Há momentos que sei que tenho que escrever. Ligo o computador ou apenas apanho uma caneta e um pedaço de papel. É quando a noite está chegando e o dia acabou de passar na minha frente sozinho. Sem que nada o denunciasse e sem que eu percebesse. Fico vendo a folha em branco. A folha em branco com o cursor que me instiga. Ou a folha em branco que faz barulho para avisar que ela pode estar viva.
Mas escrever o quê? Denunciar que eu estou matando a minha juventude a pedradas? Falar da minha agonia solitária? Colocar para fora todas as nuvens que sobrevoam no meu pensamento? Admitir que não sei como fugir disso sozinho e não conhecer caminhos para sair disso? Ou até vislumbrar que há uma pequenina possibilidade, mas a acho improvável que beira o risível. Saber que nada me preenche hoje em dia não é um sentimento agradável. Não saber o motivo de estar aqui.
Preciso de uma mão estendida. E no papel isso parece fácil de se dizer. Devo estar imitando, sem saber, algum andarilho que caminhava no mundo dominado por Roma com roupas esfarrapadas sem rumo nem destino. Era movido apenas pela correnteza. Ficar parado não era satisfatório. Não era desejável.
Um diálogo (apenas) sem pretensão. Algo como se não houvesse motivos. Algo como se não houvesse os porquês e as recompensas. Onde não tivesse que ser mesquinho.
Como me detesto por ser tão ridículo. Tão infinitamente ridículo. Por possuir a reunião das piores características. E por não ter nenhuma das qualidades, ou as piores qualidades, que podem ser valorizadas.
Sou um racional sem coração. Não tenho vergonha de dizer isso para você. Eu sei que nada existe ai do outro lado. E nada faz sentido. Por isso não me importo de dizer tais coisas.
Eu quero todas as coisas do mundo sem que para isso abra mão de nada. Como posso ter todas as coisas se elas são conflitantes entre si? Como posso almejar a perfeição, por exemplo, se ela não existe? E não adianta me dizer que o caminho já é o fim em si. Não acredito nisso. A menos que eu veja isso, a menos que, pelo menos, eu entenda isso, não acreditarei nunca que basta caminhar.
Até gostaria de acreditar. Gostaria de fechar meus olhos, e pular num salto cego, apenas acreditando que haveria chão ali embaixo. Gostaria de ter fé em algo, em alguma coisa... Mas nada é tão irracional como a fé. Mas eu gostaria de ser irracional, eu gostaria de ser imprevisível, de ser impulsivo, de fazer coisas sem pensar. Mas sempre me arrependo de tudo depois. Sempre acho que isso é uma maneira infantil e, por vezes, idiota de ver o mundo. Mas se pudesse combinar os dois fatores?
Se apenas tivesse alguém. Se não fosse tão solitário. Se não fosse tão só. Tão só.
segunda-feira, 29 de julho de 2002
domingo, 28 de julho de 2002
outro personagem que vive próximo ao meu ouvido.
seria algo como um homem de meia idade que sobrevive de fazer cruzadas para jornais e revistas. ele as envia pela internet para as mídias pois quase nunca sai de casa. tem dois gatos e plantas pelo apartamento. deve morar em copacabana ou em outro bairro com alta concentração de seres estranhos. com a internet, ficou fascinado por blogs. ele inventou um personagem para escrever em um. esse personagem escreve histórias diferentes entre si. ele não divulgou o seu endereço para ninguém com medo que o descobrissem. ele é um envergonhado. o escritor na internet se abre como se dele (o envergonhado) pudesse falar o que quiser.
imagino que num futuro, alguma mulher poderia descobrir o endereço do blog e se apaixonar por ele. pelo que ele escrevia ali. pelo personagem.
seria algo como um homem de meia idade que sobrevive de fazer cruzadas para jornais e revistas. ele as envia pela internet para as mídias pois quase nunca sai de casa. tem dois gatos e plantas pelo apartamento. deve morar em copacabana ou em outro bairro com alta concentração de seres estranhos. com a internet, ficou fascinado por blogs. ele inventou um personagem para escrever em um. esse personagem escreve histórias diferentes entre si. ele não divulgou o seu endereço para ninguém com medo que o descobrissem. ele é um envergonhado. o escritor na internet se abre como se dele (o envergonhado) pudesse falar o que quiser.
imagino que num futuro, alguma mulher poderia descobrir o endereço do blog e se apaixonar por ele. pelo que ele escrevia ali. pelo personagem.
sexta-feira, 26 de julho de 2002
uma idéia de personagem:
mulher em torno dos 30 anos. cresceu com pais separados. o pai parece não gostar da filha, preferindo as filhas do segundo casamento e a mãe é ausente por causa de compromissos profissionais, mesmo a contra-gosto.
bonita, casa-se com um namorado apaixonado quando tem 26 anos. ele tem 27.
ele, empresário bem sucedido, parece ser a perfeita representação do que o pai dela não foi. super-protetor, dominador e ciumento.
ela, até os 30, aceita bem essa vida. quando começa a entrar em parafuso.
começa a se envolver com homens do trabalho, sem distinção de beleza, classe ou cor. adora a traição, mas se culpa por isso.
só isso.
mulher em torno dos 30 anos. cresceu com pais separados. o pai parece não gostar da filha, preferindo as filhas do segundo casamento e a mãe é ausente por causa de compromissos profissionais, mesmo a contra-gosto.
bonita, casa-se com um namorado apaixonado quando tem 26 anos. ele tem 27.
ele, empresário bem sucedido, parece ser a perfeita representação do que o pai dela não foi. super-protetor, dominador e ciumento.
ela, até os 30, aceita bem essa vida. quando começa a entrar em parafuso.
começa a se envolver com homens do trabalho, sem distinção de beleza, classe ou cor. adora a traição, mas se culpa por isso.
só isso.
terça-feira, 23 de julho de 2002
o telefone
O telefone está ali parado em cima da mesinha da sala, eu me lembro bem dele. Silencioso, quieto, humilde, quase que passa despercebido. Ele tem o poder de definir o meu futuro. Ele pode dizer quais passos vou tomar ou pode simplesmente calar-se. Silenciar-se. O que, para mim, já é uma resposta.
Eu? Eu estou parado ao lado da geladeira, apoiado no umbral da porta da cozinha, olhando o telefone. Bebia um pouco d’água num copo grande que tenho. A cada golada de água eu parava e voltava meus olhos para o telefone. Não esperava que ele tocasse. Ele não iria tocar. Mas olhava para o telefone. Olhava para ele como se ele fosse um profeta e me pudesse me passar o que eu deveria fazer. Como se ele soubesse e desvendasse o meu destino e, ainda por cima, pudesse me contar.
Tinha duas possibilidades claras na minha cabeça. Um, ligar para ela e convida-la para ir ao show da minha banda no fim-de-semana. Dois, não ligar. Simples assim.
Não, não é nada simples. Primeiro se considerarmos que é ela. Não é simples porque não posso simplesmente pegar o telefone e discar. No caso dela não seria o certo. Digamos que há um ano, mais ou menos, nós não nos falamos direito. Simples assim.
Sábado passado nos encontramos. Foi na saída de um filme. Um filme francês bacana que estreou aqui há duas semanas. Fui sozinho e cheguei atrasado, como na maioria das vezes. Sentei numa das primeiras cadeiras, mas já não me importo com isso. Chego até a gostar mais das primeiras fileiras. Acho que conseguimos ver os atores ainda maiores na tela. Na saída, passei por ela ainda dentro do cinema. Ela estava com uma amiga.
O primeiro encontro dos olhares parecia uma reprise de filme. Ele, meio constrangido e meio envergonhado por causa da ausência de quase um ano. Ela, um pouco surpresa com a coincidência, um pouco indignada com a ausência, mas que, sem querer, deixa saltar um pequeno sorriso.
Com o sorriso, percebi que o encontro seria amistoso. Oi, disse, Oi, ela disse. Como vai, eu disse, Há quanto tempo, ela espetou. É, faz um bom tempo, me defendi, Vou bem, e você, ela respondeu. Continuo na mesma empresa, ela disse, Eu mudei minha vida, eu respondi. Você está sozinha, eu perguntei, e depois, numa tentativa de remendar, continuei, Digo, no cinema, ela riu um pouco e respondeu, Estou com ela, apontou para uma amiga ao lado que eu nunca tinha visto antes. Oi, disse para a amiga, Oi, ela me respondeu.
Sorrimos um para o outro para mostrar que não éramos hostis e esperamos o silêncio desse momento. Logo percebemos que o cinema estava ficando vazio. Propus que nós saíssemos dali. Sugeri que as duas fossem na minha frente e tentei ficar o mais próximo dela. Então, na saída da sala de projeção fiz uma pergunta simples, Vocês vão fazer alguma coisa agora, no que elas responderam quase juntas, Nada, disse ela primeiro, Não, falou a amiga depois. Poderíamos, pelo menos, tomar um café, comer alguma coisa aqui mesmo, o que vocês acham, foi a minha proposta. Elas olharam uma para a outra num diálogo que só mulheres sabem fazer com perfeição e responderam para mim com acenos positivos de cabeça e mais sorrisos.
Sentamos num canto do saguão. Pedi um cappuccino para mim e fui acompanhado por ela. A amiga pediu um mate natural. Começamos a conversar e não parecia que eu estava sumido há um ano. Por mais que tivesse desaparecido, ela parecia não se importar. Ela parecia não ter mudado muito, o que de certa forma era ruim para mim. Já ela me achou diferente, nas palavras dela. Perguntei se era bom ou ruim aquilo, ela disse que estava apenas diferente.
Nossa conversa fluía sem nenhum problema. Muito porque ela quase sempre concordava comigo. Talvez isso tenha sido o maior motivo para que nós nos separássemos há um ano atrás. Começávamos a conversar e, ao final de alguns minutos, parecia um monólogo interpretado por mim. Sentia que faltava mais iniciativa dela. Sentia que faltavam discussões, trocas de idéias, de opiniões, de conversa. Sentia que faltava outra voz.
Por mais que tentasse contemplar a amiga, ela logo se sentiu sobrando na nossa mesa. Percebi alguns olhares impacientes da amiga para ela, ou uma espiada no relógio, ou uma encostada na cadeira para demonstrar insatisfação. Ela não percebia nada. Parecia que estava aprisionada em outro mundo e, não quero acreditar nisso, mas, parecia que o motivo era eu.
Para não incomodar mais a amiga e por achar que o café já tinha rendido tudo que devia e poderia render, decidi ir embora. Assim as duas ficariam livres para fazerem o que quiserem. Antes, porém, disse para ela que deveríamos nos encontrar mais vezes. Ela abriu o sorriso que tanto gostei em outras épocas e que ainda acho lindo.
Não sei nem se menti. Talvez eu queira realmente encontra-la mais uma vez. Ou mais vezes. Talvez eu queira ter um relacionamento estável e prolongado pela primeira vez na minha vida agora. Talvez ela seja a mulher perfeita para esse tipo de pensamento.
E então eu lembro que pensei nas mesmas coisas no ano passado. Repenso se eu não mudei a esse ponto, ou se ela não mudou alguma coisa que pudesse dar certo nesse ano. As situações nunca são iguais, eu sei, e poderia haver uma sucessão de fatos que acabariam empolgando a relação e fazendo com que ela mudasse.
E novamente me pego me perguntando, aqui, com esse copo de água do lado do teclado, ao bater em cada letra, ao tentar desvendar esse mistério que é o relacionamento humano e sabendo que ele não me dará a resposta.
Eu sei que bastava ligar para ela. Basta que eu diga, Oi, tudo bom, olha, eu vou tocar no sábado, você quer ir ver, e ela diria, Claro, aonde, sim, vou sim. Mas, será que vale a pena, me pergunto. Será que eu aceitaria cada detalhe da vida dela, será que eu gostaria dos seus defeitos, será que a abraçaria quando ela estivesse resfriada, será que eu teria paciência quando ela estivesse de TPM, será que eu me importaria com as suas ausências nas nossas conversas, será que eu ficaria dando pequenos beijos após o sexo da maneira que ela gosta, será que enfrentaria todos os nossos problemas juntos. Será?
Não sei a resposta, mas qualquer que seja, eu não acredito nela. Eu posso desconfiar apenas. E se eu acho que eu continuaria a mesma pessoa que sou, sem abrir mão de nada, se eu suspeito que eu posso larga-la como fiz no ano passado, se eu imagino que eu posso magoá-la novamente, não acho que vale a pena. Por mais que a visão dela me tente, por mais que a queira, hoje, agora, nesse exato momento, não acho que posso envolve-la novamente nas minhas caraminholas. O telefone vai ficar quieto ali no canto dele mais uma vez.
O telefone está ali parado em cima da mesinha da sala, eu me lembro bem dele. Silencioso, quieto, humilde, quase que passa despercebido. Ele tem o poder de definir o meu futuro. Ele pode dizer quais passos vou tomar ou pode simplesmente calar-se. Silenciar-se. O que, para mim, já é uma resposta.
Eu? Eu estou parado ao lado da geladeira, apoiado no umbral da porta da cozinha, olhando o telefone. Bebia um pouco d’água num copo grande que tenho. A cada golada de água eu parava e voltava meus olhos para o telefone. Não esperava que ele tocasse. Ele não iria tocar. Mas olhava para o telefone. Olhava para ele como se ele fosse um profeta e me pudesse me passar o que eu deveria fazer. Como se ele soubesse e desvendasse o meu destino e, ainda por cima, pudesse me contar.
Tinha duas possibilidades claras na minha cabeça. Um, ligar para ela e convida-la para ir ao show da minha banda no fim-de-semana. Dois, não ligar. Simples assim.
Não, não é nada simples. Primeiro se considerarmos que é ela. Não é simples porque não posso simplesmente pegar o telefone e discar. No caso dela não seria o certo. Digamos que há um ano, mais ou menos, nós não nos falamos direito. Simples assim.
Sábado passado nos encontramos. Foi na saída de um filme. Um filme francês bacana que estreou aqui há duas semanas. Fui sozinho e cheguei atrasado, como na maioria das vezes. Sentei numa das primeiras cadeiras, mas já não me importo com isso. Chego até a gostar mais das primeiras fileiras. Acho que conseguimos ver os atores ainda maiores na tela. Na saída, passei por ela ainda dentro do cinema. Ela estava com uma amiga.
O primeiro encontro dos olhares parecia uma reprise de filme. Ele, meio constrangido e meio envergonhado por causa da ausência de quase um ano. Ela, um pouco surpresa com a coincidência, um pouco indignada com a ausência, mas que, sem querer, deixa saltar um pequeno sorriso.
Com o sorriso, percebi que o encontro seria amistoso. Oi, disse, Oi, ela disse. Como vai, eu disse, Há quanto tempo, ela espetou. É, faz um bom tempo, me defendi, Vou bem, e você, ela respondeu. Continuo na mesma empresa, ela disse, Eu mudei minha vida, eu respondi. Você está sozinha, eu perguntei, e depois, numa tentativa de remendar, continuei, Digo, no cinema, ela riu um pouco e respondeu, Estou com ela, apontou para uma amiga ao lado que eu nunca tinha visto antes. Oi, disse para a amiga, Oi, ela me respondeu.
Sorrimos um para o outro para mostrar que não éramos hostis e esperamos o silêncio desse momento. Logo percebemos que o cinema estava ficando vazio. Propus que nós saíssemos dali. Sugeri que as duas fossem na minha frente e tentei ficar o mais próximo dela. Então, na saída da sala de projeção fiz uma pergunta simples, Vocês vão fazer alguma coisa agora, no que elas responderam quase juntas, Nada, disse ela primeiro, Não, falou a amiga depois. Poderíamos, pelo menos, tomar um café, comer alguma coisa aqui mesmo, o que vocês acham, foi a minha proposta. Elas olharam uma para a outra num diálogo que só mulheres sabem fazer com perfeição e responderam para mim com acenos positivos de cabeça e mais sorrisos.
Sentamos num canto do saguão. Pedi um cappuccino para mim e fui acompanhado por ela. A amiga pediu um mate natural. Começamos a conversar e não parecia que eu estava sumido há um ano. Por mais que tivesse desaparecido, ela parecia não se importar. Ela parecia não ter mudado muito, o que de certa forma era ruim para mim. Já ela me achou diferente, nas palavras dela. Perguntei se era bom ou ruim aquilo, ela disse que estava apenas diferente.
Nossa conversa fluía sem nenhum problema. Muito porque ela quase sempre concordava comigo. Talvez isso tenha sido o maior motivo para que nós nos separássemos há um ano atrás. Começávamos a conversar e, ao final de alguns minutos, parecia um monólogo interpretado por mim. Sentia que faltava mais iniciativa dela. Sentia que faltavam discussões, trocas de idéias, de opiniões, de conversa. Sentia que faltava outra voz.
Por mais que tentasse contemplar a amiga, ela logo se sentiu sobrando na nossa mesa. Percebi alguns olhares impacientes da amiga para ela, ou uma espiada no relógio, ou uma encostada na cadeira para demonstrar insatisfação. Ela não percebia nada. Parecia que estava aprisionada em outro mundo e, não quero acreditar nisso, mas, parecia que o motivo era eu.
Para não incomodar mais a amiga e por achar que o café já tinha rendido tudo que devia e poderia render, decidi ir embora. Assim as duas ficariam livres para fazerem o que quiserem. Antes, porém, disse para ela que deveríamos nos encontrar mais vezes. Ela abriu o sorriso que tanto gostei em outras épocas e que ainda acho lindo.
Não sei nem se menti. Talvez eu queira realmente encontra-la mais uma vez. Ou mais vezes. Talvez eu queira ter um relacionamento estável e prolongado pela primeira vez na minha vida agora. Talvez ela seja a mulher perfeita para esse tipo de pensamento.
E então eu lembro que pensei nas mesmas coisas no ano passado. Repenso se eu não mudei a esse ponto, ou se ela não mudou alguma coisa que pudesse dar certo nesse ano. As situações nunca são iguais, eu sei, e poderia haver uma sucessão de fatos que acabariam empolgando a relação e fazendo com que ela mudasse.
E novamente me pego me perguntando, aqui, com esse copo de água do lado do teclado, ao bater em cada letra, ao tentar desvendar esse mistério que é o relacionamento humano e sabendo que ele não me dará a resposta.
Eu sei que bastava ligar para ela. Basta que eu diga, Oi, tudo bom, olha, eu vou tocar no sábado, você quer ir ver, e ela diria, Claro, aonde, sim, vou sim. Mas, será que vale a pena, me pergunto. Será que eu aceitaria cada detalhe da vida dela, será que eu gostaria dos seus defeitos, será que a abraçaria quando ela estivesse resfriada, será que eu teria paciência quando ela estivesse de TPM, será que eu me importaria com as suas ausências nas nossas conversas, será que eu ficaria dando pequenos beijos após o sexo da maneira que ela gosta, será que enfrentaria todos os nossos problemas juntos. Será?
Não sei a resposta, mas qualquer que seja, eu não acredito nela. Eu posso desconfiar apenas. E se eu acho que eu continuaria a mesma pessoa que sou, sem abrir mão de nada, se eu suspeito que eu posso larga-la como fiz no ano passado, se eu imagino que eu posso magoá-la novamente, não acho que vale a pena. Por mais que a visão dela me tente, por mais que a queira, hoje, agora, nesse exato momento, não acho que posso envolve-la novamente nas minhas caraminholas. O telefone vai ficar quieto ali no canto dele mais uma vez.
segunda-feira, 22 de julho de 2002
escritores II
Eu queria escrever uma história sobre um escritor, ou apenas um escrevinhador, que descrevesse a obra de um outro escritor que escreveu a vida inteira sobre escritores das mais variadas linhagens, mas perdeu todos os textos num incêndio antes de morrer também queimado.
Este escritor, que poderia se chamar Roberto (ou qualquer outro nome como Carlos, Jorge, Fernando ou Luiz) dividiu todos os escritores em dois grandes filos. Nunca deu nome nenhum a eles. Apenas apelidos que só faziam algum sentido para os seus mais íntimos.
Um dos retratados por Roberto era um escritor de rua, como ele chamava. Vivia na cidade. Era um ser urbano que se alimentava de tudo que uma cidade pode produzir. Digeria todo o lixo e devolvia em forma de literatura. Escrevia longos romances ou pequenos contos. Ou ainda poesias das mais diferentes formas e tamanhos sobre todo o nosso cotidiano, sem esconder ou maquiar nada. E conseguia empregar beleza nisso.
Outro era um desesperado pela vida e ficava inconformado como, nós, os seres humanos, a tratavam. Canalizava toda a sua angústia e o seu desespero para o papel. Só conseguia sobreviver a base desse tipo vício. Quando tiraram isso dele, após ser preso por imoralidade, morreu louco.
Na beira da praia, de frente para o mar, vivia um romancista, muito conhecido e já citado outras vezes. Tinha duas filhas pequenas. Gêmeas e louras. Gostava de andar na areia de bermudas brancas com o cachorro e as filhas no cair da tarde.
Havia o erudito. Morava num apartamento espaçoso numa metrópole no meio de várias estantes de madeira de cor escura preenchidas com livros. Quase não saia de casa e, se o fizesse, era para ir numa das muitas livrarias e bibliotecas da cidade. Dizia que podia descrever de cinqüenta e sete formas diferentes um focinho de tigre, mesmo sem nunca ter visto um na vida. Esse escritor dizia que tudo que ele precisava na vida estava ali, e apontava, nos livros. Nunca se envolveu com nenhuma mulher ou teve um amigo de longa data.
O erudito, depois de muito tempo lendo, resolveu escrever. Experimentou formas, tipos e personagens. Um deles foi um músico, um maestro, também erudito, que pedia sempre para a sua orquestra tocar em seqüências, uma nota diferente da anterior. Pedia para modificar a música de ensaio para ensaio, assim sempre teria uma música inédita, apesar de não acreditar no ineditismo.
Uma das óperas desse maestro remetia a outros séculos, aos cantadores de estrada que compunham os cenários de peças teatrais. Daqueles que andavam com um bandolim a tira-colo e compunham textos rimados, muitos poéticos, para narrar a cena que transcorria. Nessa ópera especificamente, o cantador era a personagem principal. Todas as suas falas eram rimadas e davam o ritmo de toda a encenação.
Um dos personagens dessa ópera era um poeta, que também usava versos rimados por causa da época retratada, e que gostava de escrever sobre o futuro. Ele antecipava para todos quais seriam as modificações que ocorreriam no mundo, mas ninguém acreditava nele.
Ele cita, por exemplo, homens que escreviam diariamente em pedaços de papéis e que seriam distribuídos a todos. Como se contassem a história na hora e a mostrassem. Como uma forma de compartilhar a informação imediatamente.
Nesses pedaços de papel que seriam distribuídos diariamente, alguns escritores montariam as suas histórias, capítulo a capítulo. Haverá muitos, sugeriu o poeta visionário, que escreverão, mas somente algumas obras sobreviverão.
Uma das personagens dessas obras diárias será um escritor jovem também já citado outrora. Um garoto atormentado pela idéia de escrever. Não consegue dormir, alimenta-se mal e vive a base de estimulantes para poder colocar toda a sua obra para fora. Dizia que cem anos sem dormir não seriam suficientes para expressar tudo o que passava na sua cabeça.
Esse garoto freqüentava a noite, os bares e as tavernas da sua cidade a procura da vida que ele pudesse aspirar. Conheceu vários artistas, dos que não admitem ser e dos que repetem várias vezes mesmo sem nunca terem percebido o quão grave é esse erro.
Um desses artistas que não se dizia artista era um pintor que cresceu retratando a maioria das pessoas que viviam nessas noites. Logo depois de completar um quarto de século, disse que deveria mudar de vida drasticamente. Começou a estudar todas as obras tradicionais e as desconstruiu. Toda a ordem que se conhecia virou pó. Sua obra, a partir daí, remava contrária a idéia acadêmica e clássica. Todos os quadros que produziu não foram entendidos por ninguém, ou quase ninguém. Morreu pobre e desamparado. Algumas décadas (ou séculos depois) foi reverenciado e transformado no expoente máximo da sua era.
Outro artista contemporâneo do garoto era já um senhor idoso na época. Viveu a vida inteira com a sua esposa e dedicava todos os seus livros, que ultrapassaram fronteiras, que destruíram antigas convenções, a ela. Seus livros eram naturais, mas cerebrais, psicológicos, mas com certeza, mágicos. Nunca descreveu o rosto de ninguém, mas toda a sua linha de raciocínio. Morreu logo depois da mulher, já com sessenta e poucos anos.
O garoto viveu apenas vinte e seis anos e também morreu. De tuberculose ou pneumonia. Junto com ele foi encontrada, intacta, uma obra completa sobre um outro autor de terras distantes que dizia que todas as coisas do mundo já tinham sido desvendadas ou criadas. Ele apostava em mudanças de tons, em misturas de texturas, brincava com a linha narrativa, destruía toda a seqüência e a reconstruía de maneira completamente diferente e diversa.
Os personagens, para ele, poderiam mudar de atitude no meio do livro sem explicar, ou com apenas uma sugestão. Ou, a força da narrativa vinha condensada no início, no meio ou no fim do texto. O resto servia apenas para interligar as atitudes.
Um dos seus textos mais conhecidos fazia referência ao infinito. Ele dizia que poderia retrata-lo. Dizia que poderia escrever infinitamente sobre o infinito. Dizia que poderia representa-lo colocando um espelho diante de outro sem que houvesse a entrada de luz para nada. Não poderíamos olhar, não haveria como observar a representação, mas estaria ali. Em cada camada, sairiam outras camadas. A cada reflexão da imagem, poderia ser desenvolvida outra imagem. Aquilo seria infinito.
Eu queria escrever uma história sobre um escritor, ou apenas um escrevinhador, que descrevesse a obra de um outro escritor que escreveu a vida inteira sobre escritores das mais variadas linhagens, mas perdeu todos os textos num incêndio antes de morrer também queimado.
Este escritor, que poderia se chamar Roberto (ou qualquer outro nome como Carlos, Jorge, Fernando ou Luiz) dividiu todos os escritores em dois grandes filos. Nunca deu nome nenhum a eles. Apenas apelidos que só faziam algum sentido para os seus mais íntimos.
Um dos retratados por Roberto era um escritor de rua, como ele chamava. Vivia na cidade. Era um ser urbano que se alimentava de tudo que uma cidade pode produzir. Digeria todo o lixo e devolvia em forma de literatura. Escrevia longos romances ou pequenos contos. Ou ainda poesias das mais diferentes formas e tamanhos sobre todo o nosso cotidiano, sem esconder ou maquiar nada. E conseguia empregar beleza nisso.
Outro era um desesperado pela vida e ficava inconformado como, nós, os seres humanos, a tratavam. Canalizava toda a sua angústia e o seu desespero para o papel. Só conseguia sobreviver a base desse tipo vício. Quando tiraram isso dele, após ser preso por imoralidade, morreu louco.
Na beira da praia, de frente para o mar, vivia um romancista, muito conhecido e já citado outras vezes. Tinha duas filhas pequenas. Gêmeas e louras. Gostava de andar na areia de bermudas brancas com o cachorro e as filhas no cair da tarde.
Havia o erudito. Morava num apartamento espaçoso numa metrópole no meio de várias estantes de madeira de cor escura preenchidas com livros. Quase não saia de casa e, se o fizesse, era para ir numa das muitas livrarias e bibliotecas da cidade. Dizia que podia descrever de cinqüenta e sete formas diferentes um focinho de tigre, mesmo sem nunca ter visto um na vida. Esse escritor dizia que tudo que ele precisava na vida estava ali, e apontava, nos livros. Nunca se envolveu com nenhuma mulher ou teve um amigo de longa data.
O erudito, depois de muito tempo lendo, resolveu escrever. Experimentou formas, tipos e personagens. Um deles foi um músico, um maestro, também erudito, que pedia sempre para a sua orquestra tocar em seqüências, uma nota diferente da anterior. Pedia para modificar a música de ensaio para ensaio, assim sempre teria uma música inédita, apesar de não acreditar no ineditismo.
Uma das óperas desse maestro remetia a outros séculos, aos cantadores de estrada que compunham os cenários de peças teatrais. Daqueles que andavam com um bandolim a tira-colo e compunham textos rimados, muitos poéticos, para narrar a cena que transcorria. Nessa ópera especificamente, o cantador era a personagem principal. Todas as suas falas eram rimadas e davam o ritmo de toda a encenação.
Um dos personagens dessa ópera era um poeta, que também usava versos rimados por causa da época retratada, e que gostava de escrever sobre o futuro. Ele antecipava para todos quais seriam as modificações que ocorreriam no mundo, mas ninguém acreditava nele.
Ele cita, por exemplo, homens que escreviam diariamente em pedaços de papéis e que seriam distribuídos a todos. Como se contassem a história na hora e a mostrassem. Como uma forma de compartilhar a informação imediatamente.
Nesses pedaços de papel que seriam distribuídos diariamente, alguns escritores montariam as suas histórias, capítulo a capítulo. Haverá muitos, sugeriu o poeta visionário, que escreverão, mas somente algumas obras sobreviverão.
Uma das personagens dessas obras diárias será um escritor jovem também já citado outrora. Um garoto atormentado pela idéia de escrever. Não consegue dormir, alimenta-se mal e vive a base de estimulantes para poder colocar toda a sua obra para fora. Dizia que cem anos sem dormir não seriam suficientes para expressar tudo o que passava na sua cabeça.
Esse garoto freqüentava a noite, os bares e as tavernas da sua cidade a procura da vida que ele pudesse aspirar. Conheceu vários artistas, dos que não admitem ser e dos que repetem várias vezes mesmo sem nunca terem percebido o quão grave é esse erro.
Um desses artistas que não se dizia artista era um pintor que cresceu retratando a maioria das pessoas que viviam nessas noites. Logo depois de completar um quarto de século, disse que deveria mudar de vida drasticamente. Começou a estudar todas as obras tradicionais e as desconstruiu. Toda a ordem que se conhecia virou pó. Sua obra, a partir daí, remava contrária a idéia acadêmica e clássica. Todos os quadros que produziu não foram entendidos por ninguém, ou quase ninguém. Morreu pobre e desamparado. Algumas décadas (ou séculos depois) foi reverenciado e transformado no expoente máximo da sua era.
Outro artista contemporâneo do garoto era já um senhor idoso na época. Viveu a vida inteira com a sua esposa e dedicava todos os seus livros, que ultrapassaram fronteiras, que destruíram antigas convenções, a ela. Seus livros eram naturais, mas cerebrais, psicológicos, mas com certeza, mágicos. Nunca descreveu o rosto de ninguém, mas toda a sua linha de raciocínio. Morreu logo depois da mulher, já com sessenta e poucos anos.
O garoto viveu apenas vinte e seis anos e também morreu. De tuberculose ou pneumonia. Junto com ele foi encontrada, intacta, uma obra completa sobre um outro autor de terras distantes que dizia que todas as coisas do mundo já tinham sido desvendadas ou criadas. Ele apostava em mudanças de tons, em misturas de texturas, brincava com a linha narrativa, destruía toda a seqüência e a reconstruía de maneira completamente diferente e diversa.
Os personagens, para ele, poderiam mudar de atitude no meio do livro sem explicar, ou com apenas uma sugestão. Ou, a força da narrativa vinha condensada no início, no meio ou no fim do texto. O resto servia apenas para interligar as atitudes.
Um dos seus textos mais conhecidos fazia referência ao infinito. Ele dizia que poderia retrata-lo. Dizia que poderia escrever infinitamente sobre o infinito. Dizia que poderia representa-lo colocando um espelho diante de outro sem que houvesse a entrada de luz para nada. Não poderíamos olhar, não haveria como observar a representação, mas estaria ali. Em cada camada, sairiam outras camadas. A cada reflexão da imagem, poderia ser desenvolvida outra imagem. Aquilo seria infinito.
sexta-feira, 19 de julho de 2002
cena qualquer:
o corredor escuro desemboca no banheiro. a luz está acesa, alguém deve estar dentro. vejo uma chave de fenda no chão, escuto barulhos de louça e alumínios. o rapaz da empresa de conservação está trocando o mictório. pergunto, A privada está ok, ele responde, A privada está bem.
privada, fiquei pensando enquanto usava o vaso sanitário privado. qual seria a origem dessa (palavra) privada.
o corredor escuro desemboca no banheiro. a luz está acesa, alguém deve estar dentro. vejo uma chave de fenda no chão, escuto barulhos de louça e alumínios. o rapaz da empresa de conservação está trocando o mictório. pergunto, A privada está ok, ele responde, A privada está bem.
privada, fiquei pensando enquanto usava o vaso sanitário privado. qual seria a origem dessa (palavra) privada.
quinta-feira, 18 de julho de 2002
existem certas situações, certas pessoas, certos livros, certos filmes, certos diálogos, certas imagens que mudam o jeito de alguém. seja através de um conforto, porque ela pensa que não está mais sozinha, seja através da abertura de novas percepções, seja pelo conhecimento único e simples, seja pela vivência, seja pelo fato de obrigá-la a pensar. por qualquer motivo, é dessa forma que criamos a casca que nos envolve e que muitos chamam amadurescimento. fato isto é.
ontem fui para a casa da minha irmã, visitá-la, a minha minha mãe, o meu sobrinho de quatro anos e meu cunhado. crianças são iguais em todos os lugares. e eu não gosto do modo que vivem ou agem, o que não impede de entendê-las, ou não entendê-las, que melhor se aplica, mas pelo menos, saber que não devo me preocupar em entendê-la.
o incrível que me parece é a forma como tentam criar - educar ou qualquer um desses termos - esses pequenos.
se eu não me engano, foi na idade média que foi "descoberto" a infância. Algumas pessoas viram que as crianças não eram pequenos adultos e não deveriam ter as mesmas responsabilidades que os crescidos.
o que acontece, ainda hoje, por mais que haja um tratamento diferenciado entre as crianças e os adultos, que os pequenos freqüentem jardins de infância com outros pequenos, que não os obriguem a trabalhar e tal e coisa, os maiores esperam reações parecidas as deles, de anos calejados e com as asas cortadas. querem que eles não baguncem a casa. querem que eles não façam barulho. querem que eles falem baixo. querem que eles sejam mini-adultinhos respondendo tudo aquilo que esperam. se não fizerem, os chamam de bobos ou, pasmem, infantis.
crianças são irresponsáveis, e isso talvez seja a maior benção que podem ter. todas as vezes que um adulto pede para ela se comportar, mata o pequeno um pouco. todas as vezes que pedem para ele não brincar, tira a vontade da criança em ser criança.
mas para que eu estou escrevendo isso?
ontem fui para a casa da minha irmã, visitá-la, a minha minha mãe, o meu sobrinho de quatro anos e meu cunhado. crianças são iguais em todos os lugares. e eu não gosto do modo que vivem ou agem, o que não impede de entendê-las, ou não entendê-las, que melhor se aplica, mas pelo menos, saber que não devo me preocupar em entendê-la.
o incrível que me parece é a forma como tentam criar - educar ou qualquer um desses termos - esses pequenos.
se eu não me engano, foi na idade média que foi "descoberto" a infância. Algumas pessoas viram que as crianças não eram pequenos adultos e não deveriam ter as mesmas responsabilidades que os crescidos.
o que acontece, ainda hoje, por mais que haja um tratamento diferenciado entre as crianças e os adultos, que os pequenos freqüentem jardins de infância com outros pequenos, que não os obriguem a trabalhar e tal e coisa, os maiores esperam reações parecidas as deles, de anos calejados e com as asas cortadas. querem que eles não baguncem a casa. querem que eles não façam barulho. querem que eles falem baixo. querem que eles sejam mini-adultinhos respondendo tudo aquilo que esperam. se não fizerem, os chamam de bobos ou, pasmem, infantis.
crianças são irresponsáveis, e isso talvez seja a maior benção que podem ter. todas as vezes que um adulto pede para ela se comportar, mata o pequeno um pouco. todas as vezes que pedem para ele não brincar, tira a vontade da criança em ser criança.
mas para que eu estou escrevendo isso?
quarta-feira, 17 de julho de 2002
Todas as moedas que carregava no bolso caíram no chão ao passar da roleta. Rapidamente, se apressou para pegá-las e pagar o trocador. Era a final da copa do mundo e estava nervoso porque estava atrasado. Ou atrasado porque estava nervoso, não sabia ao certo. Tentou se lembrar se algo parecido já havia acontecido com ele em outra copa do mundo. Ficou matutando a idéia por alguns instantes até se sentar. Perguntou para Rodrigo, que estava ao seu lado, se ele se lembrava de algo. Rodrigo não respondeu nada de imediato, mas, passados alguns segundos, lembrou-se, Em 94, no jogo que o Brasil jogou melhor, contra a Holanda, perdi dez reais, eu achou que isso deve ser sorte para o Brasil. Deu uma pausa e continuou, Viu, agora o Brasil vai ganhar, não adianta você e suas mandingas contrárias, Fernando respondeu, Não é mandinga e você sabe, não estou torcendo contra o Brasil, apenas acho que em 98 foi a mesma coisa, esperávamos muito e perdemos na final, desde 70 que uma seleção não ganha a copa com 100% de aproveitamento. Ficou um silêncio entre os dois. E, Fernando completou, em 94, você perdeu o dinheiro após o jogo.
Eles iam ver o jogo na casa da Petra o que preocupava Fernando. Todos os jogos dessa copa, ele tinha visto em casa e só depois tinha saído. Rodrigo disse para Fernando, Não se preocupe, nós não vimos a final de 98 juntos, o que quer dizer que podemos ver os jogos juntos que não trará azar. No que Fernando respondeu de pronto, Nem a de 94, logo a sua teoria não tem nenhum sentido. Mas, retorquiu Rodrigo, em 94 nós nem nos conhecíamos. Fernando então balançou a cabeça e disse com ar tristonho, Mais um motivo, mais um motivo.
Rodrigo começou a ficar preocupado e olhou para Fernando que, por sua vez, olhava pela janela do ônibus para fora, para as pessoas na rua. Foi Fernando que cortou o silêncio dessa vez, Eu vejo essas pessoas na rua, parece até carnaval, todos pulando, todos em confraternização, será mais um ano de decepção. Deu uma pausa quase dramática quase cômica e continuou, Será que o povo não se cansa de se decepcionar? Rodrigo respondeu, Olhe, talvez a gente ganhe dessa vez, quem sabe? Não, Fernando disse secamente, acho que chegamos mais longe do que imaginávamos, A Alemanha, então nem se fala, ninguém achava que ela passaria das oitavas, Nesse caso é diferente, a Alemanha é um time de chegada que joga contra o favorito, como em 74.
Que horas são, impacientou-se Fernando para Rodrigo, Calma, são ainda, mexeu o braço, bateu no relógio, colocou-o no ouvido, Parou, falou Rodrigo com ar de surpresa, Como assim parou, Parou ora, parou, Não pode ser, o meu relógio quebrou durante a partida do Brasil contra a Argentina em 90, eu estava vendo o jogo com uns amigos na minha casa quando em um dos muitos gols perdidos pelo Muller eu bati com o punho na parede e quebrei o relógio. Fernando arriou a cabeça até a altura das mãos e começou a se descabelar. Peraí, disse Rodrigo, O camarada, dirigiu-se para um senhor grisalho de grandes bigodes brancos e boina que estava na sua frente com um radinho de pilha no ouvido e perguntou, Que horas são, hein amigo, São, o senhor respondeu com um sotaque português carregado, deixe-me ver, oito horas. Fernando levantou a cabeça e falou olhando para Rodrigo, Agora mais essa, encontramos um português que deve ser torcedor do Vasco e que tem síndrome de vice, fora que ele deve estar puto porque Portugal foi eliminada e deve estar torcendo contra o Brasil. O português grisalho que estava mais interessado no programa do rádio apenas olhou de rabo-de-olho para os dois e não disse nada. Já Rodrigo falou para Fernando, Calma Fernando, fale mais baixo porque senão seremos linchados aqui no ônibus.
Pelo menos se brigarmos, disse Fernando, O Brasil ganha. E completou, Em 92, quando o Flamengo foi penta, eu entrei na maior briga da minha vida, encontramos com alguns torcedores do Botafogo voltando para casa e ai foi uma porradaria do cacete, Não, a gente não pode brigar, disse Rodrigo, Como assim, Lembra em 95 quando o Fluminense foi campeão carioca em cima do seu Flamengo com o gol de barriga do Renato gaúcho, Lembro, claro, Pois bem, no brasileiro o Flu chegou nas semifinais e goleou o Santos aqui no Maracanã por 4 a 1, no jogo de volta podíamos perder por diferença de até dois gols que nos classificaríamos para a final, Rodrigo começou a se empolgar, aumentou o tom da voz, Peguei um ônibus da torcida organizada e fui, moleque, para São Paulo para comemorar a classificação do Flu, o resto você deve saber. Rodrigo dá uma pausa, olha para o chão rapidamente, levanta a cabeça e continua, Nem gosto de lembrar daquele Ale, Rodrigo dá um murro no banco da frente que chama a atenção dos passageiros, Tenho raiva até hoje do Joel por ter escalado aquele monstro para marcar o Giovanni. Dá uma segunda pausa, E para piorar, na saída do jogo, a torcida do Santos, que estava em maior número, meteu a porrada na gente.
Fez-se um pequeno silêncio. Fernando sacudia a perna impacientemente, o que contagiava, pela proximidade talvez, Rodrigo. Fernando perguntou, Que horas devem ser, Não sei, mas a gente salta no próximo ponto. Levantaram-se os dois e ambos fizeram sinal para o ônibus parar. Fernando desceu reclamando, Tomara que tenha poucas mulheres para ver o jogo, Que isso, Fernando, estou te estranhando, Cara, é final de copa do mundo, que pode demorar anos, décadas para acontecer de novo, há homens que nasceram, viveram e morreram e não viram uma só vez a seleção chegar lá, e, convenhamos, aturar mulher durante uma partida de futebol é dose, Ah, isso eu tenho que concordar, mas eu acho que você vai ficar um pouco decepcionado então, a Petra disse que chamaria várias amigas, Bem, já que é assim, é melhor então aproveitar as meninas. Ambos deram os primeiros sorrisos do dia.
Apertaram o botão do porteiro-eletrônico da casa da Petra. Ela morava em um condomínio de casas. A dela, em particular, tinha um quintal com uma pequena piscina e uma churrasqueira na parede. Era uma casa grande que cabia várias pessoas. Veriam o jogo na sala de estar, que era a maior da casa.
Antes de adentrar, porém, escutaram algumas vozes que vinham da sala. Era o irmão mais novo da Petra discutindo com a mãe, Oh mãe, você não pode tirar o sofá da sala assim, eu tenho que ver o jogo nele, se eu não assistir nele o Brasil vai perder, João Henrique, deixa de bobeira, eu tenho que tirar o sofá para dar mais espaço para todas as pessoas verem o jogo na sala, Mas mãe, se eu não assistir ao jogo daí de cima e o Brasil perder, vou me sentir culpado pela derrota pelos próximos quatro anos, Não adianta, João Henrique, eu vou tirar o sofá e pronto. Nesse momento Fernando entrou na casa e já começou a falar, Dona Janete, bom dia, desculpe me intrometer na conversa, mas acho de vital importância essa discussão, diria que é do interesse de toda a nação, eu acho que a senhora deveria reconsiderar a idéia de tirar o sofá da sala, Mas o espaço, replicou D. Janete, Ora, continuou Fernando, a senhora poderia colocar o sofá ali, e apontou para a entrada do corredor, assim o João Henrique poderá assistir ao jogo da maneira que ele precisa, No corredor, perguntou a mãe da Petra, Sim, em cima do sofá e no corredor, lembre-se de que esse ato poderá ser lembrado para sempre, Tudo bem, tudo bem, já que vocês insistem tanto. E o sofá ficou ali, no meio do caminho, atrapalhando todo mundo na passagem, com o João Henrique em cima durante todo o jogo.
Todos foram para a sala lotando-a. Eram quase vinte pessoas num espaço que caberiam apenas cinco, em dias normais. Mas era a final da copa do mundo. A seleção entra, se posiciona para ouvir o hino e então, a tv fica muda, O que houve, perguntou Rodrigo assustado, Vamos ver o jogo sem som, falou num tom de reclamação Fernando, É coisa do Matias, falou ironicamente lá do corredor João Henrique, Ele diz que a gente não deve escutar o jogo pela tv, mas pelo rádio para lembrar as copas de 58 e 62, Mas ele nem era vivo nessa época, falou Fernando, O meu amor diz que é para dar sorte, explicou Petra que estava agarrado no pescoço do Matias. Fernando então, cochichou no ouvido do Rodrigo, Que coisa estranha desse cara, hein, no que Rodrigo respondeu, E ainda namora a Petra, eu não gosto dele.
Começou o jogo e todo mundo escutando o jogo pelo rádio e vendo pela tv. As mulheres gritando e reclamando de toda bola perdida e os homens comendo todo o sabugo dos dedos. O jogo em si estava realmente tenso, com mais jogadas de perigo criadas pelo Brasil que pela Alemanha.
Fim do primeiro tempo, todo mundo se levanta e se encaminha para a cozinha passando por cima do João Henrique. Eis que Matias começa a falar em voz alta, Eu vi numa vidente na tv anteontem que o Brasil iria jogar melhor no primeiro tempo, até metendo uma bola na trave, mas terminaria no zero a zero. No segundo, o Brasil sairia na frente com um gol do Ronaldo e depois a Alemanha conseguiria virar com gols do Klose e do Bierhoff, numa falha bisonha do Lúcio, Fernando, muito nervoso, fala num canto da cozinha com Rodrigo, Esse cara é louco, fica agourando o Brasil, Rodrigo balança a cabeça confirmando a sentença.
Logo se escuta o João Henrique, Galera, vai começar o segundo tempo. Todos correm para as respectivas posições. E só a seleção ataca no recomeço do jogo. Logo sai o gol do Ronaldo e todo mundo se levanta e se abraça, mesmo não se conhecendo ou, quiçá, se gostando. Num canto da sala, dona Janete começa a pular sozinha com um terço na mão. Fernando pergunta para Petra, O que é isso, Minha mãe prometeu que a cada gol do Brasil ela iria pular e cantar o hino brasileiro segurando um terço, Ah, virando-se para Rodrigo completa, entendo. Matias que estava quieto na frente da Petra começa a falar quando o Bierhoff se aquece para entrar, Olha o que a vidente falou, olha o que a vidente falou. Fernando com voz baixa diz para Rodrigo, Se ele não parar eu vou meter a porrada nele, Não faz isso não porque assim o Brasil vai perder. Bierhoff entra no lugar do Klose e Fernando não se segura, E ai Matias, o que vai acontecer agora, O Bierhoff pode ainda fazer gol dele e o do Klose, responde de primeira calando-o. Fernando vira-se novamente para Rodrigo e cochicha mais uma vez, Cara, se o Brasil ganhar, eu juro que não vou torcer por futebol nos próximos quatro anos, Sshhh, responde Rodrigo porque Kléberson avançava pela lateral direita e cruza para o Rivaldo que abre as pernas deixando passar para o Ronaldo que chuta para o gol e marca novamente. Todos se abraçam, dona Janete pula com o terço na mão e Fernando aproveita a confusão para dar pequenos socos em Matias.
Quando todo mundo volta para a tensão normal da final, a sala fica num silêncio absurdo. Todos grudam os olhos na tv esperando do o rádio se escutasse o apito final. A bola vai para Denílson e o juiz pede a bola para encerrar. Todo mundo pulando, se abraçando, alguém pede para colocar na Globo para ouvir o Galvão gritando, É penta, todos vão para a rua do condomínio para celebrar quando, Matias reclama para Petra, Amor, estou sentindo umas dores na costela, e ela responde, Deve ser a tensão, querido.
Eles iam ver o jogo na casa da Petra o que preocupava Fernando. Todos os jogos dessa copa, ele tinha visto em casa e só depois tinha saído. Rodrigo disse para Fernando, Não se preocupe, nós não vimos a final de 98 juntos, o que quer dizer que podemos ver os jogos juntos que não trará azar. No que Fernando respondeu de pronto, Nem a de 94, logo a sua teoria não tem nenhum sentido. Mas, retorquiu Rodrigo, em 94 nós nem nos conhecíamos. Fernando então balançou a cabeça e disse com ar tristonho, Mais um motivo, mais um motivo.
Rodrigo começou a ficar preocupado e olhou para Fernando que, por sua vez, olhava pela janela do ônibus para fora, para as pessoas na rua. Foi Fernando que cortou o silêncio dessa vez, Eu vejo essas pessoas na rua, parece até carnaval, todos pulando, todos em confraternização, será mais um ano de decepção. Deu uma pausa quase dramática quase cômica e continuou, Será que o povo não se cansa de se decepcionar? Rodrigo respondeu, Olhe, talvez a gente ganhe dessa vez, quem sabe? Não, Fernando disse secamente, acho que chegamos mais longe do que imaginávamos, A Alemanha, então nem se fala, ninguém achava que ela passaria das oitavas, Nesse caso é diferente, a Alemanha é um time de chegada que joga contra o favorito, como em 74.
Que horas são, impacientou-se Fernando para Rodrigo, Calma, são ainda, mexeu o braço, bateu no relógio, colocou-o no ouvido, Parou, falou Rodrigo com ar de surpresa, Como assim parou, Parou ora, parou, Não pode ser, o meu relógio quebrou durante a partida do Brasil contra a Argentina em 90, eu estava vendo o jogo com uns amigos na minha casa quando em um dos muitos gols perdidos pelo Muller eu bati com o punho na parede e quebrei o relógio. Fernando arriou a cabeça até a altura das mãos e começou a se descabelar. Peraí, disse Rodrigo, O camarada, dirigiu-se para um senhor grisalho de grandes bigodes brancos e boina que estava na sua frente com um radinho de pilha no ouvido e perguntou, Que horas são, hein amigo, São, o senhor respondeu com um sotaque português carregado, deixe-me ver, oito horas. Fernando levantou a cabeça e falou olhando para Rodrigo, Agora mais essa, encontramos um português que deve ser torcedor do Vasco e que tem síndrome de vice, fora que ele deve estar puto porque Portugal foi eliminada e deve estar torcendo contra o Brasil. O português grisalho que estava mais interessado no programa do rádio apenas olhou de rabo-de-olho para os dois e não disse nada. Já Rodrigo falou para Fernando, Calma Fernando, fale mais baixo porque senão seremos linchados aqui no ônibus.
Pelo menos se brigarmos, disse Fernando, O Brasil ganha. E completou, Em 92, quando o Flamengo foi penta, eu entrei na maior briga da minha vida, encontramos com alguns torcedores do Botafogo voltando para casa e ai foi uma porradaria do cacete, Não, a gente não pode brigar, disse Rodrigo, Como assim, Lembra em 95 quando o Fluminense foi campeão carioca em cima do seu Flamengo com o gol de barriga do Renato gaúcho, Lembro, claro, Pois bem, no brasileiro o Flu chegou nas semifinais e goleou o Santos aqui no Maracanã por 4 a 1, no jogo de volta podíamos perder por diferença de até dois gols que nos classificaríamos para a final, Rodrigo começou a se empolgar, aumentou o tom da voz, Peguei um ônibus da torcida organizada e fui, moleque, para São Paulo para comemorar a classificação do Flu, o resto você deve saber. Rodrigo dá uma pausa, olha para o chão rapidamente, levanta a cabeça e continua, Nem gosto de lembrar daquele Ale, Rodrigo dá um murro no banco da frente que chama a atenção dos passageiros, Tenho raiva até hoje do Joel por ter escalado aquele monstro para marcar o Giovanni. Dá uma segunda pausa, E para piorar, na saída do jogo, a torcida do Santos, que estava em maior número, meteu a porrada na gente.
Fez-se um pequeno silêncio. Fernando sacudia a perna impacientemente, o que contagiava, pela proximidade talvez, Rodrigo. Fernando perguntou, Que horas devem ser, Não sei, mas a gente salta no próximo ponto. Levantaram-se os dois e ambos fizeram sinal para o ônibus parar. Fernando desceu reclamando, Tomara que tenha poucas mulheres para ver o jogo, Que isso, Fernando, estou te estranhando, Cara, é final de copa do mundo, que pode demorar anos, décadas para acontecer de novo, há homens que nasceram, viveram e morreram e não viram uma só vez a seleção chegar lá, e, convenhamos, aturar mulher durante uma partida de futebol é dose, Ah, isso eu tenho que concordar, mas eu acho que você vai ficar um pouco decepcionado então, a Petra disse que chamaria várias amigas, Bem, já que é assim, é melhor então aproveitar as meninas. Ambos deram os primeiros sorrisos do dia.
Apertaram o botão do porteiro-eletrônico da casa da Petra. Ela morava em um condomínio de casas. A dela, em particular, tinha um quintal com uma pequena piscina e uma churrasqueira na parede. Era uma casa grande que cabia várias pessoas. Veriam o jogo na sala de estar, que era a maior da casa.
Antes de adentrar, porém, escutaram algumas vozes que vinham da sala. Era o irmão mais novo da Petra discutindo com a mãe, Oh mãe, você não pode tirar o sofá da sala assim, eu tenho que ver o jogo nele, se eu não assistir nele o Brasil vai perder, João Henrique, deixa de bobeira, eu tenho que tirar o sofá para dar mais espaço para todas as pessoas verem o jogo na sala, Mas mãe, se eu não assistir ao jogo daí de cima e o Brasil perder, vou me sentir culpado pela derrota pelos próximos quatro anos, Não adianta, João Henrique, eu vou tirar o sofá e pronto. Nesse momento Fernando entrou na casa e já começou a falar, Dona Janete, bom dia, desculpe me intrometer na conversa, mas acho de vital importância essa discussão, diria que é do interesse de toda a nação, eu acho que a senhora deveria reconsiderar a idéia de tirar o sofá da sala, Mas o espaço, replicou D. Janete, Ora, continuou Fernando, a senhora poderia colocar o sofá ali, e apontou para a entrada do corredor, assim o João Henrique poderá assistir ao jogo da maneira que ele precisa, No corredor, perguntou a mãe da Petra, Sim, em cima do sofá e no corredor, lembre-se de que esse ato poderá ser lembrado para sempre, Tudo bem, tudo bem, já que vocês insistem tanto. E o sofá ficou ali, no meio do caminho, atrapalhando todo mundo na passagem, com o João Henrique em cima durante todo o jogo.
Todos foram para a sala lotando-a. Eram quase vinte pessoas num espaço que caberiam apenas cinco, em dias normais. Mas era a final da copa do mundo. A seleção entra, se posiciona para ouvir o hino e então, a tv fica muda, O que houve, perguntou Rodrigo assustado, Vamos ver o jogo sem som, falou num tom de reclamação Fernando, É coisa do Matias, falou ironicamente lá do corredor João Henrique, Ele diz que a gente não deve escutar o jogo pela tv, mas pelo rádio para lembrar as copas de 58 e 62, Mas ele nem era vivo nessa época, falou Fernando, O meu amor diz que é para dar sorte, explicou Petra que estava agarrado no pescoço do Matias. Fernando então, cochichou no ouvido do Rodrigo, Que coisa estranha desse cara, hein, no que Rodrigo respondeu, E ainda namora a Petra, eu não gosto dele.
Começou o jogo e todo mundo escutando o jogo pelo rádio e vendo pela tv. As mulheres gritando e reclamando de toda bola perdida e os homens comendo todo o sabugo dos dedos. O jogo em si estava realmente tenso, com mais jogadas de perigo criadas pelo Brasil que pela Alemanha.
Fim do primeiro tempo, todo mundo se levanta e se encaminha para a cozinha passando por cima do João Henrique. Eis que Matias começa a falar em voz alta, Eu vi numa vidente na tv anteontem que o Brasil iria jogar melhor no primeiro tempo, até metendo uma bola na trave, mas terminaria no zero a zero. No segundo, o Brasil sairia na frente com um gol do Ronaldo e depois a Alemanha conseguiria virar com gols do Klose e do Bierhoff, numa falha bisonha do Lúcio, Fernando, muito nervoso, fala num canto da cozinha com Rodrigo, Esse cara é louco, fica agourando o Brasil, Rodrigo balança a cabeça confirmando a sentença.
Logo se escuta o João Henrique, Galera, vai começar o segundo tempo. Todos correm para as respectivas posições. E só a seleção ataca no recomeço do jogo. Logo sai o gol do Ronaldo e todo mundo se levanta e se abraça, mesmo não se conhecendo ou, quiçá, se gostando. Num canto da sala, dona Janete começa a pular sozinha com um terço na mão. Fernando pergunta para Petra, O que é isso, Minha mãe prometeu que a cada gol do Brasil ela iria pular e cantar o hino brasileiro segurando um terço, Ah, virando-se para Rodrigo completa, entendo. Matias que estava quieto na frente da Petra começa a falar quando o Bierhoff se aquece para entrar, Olha o que a vidente falou, olha o que a vidente falou. Fernando com voz baixa diz para Rodrigo, Se ele não parar eu vou meter a porrada nele, Não faz isso não porque assim o Brasil vai perder. Bierhoff entra no lugar do Klose e Fernando não se segura, E ai Matias, o que vai acontecer agora, O Bierhoff pode ainda fazer gol dele e o do Klose, responde de primeira calando-o. Fernando vira-se novamente para Rodrigo e cochicha mais uma vez, Cara, se o Brasil ganhar, eu juro que não vou torcer por futebol nos próximos quatro anos, Sshhh, responde Rodrigo porque Kléberson avançava pela lateral direita e cruza para o Rivaldo que abre as pernas deixando passar para o Ronaldo que chuta para o gol e marca novamente. Todos se abraçam, dona Janete pula com o terço na mão e Fernando aproveita a confusão para dar pequenos socos em Matias.
Quando todo mundo volta para a tensão normal da final, a sala fica num silêncio absurdo. Todos grudam os olhos na tv esperando do o rádio se escutasse o apito final. A bola vai para Denílson e o juiz pede a bola para encerrar. Todo mundo pulando, se abraçando, alguém pede para colocar na Globo para ouvir o Galvão gritando, É penta, todos vão para a rua do condomínio para celebrar quando, Matias reclama para Petra, Amor, estou sentindo umas dores na costela, e ela responde, Deve ser a tensão, querido.
segunda-feira, 15 de julho de 2002
Sinopse 2002-1
por Ronaldo Pelli
Pontos-de-vista
Ricardo é convocado às pressas, por telefone, horas antes da aula começar para substituir o professor Jorge Figueiras, renomado catedrático da escola de cinema, que sofrera um derrame e está internado na UTI. Ricardo deve cobri-lo nas aulas do curso de direção que começam hoje.
Ele caminha pelo corredor na direção da sala de aula. Abre a porta da sala assustado. Todos os olhos se viram procurando o autor do barulho. Anda no meio da sala em direção ao palanque. Sobe no palanque e olha para todos os alunos. Todas as espécies e tipos de aprendizes estão representados ali embaixo. Ele se apresenta e explica o motivo da ausência do professor Jorge. Escuta-se murmúrios e reclamações. Ricardo, para desviar a atenção de todos, pega a pauta e começa a fazer a chamada. Chama nome a nome e pede que todos se apresentem.
Roberto Sá Freire, professor de geografia que, parece, estacionou na década de 70. Usa boina pendurada na cabeça e não faz a barba desde quando tinha há 18 anos. Diretores preferidos: Glauber Rocha e Godard (apesar de nunca ter entendido direito).
Monique Domingues, 21 anos incompletos. Usa óculos quadradinho e adora cinema iraniano. Faz jornalismo na PUC e adorava freqüentar, no início do curso, a casinha para fumar maconha com uns neo-hippies. Mas agora tenta esquecer esse capítulo do seu passado.
Ricardo Antunes, o Boca. Adora filmes-lixo. Seu sonho é fazer parte da Pepa Filmes. Achou que o John Waters se vendeu no seu último filme - com a Melanie Grifith.
Joaquim Soares, engenheiro de som. Detesta o cinema brasileiro. Quer fazer o curso para dirigir o roteiro que ele escreveu sobre um navio transatlântico que bate num iceberg no meio do Atlântico. Trabalhou em vários filmes brasileiros, mesmo odiando-os. Acha que todo cineasta brasileiro ou é veado ou é maluco. Ou os dois.
Lane e Lena irmãs gêmeas não idênticas que fazem de tudo para se parecerem. Uma tem a pele morena e outra é mais branca que o giz. Fazem faculdade de artes plásticas e conhecem de vista Monique.
Cláudio Cardoso, o Caco. O CDF da turma. O tipo gordinho que pergunta todas as horas para poder impressionar o professor. Leila Castro, modelo e manequim. Morena de cabelos lisos até a cintura. Fez algumas pontas em filmes desconhecidos.
O professor Ricardo termina de fazer a chamada e olha para a turma. Todos parecem interessados no que ele vai falar. O que ele vai falar, nem ele sabe. “Como começar?”, fica pensando.
Depois de alguns segundos de silêncio, Ricardo olhando os alunos, os alunos olhando aquele professor jovem, a aula começa. E transcorre sem problemas até o primeiro desacordo aparecer.
O professor Ricardo dá o exemplo de “Morangos Silvestres” do Bergman e “A doce Vida” do Fellini para demonstrar duas formas possíveis para usar o “dissolve”, o recurso de corte.
Joaquim Soares levanta a mão e pede a palavra. Ricardo deixa que ele se expresse:
Joaquim Soares –
Professor, acho que eu estou aqui na minoria, mas eu detesto esses filmes pretensiosos.
Ricardo (um pouco exaltado) –
Pretensioso? O que é que você quer dizer com pretensioso? Quem você está chamando de pretensioso? Fellini? Bergman?
Joaquim –
Professor, calma. Eu só acho que ninguém entende este tipo de filme. Bons mesmo são os filmes americanos. Estes é que empolgam as platéias. Veja que tudo quanto é filme americano sempre está com os cinemas lotados.
Então Roberto entra na discussão. E depois Monique. E mais outro aluno. Logo todos os alunos que estão em sala discutem. Uns tomando posição favorável ao cinema americano, outros radicalmente contrários a ele. O professor tenta apartar a confusão formada, mas sem querer, somente alimenta mais a discussão.
Acaba o tempo da aula. O professor tenta chamar a atenção para este “detalhe”, mas todos estão entretidos querendo provar que a sua opinião era mais valiosa que a do outro. Ele se levanta e sai da sala sem que ninguém perceba.
por Ronaldo Pelli
Pontos-de-vista
Ricardo é convocado às pressas, por telefone, horas antes da aula começar para substituir o professor Jorge Figueiras, renomado catedrático da escola de cinema, que sofrera um derrame e está internado na UTI. Ricardo deve cobri-lo nas aulas do curso de direção que começam hoje.
Ele caminha pelo corredor na direção da sala de aula. Abre a porta da sala assustado. Todos os olhos se viram procurando o autor do barulho. Anda no meio da sala em direção ao palanque. Sobe no palanque e olha para todos os alunos. Todas as espécies e tipos de aprendizes estão representados ali embaixo. Ele se apresenta e explica o motivo da ausência do professor Jorge. Escuta-se murmúrios e reclamações. Ricardo, para desviar a atenção de todos, pega a pauta e começa a fazer a chamada. Chama nome a nome e pede que todos se apresentem.
Roberto Sá Freire, professor de geografia que, parece, estacionou na década de 70. Usa boina pendurada na cabeça e não faz a barba desde quando tinha há 18 anos. Diretores preferidos: Glauber Rocha e Godard (apesar de nunca ter entendido direito).
Monique Domingues, 21 anos incompletos. Usa óculos quadradinho e adora cinema iraniano. Faz jornalismo na PUC e adorava freqüentar, no início do curso, a casinha para fumar maconha com uns neo-hippies. Mas agora tenta esquecer esse capítulo do seu passado.
Ricardo Antunes, o Boca. Adora filmes-lixo. Seu sonho é fazer parte da Pepa Filmes. Achou que o John Waters se vendeu no seu último filme - com a Melanie Grifith.
Joaquim Soares, engenheiro de som. Detesta o cinema brasileiro. Quer fazer o curso para dirigir o roteiro que ele escreveu sobre um navio transatlântico que bate num iceberg no meio do Atlântico. Trabalhou em vários filmes brasileiros, mesmo odiando-os. Acha que todo cineasta brasileiro ou é veado ou é maluco. Ou os dois.
Lane e Lena irmãs gêmeas não idênticas que fazem de tudo para se parecerem. Uma tem a pele morena e outra é mais branca que o giz. Fazem faculdade de artes plásticas e conhecem de vista Monique.
Cláudio Cardoso, o Caco. O CDF da turma. O tipo gordinho que pergunta todas as horas para poder impressionar o professor. Leila Castro, modelo e manequim. Morena de cabelos lisos até a cintura. Fez algumas pontas em filmes desconhecidos.
O professor Ricardo termina de fazer a chamada e olha para a turma. Todos parecem interessados no que ele vai falar. O que ele vai falar, nem ele sabe. “Como começar?”, fica pensando.
Depois de alguns segundos de silêncio, Ricardo olhando os alunos, os alunos olhando aquele professor jovem, a aula começa. E transcorre sem problemas até o primeiro desacordo aparecer.
O professor Ricardo dá o exemplo de “Morangos Silvestres” do Bergman e “A doce Vida” do Fellini para demonstrar duas formas possíveis para usar o “dissolve”, o recurso de corte.
Joaquim Soares levanta a mão e pede a palavra. Ricardo deixa que ele se expresse:
Joaquim Soares –
Professor, acho que eu estou aqui na minoria, mas eu detesto esses filmes pretensiosos.
Ricardo (um pouco exaltado) –
Pretensioso? O que é que você quer dizer com pretensioso? Quem você está chamando de pretensioso? Fellini? Bergman?
Joaquim –
Professor, calma. Eu só acho que ninguém entende este tipo de filme. Bons mesmo são os filmes americanos. Estes é que empolgam as platéias. Veja que tudo quanto é filme americano sempre está com os cinemas lotados.
Então Roberto entra na discussão. E depois Monique. E mais outro aluno. Logo todos os alunos que estão em sala discutem. Uns tomando posição favorável ao cinema americano, outros radicalmente contrários a ele. O professor tenta apartar a confusão formada, mas sem querer, somente alimenta mais a discussão.
Acaba o tempo da aula. O professor tenta chamar a atenção para este “detalhe”, mas todos estão entretidos querendo provar que a sua opinião era mais valiosa que a do outro. Ele se levanta e sai da sala sem que ninguém perceba.
sexta-feira, 12 de julho de 2002
Story line 2002-1
Pontos-de-vista
Ricardo é convocado às pressas para substituir o professor Jorge Figueiras, renomado catedrático da escola de cinema, que sofrera um derrame e está internado na UTI.
Sobe no palanque e olha para todos os alunos. Todas as espécies e tipos de aprendizes estão representados ali embaixo. Ele se apresenta e explica o motivo da ausência do professor Jorge. Escuta-se murmúrios e reclamações. Ricardo pega a pauta e começa a fazer a chamada com intuito de conhecer cada aluno. Chama nome a nome.
Roberto Sá Freire, professor de geografia que, parece, estacionou na década de 70. Diretores preferidos: Glauber Rocha e Godard (apesar de nunca ter entendido direito). Monique Domingues, 21 anos incompletos. Usa óculos quadradinho e adora cinema iraniano. Ricardo Antunes, o Boca. Adora filmes-lixo. Seu sonho é fazer parte da Pepa Filmes. Joaquim Soares, engenheiro de som. Detesta o cinema brasileiro. Quer fazer o curso para dirigir o roteiro que ele escreveu sobre um navio transatlântico que bate num iceberg no meio do Atlântico. Mais as irmãs Lane e Lena, Cláudio Cardoso, o CDF, Leila Castro, modelo e manequim e outros.
A aula transcorre sem problemas até o primeiro desacordo aparecer. Os que gostam de cinema americano e os que não gostam. O professor tenta apartar, mas sem querer, somente alimenta mais a discussão.
Pontos-de-vista
Ricardo é convocado às pressas para substituir o professor Jorge Figueiras, renomado catedrático da escola de cinema, que sofrera um derrame e está internado na UTI.
Sobe no palanque e olha para todos os alunos. Todas as espécies e tipos de aprendizes estão representados ali embaixo. Ele se apresenta e explica o motivo da ausência do professor Jorge. Escuta-se murmúrios e reclamações. Ricardo pega a pauta e começa a fazer a chamada com intuito de conhecer cada aluno. Chama nome a nome.
Roberto Sá Freire, professor de geografia que, parece, estacionou na década de 70. Diretores preferidos: Glauber Rocha e Godard (apesar de nunca ter entendido direito). Monique Domingues, 21 anos incompletos. Usa óculos quadradinho e adora cinema iraniano. Ricardo Antunes, o Boca. Adora filmes-lixo. Seu sonho é fazer parte da Pepa Filmes. Joaquim Soares, engenheiro de som. Detesta o cinema brasileiro. Quer fazer o curso para dirigir o roteiro que ele escreveu sobre um navio transatlântico que bate num iceberg no meio do Atlântico. Mais as irmãs Lane e Lena, Cláudio Cardoso, o CDF, Leila Castro, modelo e manequim e outros.
A aula transcorre sem problemas até o primeiro desacordo aparecer. Os que gostam de cinema americano e os que não gostam. O professor tenta apartar, mas sem querer, somente alimenta mais a discussão.
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