Hoje, entreguei o meu terceiro trabalho de conclusão de curso. Subscrevo a conclusão.
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Paródia: essa é a chave para entender a obra de Woody Allen. Ou seja, Allen pega um objeto artístico que já existe e o retrabalha, de maneira que, assim, o transforme em um novo. É um multiprocessador cultural, que junta os cacos de qualquer arte, o desconstrói e o monta à sua maneira. Preenche a mesma estrutura com um novo substrato. Não à toa Veríssimo explica que ele produz cultura de segunda mão. Não no sentido de ser pior que a primeira mão, mas no sentido de aceitar que não há origem quando se aborda o assunto arte e dando uma nova visão para o mesmo assunto. Ele realça o trabalho primeiro dando o toque de humor característico, fazendo com que o fim se diferencie do início.
Allen age assim com a literatura, com o cinema de Fellini, com a própria vida e, principalmente, com Ingmar Bergman. Mescla sua tradição judia, de comediante de cabaré, com a absorção do cinema do sueco. Há exemplos diversos, mas um dos menos citados é “Desconstruindo Harry”, filme de Allen de 1997, com “Morangos Silvestres”, de Bergman (1957).
Naquele, o nova-iorquino vive Harry Block, um escritor com bloqueio criativo que usa a vida de pessoas próximas como material para as suas histórias. Claro que os companheiros não gostam dessa idéia e ele vai se isolando de todos. Uma clara referência, só que em termos cômicos, para o fato de críticos em todo mundo afirmarem que ele faz cinebiografias de si mesmo. Ou seja, uma paródia da própria vida. Também se pode citar, novamente, o Fellini de “8 ½”. Citações é o forte de Allen.
Junte à trama de “Desconstruindo...”, um convite para Block receber um prêmio na universidade que estudara e fora expulso. Só que é exatamente neste período que Block está isolado dos amigos. Para não fazer a viagem sozinho, ele arregimenta três companheiros: uma prostituta, um amigo cardíaco (que morre com um ataque do coração no caminho) e o filho, pego na porta do colégio, contra a vontade da mãe. Antes do destino final, ele ainda pára para visitar a irmã, uma judia ortodoxa.
O mesmo invólucro de “Morangos Silvestres”. Neste, Isak Borg (Sjöström) é um médico que viveu apenas pensando no seu sucesso profissional, se tornando frio e distante de todos os familiares. Ao receber um convite para retornar à universidade que concluiu, ele percebe que não tem com quem compartilhar a glória, já que se encontra sozinho. Entretanto, ele oferece carona para a nora e, no caminho, encontra três jovens que o fazem lembrar da própria juventude. Antes da universidade, ele visita a mãe, uma senhora quase centenária e gelada.
Claro que dentro desse mesmo recipiente, que poderíamos apelidar de road movie existencial, Allen e Bergman colocam conteúdos diferenciados. O nova-iorquino é satírico ao extremo, enquanto Bergman visita a infância e juventude na tentativa de explicar como foi construída a personalidade de seu protagonista. Mas é exatamente nessa diferença que ressalta a obra de Allen.
É como se ele invertesse o sinal de drama para o de comédia, sabendo que, no fim, ambos têm a mesma origem. O crítico Jaime Biaggio comenta esse ponto:
“Woody Allen é um comediante muito inspirado, e sabe como poucos imbuir de dramaticidade o riso. Por isso mesmo, quando se vale dessa arma, acaba por prestar belas homenagens indiretas ou mesmo diretas a Bergman (dá para encarar ‘Desconstruindo Harry’, pra mim talvez o melhor filme dele, dessa forma, por exemplo).”
Em uma pequena expressão: é um stand up comedian existencialista