. Não me perguntem qual é o programa da moda porque o estou desatualizado nessas coisas.
Fiquei sabendo que agora ao tentarmos baixar alguma música do Kazaa (o mais popular deste tipo de programa) quase metade dos arquivos vem com vírus. Depois de destruírem o Napster - o propagador dessa cultura de troca de informação pela internet - o Sistema resolve literalmente aterrorizar (no sentido de praticar o terror ou promover atos terroristas) os usuários online.
Parágrafo para dizer que não há como ter prova que foi o Sistema (representado aqui pelas grandes gravadoras que perdem uma boa grana com essa gratuidade) o autor desse ato de criminoso, mas que é muito estranho, isso é inegável.
De certa forma, ao receber essa informação, me lembrei da história de Ned Ludd. (Para quem não sabe: lá atrás, na primeira revolução industrial, quando o Brasil ainda engatinhava, alguns trabalhadores na Inglaterra, organizados por esse tal Ludd, ao perderem seus empregos pela entrada das máquinas, resolveram culpá-las e destruí-las em massa. Claro que não adiantou muito e logo em seguida havia mais máquinas que homens para combatê-las. Os combatentes da tecnologia se chamaram Luddistas e o movimento, Luddismo.) A diferença mais absurda é que agora não é o povo que combate os avanços, mas o próprio Sistema, que cada vez mais se torna liberal no discurso e conservador na prática.
O óbvio ninguém se alvitra: faz-se mais que necessário promover formas alternativas de ganhar dinheiro com essa nova realidade de troca de música de graça pela rede. Se me pergutarem que opções eles têm para dissolver o problema, eu não vou saber responder, mas até soluções ridículas (como por exemplo focar o rendimento em material de merchandising dos artistas, ou em shows ou em produtos diferenciados) são menos violentas e grotescas que as atuais. Qualquer coisa que fizerem é mais correto que contaminar a culha qualquer PC que queira escutar uma musiquinha só de um artista desconhecido.
A sorte, para o nosso lado do tabuleiro, é que sempre desenvolveremos formas de burlar essas barreiras burocráticas criadas pelo Sistema. A mais simples é usar outro programa de troca de arquivos. Aliás o Kazaa só existe porque o Napster e depois o Audiogalaxy agonizaram até findarem-se. Não é segredo para ninguém que hoje existem softwares dessa natureza que usa como servidor a máquina do usuário, ou seja, não há matriz, ou quem culpar por essa "liberdade" on line (me recuso a usar a palavra "pirataria"). Então, basta-nos, a nós civis que somos envenenados por gás sarin nos metrôs das capitais mundiais, que sofremos com quedas de prédios ou bombas em trens, procurar combater de nossa maneira: trocando mais e mais arquivos.
ps. O Soulseek, 'tadinho, parece devagar demais, desde que voltei da casa de minha irmã nos states. Será que também foi "contaminado" pelo Sistema?
ps2. Não me perguntem qual é o programa da moda porque o estou desatualizado nessas coisas.
quinta-feira, 15 de abril de 2004
Minha volta
Uma agonia que arde na garganta
Um vômito vazio de significado
Um enjôo de abrir os olhos
Um pânico da porta p´ra fora
Uma náusea de mais um dia
Uma saudade sem registro
Um sentimento e a real impotência
Um suor gelado e colado ao meu corpo
Um cansaço com poucos motivos
Uma vontade de desaparecer para sempre
Umas lembranças emboladas e fugídias
Um não-sei-o-que que não me deixa dormir
Um calor, mas um calor inominável
Um medo absurdo de viver
Uma tentativa de justificativa
E uma desistência tentadora espreitando.
Uma agonia que arde na garganta
Um vômito vazio de significado
Um enjôo de abrir os olhos
Um pânico da porta p´ra fora
Uma náusea de mais um dia
Uma saudade sem registro
Um sentimento e a real impotência
Um suor gelado e colado ao meu corpo
Um cansaço com poucos motivos
Uma vontade de desaparecer para sempre
Umas lembranças emboladas e fugídias
Um não-sei-o-que que não me deixa dormir
Um calor, mas um calor inominável
Um medo absurdo de viver
Uma tentativa de justificativa
E uma desistência tentadora espreitando.
segunda-feira, 12 de abril de 2004
encontros e desencontros
Quem sou eu nesse Rio que corta minha vida?
quem sou eu que aterro sozinho e quando deito, mesmo um dia longe, já dói?
quem sou eu sem carteira de identidade, sem impressão digital, sem sotaque?
quem sou eu com esses planos frouxos que embaçam a distâcia?
Quem sou eu que tenho que preencher um vazio enorme do tempo que queima tudo que vê?
Quem sou eu unilateral, faltando um pedaço do meu lado, do lado de dentro?
quem sou eu, que até desistiu de escrever, porque não tem mais nem vontade?
quem sou eu? é o que eu vivo repetindo. vivo e repito. às vezes só repito.
Quem sou eu nesse Rio que corta minha vida?
quem sou eu que aterro sozinho e quando deito, mesmo um dia longe, já dói?
quem sou eu sem carteira de identidade, sem impressão digital, sem sotaque?
quem sou eu com esses planos frouxos que embaçam a distâcia?
Quem sou eu que tenho que preencher um vazio enorme do tempo que queima tudo que vê?
Quem sou eu unilateral, faltando um pedaço do meu lado, do lado de dentro?
quem sou eu, que até desistiu de escrever, porque não tem mais nem vontade?
quem sou eu? é o que eu vivo repetindo. vivo e repito. às vezes só repito.
domingo, 4 de abril de 2004
sexta-feira, 2 de abril de 2004
" individualismo contemporâneo privilegia publicitariamente a auto-proteção, o sucesso calculado e a tranquilidade presente e futura, enquanto um grande número de sujeitos mergulha em estados depressivos complexos, em que a frustração abre as portas a novos estados de dependência psicológica e médica. Terapias de todo tipo tentam a todo custo nos livrar da angústia de sermos absolutamente livres, desenvolvendo mais mecânicas de adaptação.
No plano cultural, vivemos no mundo das convenções mais esmagadoras, e somos incapazes de tolerar, entender ou desejar novidades que transtornem nossos consensos e abram novas perspectivas. Mesmo porque o não-convencional exige um bom esforço de entendimento, e a preguiça mental vai se tornando regra, num mundo em que grande parte da energia é gasta em cuidados com a aparência física, social, profissional ou acadêmica. Estudamos, lemos e escrevemos burocraticamente, para cumprir metas profissionais ou encher o tempo _e não para aprender a ser livres ou difundir o gosto pela liberdade."
Alcino Leite Neto, o nome do autor desse texto. Correspondente da Folha em terras francesas, colunista on-line.
No plano cultural, vivemos no mundo das convenções mais esmagadoras, e somos incapazes de tolerar, entender ou desejar novidades que transtornem nossos consensos e abram novas perspectivas. Mesmo porque o não-convencional exige um bom esforço de entendimento, e a preguiça mental vai se tornando regra, num mundo em que grande parte da energia é gasta em cuidados com a aparência física, social, profissional ou acadêmica. Estudamos, lemos e escrevemos burocraticamente, para cumprir metas profissionais ou encher o tempo _e não para aprender a ser livres ou difundir o gosto pela liberdade."
Alcino Leite Neto, o nome do autor desse texto. Correspondente da Folha em terras francesas, colunista on-line.
If anybody wants to come working here, please, make yourself a favor, never do the program with the Work Adventures - the agency of exchange ( a.k.a. Face the World). The worst person that I've met in my whole life works for them, a guy called... no, I will not give him this pleasure.
There are a lot of other agency that probably they are more, a least, polite.
There are a lot of other agency that probably they are more, a least, polite.
quinta-feira, 1 de abril de 2004
leitos de morte
Pode parecer reprise; embora alguns insistem em dizer que as histórias são as mesmas ao longo dos séculos, só mudando nossos comportamento frente ao esperado. O que não se pode duvidar é que, no mínimo – se esse for um caso de repetição, o que eu não afirmo o contrário – as coincidências não se cansam de ocorrer na vida dita normal.
Certo era que estava em minha casa observando pela janela os meninos jogando bola na praia, com o último parágrafo de minha coluna semanal pronta para sair de minha cabeça, degustando toda aquela cena com o pão-de-açúcar indiferente ao fundo, só para emoldurar, quando o telefone me avisa de algo que me surpreendeu, mesmo sabendo que seria por esses dias que a tal notícia iria me atingir.
Luiz Cardoso, o homem a quem devo grande parte da minha modesta obra, estava partindo. O escritor que produzira dois dos célebres volumes sobre a vida das grandes cidades, ainda na década de 70, quando o de costume na era era retratar os pobres retirantes da seca nordestina. O professor a quem me recebeu sempre com uma sombrancelha levantada e o sorriso de canto de boca, que ironizava minha fala apressada (tinha, tenho medo de inutilizar irreversivelmente o tempo de meu interlocutor) dizendo: “calma, o pai já saiu da forca há muito”.
Ia para a casa dele aos domingos (e agora só agora reparo: como parece com a minha!), chuvosos ou ensolarados, apenas para escutá-lo, tentar absorver um quinto daquelas palavras tão cheias de si, lotadas de passagens quase biblícas, de épicos diários, de poesia minimalista sem pretensão de ser. Ele era... Não, ele é um homem seguro, que acredita naquilo que produz. Diz que faz parte de uma classe excludente: a dos sarcásticos. Tenho a certeza que se não fosse por ele, não teria publicado nem uma linha da minha (como adjetivá-la?) obra (?).
Até um pouco atrás, quando eu o visitava, ele se divertia ao dizer que ainda continuava inteiro, mesmo que ao menor toque dos meus olhos na sua pele enrugada, denunciasse o extremo oposto. Andava com dificuldade já há anos, ouvia por aparelhos e seus olhos não funcionavam desde a última operação. Agora parecia que um pouco dos papéis se invertiam, como um pai com seu filho, fazendo com que eu pudesse proporcionar alguma alegria a ele através das leituras; que constantemente eram interrompidas por um comentário que focalizava melhor um detalhe escondido do texto.
Não chegávamos a concordar no todo, mas as opiniões dele eram sempre embasados num raciocínio elaboradíssimo e sempre surpreendente. Às vezes me divertia apenas de escutá-lo defendendo uma idéia, e eu apresentava provas contrárias, mesmo que não acreditasse nelas, com o intuito de não deixar a prosa finalizar-se.
Agora estou eu, na casa dele, com um corpo impessoal deitado na cama, ainda com um fiapo de luz, que se apagará em questão de segundos e um de seus filhos (Carlos) me chama para um quarto separado. Diz que, como eu sabia, o pai havia deixado uma ficção, razoavelmente grande, e inacabada. Não suspeito para onde ele mira, mas o que ele pede não chega a me surpreender – nesse dia cheio de surpresas esperadas. Na verdade me encheu o corpo, como um copo, com revolta. Ele sugere, sem emoção na voz, apenas num tom de obviedade – e depois suspeito que talvez Carlos estivesse automaticamente falando comigo, através de uma resolução da família; nunca ao certo saberei – que eu simplesmente terminasse o texto final de seu pai. Ninguém duvidaria, porque ninguém tem como saber dessas coisas se quiséssesmos, e eu sou o único que tenho todos os artifícios para produzir uma obra de acordo com o nome de seu pai. Respondo-lhe que, em primeiro lugar, o que ele defende como uma certeza era um absurdo absurdo. Ninguém, nem mesmo os maiores, poderia escrever exatamente como o seu pai, porque seu estilo é tão único que seria desvendado ao primeiro verbo mal colocado. Principalmente por mim, que não reunia nem parte das qualidade de Cardoso.
Depois, Carlos argumenta que o problema era uma questão financeira. A sua explicação é complicada e, naquela hora já não consigo concatenar minhas sinapses nessa direção, com o meu corpo queimando num fogo invisível, meus ouvidos num volume distante e meus olhos embaçados. Entretanto, segundo soube apenas nesse momento, Luis Cardoso havia deixado todos os direitos autorais para sua última mulher e os filhos de outras mães estavam perdidos numa espécie de deserto. Disse que essa senhora nem mesmo queria arcar com as custas do enterro e que eles nitidamente tinham um buraco a costurar. O último livro estava fora do acordo com a dona, por alguma razão que só a jurisdição reconhece.
Sem conseguir dialogar, refugiei-me em casa e tive a confirmação da má-nova pelo jornal matinal no dia seguinte, uma noite inteira acesa depois. Ele, Luis, havia me enviado todo o material escrito do seu último e acenado mais ou menos para onde gostaria de rumar e fiquei enfurnado nessa caverna. Eu tinha a consciência - num misto com muito de desejo - lá dentro do poço sem fundo que todos nós somos, que com sorte era possível atingir o estilo do Cardoso. “Literatura tem um só dono, aquele que compra o livro”, ele gostava de repetir. Imaginei, num ímpeto de megalomania que acomete pessoas à beira de uma decisão drástica, que poderia estar fazendo um serviço para a humanidade. Por outro lado, não creio numa aprovação do que eu poderia fazer, por parte do próprio autor. Ele era bastante, como direi, como expressar a segurança, a auto-confiança, a independência do Homem em apenas algumas fracas e magricelas palavras?
Nessa noite, depois do cemitério, liguei para o Carlos e disse-lhe que daria a resposta no dia seguinte. Ao desligar o telefone, repeti para mim mesmo: “qualquer que seja”.
Pode parecer reprise; embora alguns insistem em dizer que as histórias são as mesmas ao longo dos séculos, só mudando nossos comportamento frente ao esperado. O que não se pode duvidar é que, no mínimo – se esse for um caso de repetição, o que eu não afirmo o contrário – as coincidências não se cansam de ocorrer na vida dita normal.
Certo era que estava em minha casa observando pela janela os meninos jogando bola na praia, com o último parágrafo de minha coluna semanal pronta para sair de minha cabeça, degustando toda aquela cena com o pão-de-açúcar indiferente ao fundo, só para emoldurar, quando o telefone me avisa de algo que me surpreendeu, mesmo sabendo que seria por esses dias que a tal notícia iria me atingir.
Luiz Cardoso, o homem a quem devo grande parte da minha modesta obra, estava partindo. O escritor que produzira dois dos célebres volumes sobre a vida das grandes cidades, ainda na década de 70, quando o de costume na era era retratar os pobres retirantes da seca nordestina. O professor a quem me recebeu sempre com uma sombrancelha levantada e o sorriso de canto de boca, que ironizava minha fala apressada (tinha, tenho medo de inutilizar irreversivelmente o tempo de meu interlocutor) dizendo: “calma, o pai já saiu da forca há muito”.
Ia para a casa dele aos domingos (e agora só agora reparo: como parece com a minha!), chuvosos ou ensolarados, apenas para escutá-lo, tentar absorver um quinto daquelas palavras tão cheias de si, lotadas de passagens quase biblícas, de épicos diários, de poesia minimalista sem pretensão de ser. Ele era... Não, ele é um homem seguro, que acredita naquilo que produz. Diz que faz parte de uma classe excludente: a dos sarcásticos. Tenho a certeza que se não fosse por ele, não teria publicado nem uma linha da minha (como adjetivá-la?) obra (?).
Até um pouco atrás, quando eu o visitava, ele se divertia ao dizer que ainda continuava inteiro, mesmo que ao menor toque dos meus olhos na sua pele enrugada, denunciasse o extremo oposto. Andava com dificuldade já há anos, ouvia por aparelhos e seus olhos não funcionavam desde a última operação. Agora parecia que um pouco dos papéis se invertiam, como um pai com seu filho, fazendo com que eu pudesse proporcionar alguma alegria a ele através das leituras; que constantemente eram interrompidas por um comentário que focalizava melhor um detalhe escondido do texto.
Não chegávamos a concordar no todo, mas as opiniões dele eram sempre embasados num raciocínio elaboradíssimo e sempre surpreendente. Às vezes me divertia apenas de escutá-lo defendendo uma idéia, e eu apresentava provas contrárias, mesmo que não acreditasse nelas, com o intuito de não deixar a prosa finalizar-se.
Agora estou eu, na casa dele, com um corpo impessoal deitado na cama, ainda com um fiapo de luz, que se apagará em questão de segundos e um de seus filhos (Carlos) me chama para um quarto separado. Diz que, como eu sabia, o pai havia deixado uma ficção, razoavelmente grande, e inacabada. Não suspeito para onde ele mira, mas o que ele pede não chega a me surpreender – nesse dia cheio de surpresas esperadas. Na verdade me encheu o corpo, como um copo, com revolta. Ele sugere, sem emoção na voz, apenas num tom de obviedade – e depois suspeito que talvez Carlos estivesse automaticamente falando comigo, através de uma resolução da família; nunca ao certo saberei – que eu simplesmente terminasse o texto final de seu pai. Ninguém duvidaria, porque ninguém tem como saber dessas coisas se quiséssesmos, e eu sou o único que tenho todos os artifícios para produzir uma obra de acordo com o nome de seu pai. Respondo-lhe que, em primeiro lugar, o que ele defende como uma certeza era um absurdo absurdo. Ninguém, nem mesmo os maiores, poderia escrever exatamente como o seu pai, porque seu estilo é tão único que seria desvendado ao primeiro verbo mal colocado. Principalmente por mim, que não reunia nem parte das qualidade de Cardoso.
Depois, Carlos argumenta que o problema era uma questão financeira. A sua explicação é complicada e, naquela hora já não consigo concatenar minhas sinapses nessa direção, com o meu corpo queimando num fogo invisível, meus ouvidos num volume distante e meus olhos embaçados. Entretanto, segundo soube apenas nesse momento, Luis Cardoso havia deixado todos os direitos autorais para sua última mulher e os filhos de outras mães estavam perdidos numa espécie de deserto. Disse que essa senhora nem mesmo queria arcar com as custas do enterro e que eles nitidamente tinham um buraco a costurar. O último livro estava fora do acordo com a dona, por alguma razão que só a jurisdição reconhece.
Sem conseguir dialogar, refugiei-me em casa e tive a confirmação da má-nova pelo jornal matinal no dia seguinte, uma noite inteira acesa depois. Ele, Luis, havia me enviado todo o material escrito do seu último e acenado mais ou menos para onde gostaria de rumar e fiquei enfurnado nessa caverna. Eu tinha a consciência - num misto com muito de desejo - lá dentro do poço sem fundo que todos nós somos, que com sorte era possível atingir o estilo do Cardoso. “Literatura tem um só dono, aquele que compra o livro”, ele gostava de repetir. Imaginei, num ímpeto de megalomania que acomete pessoas à beira de uma decisão drástica, que poderia estar fazendo um serviço para a humanidade. Por outro lado, não creio numa aprovação do que eu poderia fazer, por parte do próprio autor. Ele era bastante, como direi, como expressar a segurança, a auto-confiança, a independência do Homem em apenas algumas fracas e magricelas palavras?
Nessa noite, depois do cemitério, liguei para o Carlos e disse-lhe que daria a resposta no dia seguinte. Ao desligar o telefone, repeti para mim mesmo: “qualquer que seja”.
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