quinta-feira, 23 de junho de 2016

Os sentimentos olímpicos conflituosos

Uma polêmica: eu acho as Olimpíadas o evento de caráter mundial mais importante que a civilização ocidental já criou.

Um encontro entre atletas de diferentes partes do mundo que é, na maioria das vezes, tranquilo, feliz, potente. Um marco que, mesmo com o crescente tipo de profissionalismo que asfixia o esporte, com as mudanças das intenções dos atletas [de "apenas" competir para ganhar a qualquer custo], com o jogo político por trás de todos os movimentos, com as obrigações e pressões internacionais, os contratos espartanos e toda a dinheirama que é gasta "desnecessariamente", ainda mantém uma aura de "autenticidade", um caráter de "verdade", um "sentido" último.

Repare nas comemorações ao fim de qualquer prova e você vai perceber isso.

Pode ser o maior velocista do mundo. Pode ser o maior nadador de todos os tempos. Pode ser a sujeita que chegou em terceiro lugar numa prova que ela era o azarão. Pode ser a outra que só completou sua competição, mas que ficou feliz porque conseguiu terminar sua prova.

Essas comemorações - tudo bem... - diminuem à medida que o esportista transcende a categoria de atleta para entrar na de superestrela do mundo pop. Isso é o profissionalismo que asfixia o esporte. É fácil ver esse desinteresse pelas olimpíadas em jogadores americanos de basquete, em boleiros brasileiros, em tenistas vencedores do Grand Slam. Mas no peito desse ex-atual-e-sempre-nadador um coração bate mais forte todas as vezes que os atletas de trajes de banho sobem nos blocos de partida. Não precisa ser somente na piscina: eu vejo qualquer coisa nas olimpíadas. Qualquer coisa.

Tive a honra de estar em Londres em 2012 e assistir a inúmeras competições ao vivo. Final dos 50 m livre em que Cielo ficou com o bronze? Being there, done that. Semifinal do vôlei masculino, que o Brasil chapuletou um 3x0 na Itália? Ao vivo. Brasil e Belarus, em Manchester? Com um trio de bielorrussos, que fizeram a festa porque marcaram um gol no Brasil. Mais vôlei de praia, ginástica. Mais triatlo no Hyde Park. Mais morar no mesmo bairro onde estavam rolando as provas de tiro.

Isso tudo sem contar com a loucura de assistir aos três canais da BBC ao mesmo tempo: na TV, no computador e no tablet. E falar com amigos no Brasil pelo whatsapp. E assistir à final do futebol masculino em um parque menos conhecido com vários ingleses e quase nenhum brasileiro e correr para a casa de amigos para ver a final do vôlei feminino. E os shows da cidade, que foi dividida em cinco áreas que representavam os cinco continentes que enviam atletas, com música de cada um dos lugares. E, e, e...

Talvez sejam as memórias ainda muito fortes da época de treinamentos pesados, em que passávamos quatro, cinco, até seis horas dentro d'água, em dois turnos. É muito comum que garotos de 13, 14 anos treinem na madrugada antes de ir para as suas escolas. E, depois, ao fim do dia, voltem a cair na água para mais uma sessão. Fora aquecimento no seco. Musculação. Alongamentos. Massagem. A vida do atleta é dura, muito dura.

Para que isso tudo? Para a competição. E a competição não é exatamente uma competição entre os atletas, mas uma competição consigo mesmo. Ou não é necessariamente. Ainda mais se levarmos em conta um esporte como natação. Muitas vezes é muito melhor perder uma competição, mas com um tempo incrível, que ganhar com um tempo péssimo. Depende do tamanho e de qual seja a competição. Nas olimpíadas, vale tudo.

Olimpíada é final de copa do mundo - sempre. Em todos os momentos. Olimpíada é o máximo que você pode chegar. É pegar o globo terrestre das aulas de geografia, rodar em suas mãos, e pensar que você chegou ao topo. Não dá para ser melhor.

Por isso que muitos atletas perdem o estímulo para continuarem treinando após atingirem marcas extraordinárias. E é também por isso que, após perderem esse estímulo, caem em um vazio angustiante - um vazio que sempre tinha sido preenchido pelo esporte. Por que treinar 10, 12 mil metros todos os dias? Para que acordar cedo, ficar fedendo a cloro, ter dores em todo o corpo, viver cansado, aguentar o desconforto como se fosse o estado normal? Se isso não é a metáfora perfeita para a vida, o que é?

Isso tudo para explicar o meu sentimento de desânimo em relação aos jogos deste ano em 2016, em que não comprei nem mesmo um ingresso. Rio de Janeiro, o que fizeram com você?