A autonomia e a empatia não se materializaram a partir do ar rarefeito do século xviii: elas tinham raízes profundas. Durante o longo período de vários séculos, os indivíduos tinham começado a se afastar das teias da comunidade, tornando-se agentes cada vez mais independentes tanto legal como psicologicamente. Um maior respeito pela integridade corporal e linhas de demarcação mais claras entre os corpos individuais haviam sido produzidos pelo limiar cada vez mais elevado da vergonha a respeito das funções corporais e pelo senso crescente de decoro corporal. Com o tempo, as pessoas começaram a dormir sozinhas ou apenas com um cônjuge na cama. Usavam utensílios para comer e começaram a considerar repulsivo um comportamento antes tão aceitável, como jogar comida no chão ou limpar excreções corporais nas roupas. A constante evolução de noções de interioridade e profundidade da psique, desde a alma cristã à consciência protestante e às noções de sensibilidade do século xviii, preenchia a individualidade com um novo conteúdo. Todos esses processos ocorreram durante um longo período.
HUNT, Lynn. A invenção dos direitos humanos. Companhia das letras, São Paulo: 2009. p. 28