sexta-feira, 30 de dezembro de 2005

Romantismo e fetiches sem chateação

Wong Kar Wai não é nome daquela famosa fábrica de chocolate, quiçá do seu criador, como alguns já sugeriram. A alcunha é estranha para qualquer ocidental, admitamos, mas podemos começar a - e devemos - nos acostumar com ele. Primeiro porque é chinês (nasceu, segundo a bíblia, em Xangai e foi morar em Hong Kong bem novo) e a China vai dominar o mundo, como os EUA estão cansados de saber; depois porque ele é um dos diretores que logo logo todo mundo vai estar falando sobre.

Wong Kar Wai é um romântico. Do pouco visto (dois filmes e um terço de um terceiro, "Eros", uma produção à seis mãos), repara-se na formação de seus personagens sofredores, amantes inveterados, idealizadores e idealizados, que crêem na força do amor acima de tudo. Entretanto, longe de funcionar como um impecilho piegas à história, o romantismo desgarrado de Wong Kar (Wai é o primeiro nome) é o motor de toda a engrenagem, de toda a lógica de seus filmes. O diretor ama as suas personagens. E esse amor é transmitido de inúmeras formas. Seja na preocupação extrema pela formação de cada quadro (quase pinturas), seja na opção por tomadas (câmeras lentas, supercloses etc.)

Wong Kar Wai é um fetichista. Ele transforma cada imagem retratada em um objeto de prazer, de culto hedonista. Um simples traveling acompanhando uma personagem feminina indo comprar macarrão ("Amor à flor da Pele") é um deleite. Porque suas atrizes principais são, sem exceção, lindas, vestem-se com um primor excepcional e ele sabe muito bem disto e sabe perfeitamente passar esta sensação. Porque há uma sensualidade latente em todas as imagens. Porque transborda charme de cada fotograma.

Wong Kar Wai não é chato e seus filmes têm diálogos. Aqueles que possuem o preconceito mais comum podem ficar tranqüilos. Talvez por serem passados em Hong Kong, uma cidade com bastante influência ocidental desde sempre, talvez por uma opção direta do diretor, seus filmes partem de uma estrutura """realista""" (com três pares de aspas). Ou seja, há a preocupação de se parecer o mais próximo possível de uma realidade como a conhecemos. As personagens moram em um prédio de apartamentos, pagam contas, conversam no corredor, transam loucamente...

Lá na China, ele já faz sucesso há muito tempo. Aqui é razoavelmente recente. Daqui a pouco, quando as críticas positivas de seu mais novo rebento ("2046", uma espécie de continuação do "Amor..."), ele se tornará pop no mundo óculos-quadradinho-descolado-do-estação. Melhor para todos.