quinta-feira, 13 de setembro de 2018

Churchill, o fascismo e as alianças

Com a presença constante de um fascistóide nas nossas análises de conjuntura - essa expressão da moda - de botequim (eu diria que mais parecem com mesas redonda de futebol, tipo "falha de cobertura") e com a sugestão de voto nele num eventual segundo turno por parte de uma galera que se diz "anti-PT", como principal vetor de de vontade política, me lembrei de uma história boba, nada demais, sobre um dos ícones da direita, senão de todos os tempos, pelo menos do século XX: Winston Churchill.

Ninguém, em sã consciência, diria que Churchill era de esquerda (hoje em dia, em tempos de "nazismo é de esquerda", temos que fazer essa ressalva). Membro do partido conservador inglês, militar, a favor de guerras, colonialista, monarquista, nacionalista, violento anti-comunista e anti-socialista, anti, enfim, esquerdista, defensor da Inglaterra acima de todas as outras nações, responsável pela morte de pelo menos 3 milhões de indianos em 1943, por conta do desvio de arroz para abastecer a nação europeia no meio da Segunda Guerra (entre outros atos controversos), Churchill facilmente poderia ser o ídolo de vários daqueles que querem acabar com a "confusão" que está "aí".

Churchill é, ainda, de uma direita vistosa, elegante, daqueles que dá até para apresentar para a mãe. Excepcional frasista, imenso orador, com um humor que é quase a síntese da verve inglesa, escritor de mão cheia, grande historiador, chegou a ser até laureado com Prêmio Nobel - de literatura (em 1953). Isso mesmo, de literatura, junto com vários do grandes escritores, filósofos e poetas do século XX, em vez de ganhar um prêmio na sua "categoria", como o Nobel da paz. Tudo o que FHC queria ter sido quando crescesse, mas não teve metade do talento.

Foi ele o ungido pelo Parlamento inglês, assim que Hitler invadiu a Polônia, para assumir o cargo de primeiro-ministro. Principalmente porque, mesmo já considerado um político ultrapassado, no início da década de 1930, ele queria desde o início das movimentações nazistas na Alemanha, decretar guerra contra os quase-vizinhos. Enquanto a ilha vivia o luto e o trauma pós-Primeira Guerra, que esticou um lençol de pacifismo sobre os ingleses, evitando qualquer pensamento mais belicoso, Churchill via em Hitler o pior que o Ocidente poderia produzir como líder.

A Alemanha invade a Polônia, o primeiro-ministro Neville Chamberlain, outro político do partido Conservador, que defendia uma neutralidade da ilha, se vê obrigado a sair (colaborou o fato, claro, de ele estar muito doente - morreu no mesmo ano; mas enfim), e Churchill, a única voz que nunca se calou, que era vista como aquele chato que repete sempre as mesmas ladainhas, se tornou, de uma hora para outra, o principal nome para assumir o governo inglês. O resto é História.

Há, contudo, um detalhe curioso nessas movimentações.

Em 1941, Hitler invade a a comunista, socialista, esquerdista União Soviética, de Josef Stalin - outro monstro do século XX. O que o conservador, tradicional, pela família, os bons costumes, e anti-esquerdista Churchill faz? Com a palavra, o próprio:
Ninguém foi um oponente mais consistente ao Comunismo nos últimos 25 anos. Eu não vou desdizer nenhuma palavra que eu falei sobre isso. Mas isso tudo desaparece ante o espetáculo que está agora se desdobrando. O passado, com os seus crimes, suas loucuras, suas tragédias, desaparecem... O perigo russo é portanto o nosso perigo, e o perigo dos Estados Unidos igualmente, assim como a causa de qualquer lutador russo por terra e casa é a causa de homens livres e povos livres em todo os quarteirões do globo.
Em inglês é ainda mais bonito:
No one has been a more consistent opponent of Communism for the last twenty-five years. I will unsay no word I have spoken about it. But all this fades away before the spectacle which is now unfolding. The past, with its crimes, its follies, its tragedies, flashes away.… The Russian danger is therefore our danger, and the danger of the United States, just as the cause of any Russian fighting for earth and house is the cause of free men and free peoples in every quarter of the globe.
No dia anterior à invasão, Churchill já tinha demonstrado a sua inclinação contra Hitler, não importa quem, em uma das suas frases mais famosas e repetidas: "If Hitler invaded Hell, I would make at least a favourable reference to the devil in the House of Commons" (Se Hitler invadir o inferno, eu faria ao menos uma declaração favorável ao diabo no Parlamento).

Há momentos em que mesmo o mais conservador entre os conservadores percebe que entre o "perigo vermelho" e o fascismo, não há dúvida sobre qual lado devemos tomar. Há momentos extremos em que ou se é nazista ou se é judeu - não há terceira alternativa.

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