de maneira prática, muitos dos argumentos utilizados para influenciar alguém que não é acostumado a ler livros a fazer esse sacrifício são fracos quando não distantes de carga racional. diz-se que ao ler o livro o sujeito ganha em conhecimento, que pode vivenciar outras realidades, que se tornará uma pessoa culta.
o problema é que esse tipo de argumento ligado ao crescimento intelectual é deveras relativo, pois não existe nenhuma ligação direta entre a quantidade de livros lida e qualidade de informação depreendida. é bem provável, pode-se dizer sem sombra de muito erro, que pessoas consideradas cultas leiam bastante, mas não é raro, ainda mais hoje em dia, encontrar grandes pessoas com vasta cultura e raciocínio para lá de lógico que têm uma certa - como direi? - aversão aos livros.
não se pode fazer também uma escala de acordo com o número de livros lidos. como algo assim, sujeito leu 5 livros, logo ele é mais culto e inteligente do que aquele que leu apenas 4. existem muitas outras variáveis que intereferem de maneira direta nesse jogo para que seja resumido assim.
ou seja, de todos os argumentos, por mais que sejam de ótimas intenções, não convencem ninguém que não queira ser convencido. ainda mais se falarmos que vivemos numa geração em que, para prender a atenção dos espectadores, deve-se propor novas idéias e motivações a cada 4 segundos. a televisão, mtv, e propagandas em geral estão ai que não me fazem mentir. é uma estética em que nós, a garotada, não estamos acostumados. se não existir nada que fale a língua exata, a gente muda de canal. fácil como um zapping.
para citar um leitor dos mais gananciosos, se eu não estiver enganado (o que eu duvido), borges disse certa vez que há duas maneiras de reter conhecimento, através dos livros e vivendo o que os livros contam. mas, mesmo a frase definitiva do argentino é relativa. como poderemos afirmar que ele está certo, tirando o fato do escritor ser um dos homens mais inteligentes do século xx (pausa para dizer que o próprio conceito de inteligente é relativo, principalmente ao considerarmos o objeto de estudo que nunca teve uma família das tradicionais, com filhos e uma esposa que viveu durante anos etc etc etc)
o que me chamou a atenção no último final de semana, e é apenas um chute no escuro, é que, como já foi afirmado por diversos pensadores, dentre eles o divisor de águas da psicanálise carl jung, o humano só consegue produzir pouquíssimas variações de temas. ele - jung - chamou de arquétipos humanos. o próprio borges dizia-se um amontoado de referências, numa ligação direta com a falta de originalidade do mundo e dos humanos. porém, o escritor argentino também afirma ao longo de sua extensa obra que é impossível haver alguma cópia de qualquer coisa que seja. por mais que se fotocopie um documento, o final não será exatamente igual ao primeiro, pois estará em outro local no mesmo espaço de tempo, logo sendo outra coisa. um outro exemplo tátil é tentar copiar um arquivo ou pasta dentro do sistema windows. é impossível colocar o mesmo nome do primeiro, no máximo o chamará como cópia do arquivo original.
bem, com isso, para voltar ao tema inicial, basta entender que se o ser humano é finito nas suas invenções, e que poderemos conhecer todas essas variações sobre o mesmo tema, basta lermos sobre essas variações, que povoam a cabeça de todos os ficcionistas, e poderemos aprender em segunda-mão sobre o próprio ser-humano, assim sendo, vc mesmo.
é claro que para acreditar nisso tudo, deve-se ter fé em algo impalpável, como a teoria do jung dos arquétipos. quem me provará que ela é verdadeira senão eu mesmo? mas, com isso em mente, basta seguir um raciocínio lógico para chegar a uma conclusão óbvia, livros trazem conhecimento.
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li em mais de um jornal hoje que a ciência nada mais é do que uma religião disfarçada. acredita-se cegamente na razão. interessante isso.
segunda-feira, 30 de dezembro de 2002
segunda-feira, 23 de dezembro de 2002
Não é novidade nenhuma que “a grande tendência” sempre se aproveita das inovações propostas pela juventude – ou qualquer outro grupo representativo – para transforma-la em moda, ou como melhor se encaixa, em modismo.
O processo é simples. Inova-se e espanta-se. Entende-se e assimila-se. Destrói-se o genuíno e se produz em série. Com bonecos numerados em tamanho natural.
O movimento rock, coitado, é um alvo da “grande tendência” desde que foi inventado. Era muita energia sendo canalizada para algo, digamos, improdutível, no conceitual medíocre da sociedade. Visivelmente alguém iria se aproveitar disso. Usemos o punk como estudo de caso, por estar mais à mão.
Foi criado a partir de uma tendência que se fazia necessária dentro de uma Londres atormentada por greves e problemas com as “reformas” trabalhistas propostas pelo partido conservador britânico. Pode-se até dizer que era uma onda que assolava o mundo inteiro à época, como se todos quisessem, ao mesmo tempo, dizer que não era bem assim que eles acreditavam que o mundo deveria seguir, que o “flower power” não tinha a energia que eles precisavam gastar, que simplesmente detestavam o estabilishment por ser estabilishment. Mas a essência do movimento, não é possível negar, foi fomentada por uma boutique que necessitava modificar o seu portfólio.
Vivemos numa ressaca que dura quase uma década à procura de um novo messias depois que o Nirvana acabou. Milhares de pseudo-Kurt Cobain se apresentam diariamente se oferecendo em sacrifício pela obra, uns menos outros mais interessados, mas todos pecam por um simples detalhe, excesso de desejo pelo resultado final.
Como se todos quisessem se transformar em mártires sem ter que passar pelas provas e privações a que todos os mártires devem passar. Ou que querem colher os resultados sem antes plantar nada substantivo.
Alguns menos medíocres, mas apresentando resultados da mesma forma infrutíferos, tentam viver a mesma, exatamente a mesma vida que já foi de outro. Assim, além de não ter nada de genuíno, pecam pela falta de originalidade, que são duas coisas parecidas, mas diferentes.
O que torna espinhenta a luta pelo caminho é que, mais dia, menos dia, a “grande tendência” o alcançará. Como acontece com o lobo mau para as crianças, a “grande tendência” vai te pegar.
A “grande tendência” não inventa. Ela copia a invenção e massifica para o acesso de todos. E qualquer produto em série pode vir com erro de fabricação. E não podemos ligar para um procon da vida para reclamar se não gostarmos ou se percebemos que fomos enganados a cada cd que abrimos.
Vivemos num mundo de genuinidade falsa. Produz-se o novo em máquinas, seguindo padrões internacionais de segurança, de risco e perigo calculados. O verdadeiro genuíno é perigoso, mortífero e venenoso. É o limite, faz-se porque é necessário. A inovação é assumir riscos desnecessários, apenas pelo prazer.
Talvez, e isso é que é o mais interessante, o próximo genuíno venha de outra fonte. Como o Dapieve disse há mais de um ano atrás, “o rock morreu”. Kurt Cobain só nos forneceu a data para colocarmos na lápide. Como acontecera com o jazz em era passadas, o rock se transforma num segmento para maduros.
O que não deixa de ser uma ironia do destino. O movimento que desde seu surgimento pregou para viver o máximo possível e morrer jovem (talvez para evitar a vergonha de se encontrar com sua obra inacabada e descobrir que não, você não mudou o mundo) será ministrado, daqui para frente, por senhores respeitosos, barrigudos e carecas, com suas roupas, cuidadosamente rasgadas e rebeldia perfeitamente ensaiada.
Já o genuíno, a invenção, o novo, o jovem, vem da eletrônica. E por mais que existam sinais que a “grande tendência” já sabe disso, ainda há terreno para manobras virgens. E como estamos falando da música eletrônica, o número de combinações é próximo do infinito.
A e-music é o exemplo perfeito para a contemporaneidade. É uma música de colagens, referências, sobreposições, e, principalmente, de tecnologia. Faz-se músicas com computadores e só com computadores. Os instrumentos, como o conhecemos, também morreram. Faz-se música da sua casa, onde quer que você more. Faz-se músicas sem saber fazer música. Basta o interesse e um programinha de computador que é possível baixar de sites especializados. Nunca o legado punk, do “do it yourself”, foi levado tão ao pé da letra.
Dentro da própria música eletrônica já nasce divisões, sub-divisões e tendências. Alguns defendem o retorno a uma eletrônica mais crua, sem uso excessivo de tantos recursos informáticos, outros apostam no experimentalismo com tudo o que puder ser usado, outros usam a mesma batida para produzir músicas parecidas, ainda há os que mesclam tudo isso num mesmo caldeirão, os que produzem músicas de outros gêneros só com recursos eletrônicos, os que misturam gêneros já conhecidos para produzir outra coisa, os que destroem os gêneros e as barreiras... Ou seja, tudo dentro dos conformes.
E se hoje inova-se, se assusta, amanhã se consolida, se acostuma, depois de amanhã, se repete, se assimila e se produz em série. Haverá os Lennons, os Mcartneys, os Sid Vicious, os Roger Waters, grupos, no caso, produtores e djs, do peso de Clash, ou The Smith, Led Zeppelin, movimentos que abalaram estruturas como Seattle, Woodstock, ou o próprio Punk. Nada da forma como estamos acostumados, tudo completamente diferente, mas com um gostinho de “já ouvi essa música antes. Onde é que foi mesmo?”
O processo é simples. Inova-se e espanta-se. Entende-se e assimila-se. Destrói-se o genuíno e se produz em série. Com bonecos numerados em tamanho natural.
O movimento rock, coitado, é um alvo da “grande tendência” desde que foi inventado. Era muita energia sendo canalizada para algo, digamos, improdutível, no conceitual medíocre da sociedade. Visivelmente alguém iria se aproveitar disso. Usemos o punk como estudo de caso, por estar mais à mão.
Foi criado a partir de uma tendência que se fazia necessária dentro de uma Londres atormentada por greves e problemas com as “reformas” trabalhistas propostas pelo partido conservador britânico. Pode-se até dizer que era uma onda que assolava o mundo inteiro à época, como se todos quisessem, ao mesmo tempo, dizer que não era bem assim que eles acreditavam que o mundo deveria seguir, que o “flower power” não tinha a energia que eles precisavam gastar, que simplesmente detestavam o estabilishment por ser estabilishment. Mas a essência do movimento, não é possível negar, foi fomentada por uma boutique que necessitava modificar o seu portfólio.
Vivemos numa ressaca que dura quase uma década à procura de um novo messias depois que o Nirvana acabou. Milhares de pseudo-Kurt Cobain se apresentam diariamente se oferecendo em sacrifício pela obra, uns menos outros mais interessados, mas todos pecam por um simples detalhe, excesso de desejo pelo resultado final.
Como se todos quisessem se transformar em mártires sem ter que passar pelas provas e privações a que todos os mártires devem passar. Ou que querem colher os resultados sem antes plantar nada substantivo.
Alguns menos medíocres, mas apresentando resultados da mesma forma infrutíferos, tentam viver a mesma, exatamente a mesma vida que já foi de outro. Assim, além de não ter nada de genuíno, pecam pela falta de originalidade, que são duas coisas parecidas, mas diferentes.
O que torna espinhenta a luta pelo caminho é que, mais dia, menos dia, a “grande tendência” o alcançará. Como acontece com o lobo mau para as crianças, a “grande tendência” vai te pegar.
A “grande tendência” não inventa. Ela copia a invenção e massifica para o acesso de todos. E qualquer produto em série pode vir com erro de fabricação. E não podemos ligar para um procon da vida para reclamar se não gostarmos ou se percebemos que fomos enganados a cada cd que abrimos.
Vivemos num mundo de genuinidade falsa. Produz-se o novo em máquinas, seguindo padrões internacionais de segurança, de risco e perigo calculados. O verdadeiro genuíno é perigoso, mortífero e venenoso. É o limite, faz-se porque é necessário. A inovação é assumir riscos desnecessários, apenas pelo prazer.
Talvez, e isso é que é o mais interessante, o próximo genuíno venha de outra fonte. Como o Dapieve disse há mais de um ano atrás, “o rock morreu”. Kurt Cobain só nos forneceu a data para colocarmos na lápide. Como acontecera com o jazz em era passadas, o rock se transforma num segmento para maduros.
O que não deixa de ser uma ironia do destino. O movimento que desde seu surgimento pregou para viver o máximo possível e morrer jovem (talvez para evitar a vergonha de se encontrar com sua obra inacabada e descobrir que não, você não mudou o mundo) será ministrado, daqui para frente, por senhores respeitosos, barrigudos e carecas, com suas roupas, cuidadosamente rasgadas e rebeldia perfeitamente ensaiada.
Já o genuíno, a invenção, o novo, o jovem, vem da eletrônica. E por mais que existam sinais que a “grande tendência” já sabe disso, ainda há terreno para manobras virgens. E como estamos falando da música eletrônica, o número de combinações é próximo do infinito.
A e-music é o exemplo perfeito para a contemporaneidade. É uma música de colagens, referências, sobreposições, e, principalmente, de tecnologia. Faz-se músicas com computadores e só com computadores. Os instrumentos, como o conhecemos, também morreram. Faz-se música da sua casa, onde quer que você more. Faz-se músicas sem saber fazer música. Basta o interesse e um programinha de computador que é possível baixar de sites especializados. Nunca o legado punk, do “do it yourself”, foi levado tão ao pé da letra.
Dentro da própria música eletrônica já nasce divisões, sub-divisões e tendências. Alguns defendem o retorno a uma eletrônica mais crua, sem uso excessivo de tantos recursos informáticos, outros apostam no experimentalismo com tudo o que puder ser usado, outros usam a mesma batida para produzir músicas parecidas, ainda há os que mesclam tudo isso num mesmo caldeirão, os que produzem músicas de outros gêneros só com recursos eletrônicos, os que misturam gêneros já conhecidos para produzir outra coisa, os que destroem os gêneros e as barreiras... Ou seja, tudo dentro dos conformes.
E se hoje inova-se, se assusta, amanhã se consolida, se acostuma, depois de amanhã, se repete, se assimila e se produz em série. Haverá os Lennons, os Mcartneys, os Sid Vicious, os Roger Waters, grupos, no caso, produtores e djs, do peso de Clash, ou The Smith, Led Zeppelin, movimentos que abalaram estruturas como Seattle, Woodstock, ou o próprio Punk. Nada da forma como estamos acostumados, tudo completamente diferente, mas com um gostinho de “já ouvi essa música antes. Onde é que foi mesmo?”
sexta-feira, 20 de dezembro de 2002
A arte de escrever crônicas deve-se muito da capacidade do cronista em conseguir tergiversar de maneira altamente agradável sobre a falta de assunto, muitas vezes visto com menos importância do que os ditos grandes assuntos da humanidade, como política, artes, relações interpessoais e, principalmente, etc.
Muitas vezes, o cronista, esse artista que consegue tirar água de pedra, sempre renegado a um segundo plano, faz um junção de um assunto dito popular para elucidar uma grande questão. Outras vezes não. Apenas esvazia a cabeça de uma pauta que martela durante semanas nos neurônios. Nessas horas, nós leitores, somos brindados com uma excepcional capacidade dos cronistas em narrar o nada, ou apenas o nada cotidiano de maneira a completar o espaço vazio. Já até ouvi de um cronista renomado que a maior musa dele era o papel em branco.
E lemos crônicas belíssimas sobre nenhum assunto específico, ou sobre o branco, ou sobre a necessidade de escrever uma crônica. Muitos cronistas sofrem de um complexo de culpa enorme, quando não utilizam os recursos dos ditos grandes assuntos. Outros são especialistas em dialogar sobre o nosso dia-a-dia.
Essa mea culpa serve de introdução para um assunto que me acompanha há alguns meses já. Como a tecnologia influencia a nossa comunicação. Não me refiro agora a uma mudança de modos de viver, e de trocar informações à distância, por mais que isso comprovadamente aconteça. Mas de uma transformação da nossa linguagem mesmo, do nosso modo de falar ao entrar no elevador, ao nos relacionar no trabalho, ao conversar no bar.
É fato mais que batido que a língua é um organismo vivo muito parecido com aqueles polvos de filmes de terror antigo os quais se alimentam de todas as formas de comunicação que seus tentáculos podem alcançar. O próprio português é uma maneira mais aberta de falar o espanhol, quase um castelhano do Porto, que por sua vez já foi uma mudança do original latim. E são incontáveis as palavras que adaptamos e utilizamos provenientes de outras línguas. De cabeça lembro algumas: bidê, garagem, garçom, arroz, souvenir e mais uma porção que se começasse a listar, o texto ficaria só com a palavras soltas.
Mas a influência da tecnologia é uma situação nova. Por mais que o processo seja o mesmo, do englobamento de palavras de idiomas estrangeiras pelo português, há uma modificação de certos comportamentos e de, principalmente, de alguns ditados populares. (aqui começa o caráter de “texto sobre o nada” que foi alertado no início).
Quando alguém dizia “Vingança é um prato que se come pelas beiradas”, referia-se ao fato de que, quando uma comida qualquer é colocada dentro de uma recipiente qualquer, o seu centro fica muito mais quente do que as beiradas. Logo, quem comia pelas beiradas é mais esperto, pois não queima a boca, e tem mais paciência por não pegar o centro (objetivo de todo mundo que se alimenta, logo todo mundo mesmo) no início. Para fechar o raciocínio, quem quisesse ser vingativo devia ter paciência e ser esperto, de outra forma se daria mal. Com o forno de microondas tudo se modificou.
Ao sair de dentro do forninho, o recipiente com a comida se torna difícil e carregar, tamanha é a quentura do prato. E para contrariar o ditado que aprendemos desde o nascimento, o centro é o lugar menos quente de todo o vasilhame. Se você não quiser queimar a boca, comece pelo centro, que bem provavelmente estará até um pouco gelado. O aconselhável é, na medida do possível para não transformar seu almoço ou janta num samba do crioulo doido, misturar as partes, meio e beiradas, para que assim, os seus calores se equivalham e você não queima a boca nem fique irritado com uma parte da sopa ainda gelada.
Ou seja, a “Vingança” não é mais um prato que se come pelas beiradas. Até pode ser “um prato que se come frio”, e isso é inegável, mas não pelas beiradas. Apenas nos casos que a comida é feita no fogão tradicional. Como quase ninguém tem mais tempo de fazer a comida da maneira “tradicional”, percebemos uma modificação da nossa linguagem através do uso da tecnologia.
Isso sem falar em termos que se não fosse a tecnologia, nós nunca iríamos saber que existem, download, atachar, deletar, (essas duas já aportuguesadas). E sobre a atual onda, ou moda, principalmente no mundo de “negócios” de usar o inglês para tudo. Nada contra, sou um grande usurpador da língua inglesa também, mas “downsizing”, “fyk” e “regards” para mim, já é demais. Nunca pensei em um limite para isso, mas que dever haver, em algum lugar que não sei onde é, deve haver.
Sério agora. Como todas as modas, essa tem as suas vantagens e suas desvantagens. A maior vantagem, a meu ver de preguiçoso, é precisar apenas aprender uma língua para poder se comunicar com todo o mundo. Como se tivessem “inventado” o esperanto.
As partes ruins mais visíveis são, sem ordem, por favor, que o inglês é a língua dos americanos e eles não precisavam de mais essa para se sentirem os donos do mundo. Já bastava bajularmos todos os dias quando falamos “internet”, “e-mail”, “inbox” para alimentarmos a prepotência dele. E a exclusão que a língua única implica. Quem não souber o inglês fará parte de um grupo a parte. (sem contar com a morte prematura das outras línguas. Ou a transformação em apenas dialetos sem a menor importância).
Mas, para demonstrar algum otimismo, e conhecimento das cousas que acontecem ao redor no mundo, me lembro de uma clássica cena do “blade runner”, do Ridlley Scott. Quando o Harrison Ford entra na loja do chinês que se comunica numa mistura de inglês, chinês e espanhol. Se o inglês influencia todas as outras línguas por ser a representante oficial do império, outras línguas infectam já, como vírus, o interior da célula-mater.
É visível que a intensa imigração dos chicanos para os eua constituiu uma comunidade completamente à parte daquela vista como perfeita pelos integrantes da wasp americana. Existem grupos inteiros de pessoas que já se comunicam em dialetos diferentes do inglês, numa corruptela do espanhol misturado à ginga dos negros do harlem (mesmo os que ficam há milhares de quilômetros do bairro novaiorquino).
E isso não acontece somente nos eua, mas em todo país que cresceu, teve colônias e agora quer fechar as portas para a onda de imigrantes dos países colonizados que tentam, ao voltar para o país-sede, um pedaço do quinhão a que, acham, tem direito. Como se fosse uma resposta irônica do destino. Como se dissessem, já que não posso competir com vocês, vou morar na casa de vocês para mostrar todos os dias o meu rosto diferente. Todas as vezes, quando vocês passarem por mim nas ruas, que eu estiver pedindo esmolas, limpando vidros, ou apenas vendendo quinquilharias nas esquinas, não se esqueçam que foram vocês que pediram isso.
Mas por que eu escrevia isso?
Muitas vezes, o cronista, esse artista que consegue tirar água de pedra, sempre renegado a um segundo plano, faz um junção de um assunto dito popular para elucidar uma grande questão. Outras vezes não. Apenas esvazia a cabeça de uma pauta que martela durante semanas nos neurônios. Nessas horas, nós leitores, somos brindados com uma excepcional capacidade dos cronistas em narrar o nada, ou apenas o nada cotidiano de maneira a completar o espaço vazio. Já até ouvi de um cronista renomado que a maior musa dele era o papel em branco.
E lemos crônicas belíssimas sobre nenhum assunto específico, ou sobre o branco, ou sobre a necessidade de escrever uma crônica. Muitos cronistas sofrem de um complexo de culpa enorme, quando não utilizam os recursos dos ditos grandes assuntos. Outros são especialistas em dialogar sobre o nosso dia-a-dia.
Essa mea culpa serve de introdução para um assunto que me acompanha há alguns meses já. Como a tecnologia influencia a nossa comunicação. Não me refiro agora a uma mudança de modos de viver, e de trocar informações à distância, por mais que isso comprovadamente aconteça. Mas de uma transformação da nossa linguagem mesmo, do nosso modo de falar ao entrar no elevador, ao nos relacionar no trabalho, ao conversar no bar.
É fato mais que batido que a língua é um organismo vivo muito parecido com aqueles polvos de filmes de terror antigo os quais se alimentam de todas as formas de comunicação que seus tentáculos podem alcançar. O próprio português é uma maneira mais aberta de falar o espanhol, quase um castelhano do Porto, que por sua vez já foi uma mudança do original latim. E são incontáveis as palavras que adaptamos e utilizamos provenientes de outras línguas. De cabeça lembro algumas: bidê, garagem, garçom, arroz, souvenir e mais uma porção que se começasse a listar, o texto ficaria só com a palavras soltas.
Mas a influência da tecnologia é uma situação nova. Por mais que o processo seja o mesmo, do englobamento de palavras de idiomas estrangeiras pelo português, há uma modificação de certos comportamentos e de, principalmente, de alguns ditados populares. (aqui começa o caráter de “texto sobre o nada” que foi alertado no início).
Quando alguém dizia “Vingança é um prato que se come pelas beiradas”, referia-se ao fato de que, quando uma comida qualquer é colocada dentro de uma recipiente qualquer, o seu centro fica muito mais quente do que as beiradas. Logo, quem comia pelas beiradas é mais esperto, pois não queima a boca, e tem mais paciência por não pegar o centro (objetivo de todo mundo que se alimenta, logo todo mundo mesmo) no início. Para fechar o raciocínio, quem quisesse ser vingativo devia ter paciência e ser esperto, de outra forma se daria mal. Com o forno de microondas tudo se modificou.
Ao sair de dentro do forninho, o recipiente com a comida se torna difícil e carregar, tamanha é a quentura do prato. E para contrariar o ditado que aprendemos desde o nascimento, o centro é o lugar menos quente de todo o vasilhame. Se você não quiser queimar a boca, comece pelo centro, que bem provavelmente estará até um pouco gelado. O aconselhável é, na medida do possível para não transformar seu almoço ou janta num samba do crioulo doido, misturar as partes, meio e beiradas, para que assim, os seus calores se equivalham e você não queima a boca nem fique irritado com uma parte da sopa ainda gelada.
Ou seja, a “Vingança” não é mais um prato que se come pelas beiradas. Até pode ser “um prato que se come frio”, e isso é inegável, mas não pelas beiradas. Apenas nos casos que a comida é feita no fogão tradicional. Como quase ninguém tem mais tempo de fazer a comida da maneira “tradicional”, percebemos uma modificação da nossa linguagem através do uso da tecnologia.
Isso sem falar em termos que se não fosse a tecnologia, nós nunca iríamos saber que existem, download, atachar, deletar, (essas duas já aportuguesadas). E sobre a atual onda, ou moda, principalmente no mundo de “negócios” de usar o inglês para tudo. Nada contra, sou um grande usurpador da língua inglesa também, mas “downsizing”, “fyk” e “regards” para mim, já é demais. Nunca pensei em um limite para isso, mas que dever haver, em algum lugar que não sei onde é, deve haver.
Sério agora. Como todas as modas, essa tem as suas vantagens e suas desvantagens. A maior vantagem, a meu ver de preguiçoso, é precisar apenas aprender uma língua para poder se comunicar com todo o mundo. Como se tivessem “inventado” o esperanto.
As partes ruins mais visíveis são, sem ordem, por favor, que o inglês é a língua dos americanos e eles não precisavam de mais essa para se sentirem os donos do mundo. Já bastava bajularmos todos os dias quando falamos “internet”, “e-mail”, “inbox” para alimentarmos a prepotência dele. E a exclusão que a língua única implica. Quem não souber o inglês fará parte de um grupo a parte. (sem contar com a morte prematura das outras línguas. Ou a transformação em apenas dialetos sem a menor importância).
Mas, para demonstrar algum otimismo, e conhecimento das cousas que acontecem ao redor no mundo, me lembro de uma clássica cena do “blade runner”, do Ridlley Scott. Quando o Harrison Ford entra na loja do chinês que se comunica numa mistura de inglês, chinês e espanhol. Se o inglês influencia todas as outras línguas por ser a representante oficial do império, outras línguas infectam já, como vírus, o interior da célula-mater.
É visível que a intensa imigração dos chicanos para os eua constituiu uma comunidade completamente à parte daquela vista como perfeita pelos integrantes da wasp americana. Existem grupos inteiros de pessoas que já se comunicam em dialetos diferentes do inglês, numa corruptela do espanhol misturado à ginga dos negros do harlem (mesmo os que ficam há milhares de quilômetros do bairro novaiorquino).
E isso não acontece somente nos eua, mas em todo país que cresceu, teve colônias e agora quer fechar as portas para a onda de imigrantes dos países colonizados que tentam, ao voltar para o país-sede, um pedaço do quinhão a que, acham, tem direito. Como se fosse uma resposta irônica do destino. Como se dissessem, já que não posso competir com vocês, vou morar na casa de vocês para mostrar todos os dias o meu rosto diferente. Todas as vezes, quando vocês passarem por mim nas ruas, que eu estiver pedindo esmolas, limpando vidros, ou apenas vendendo quinquilharias nas esquinas, não se esqueçam que foram vocês que pediram isso.
Mas por que eu escrevia isso?
sábado, 14 de dezembro de 2002
Comédia da Vida Privada
Um pequeno preâmbulo primeiro: Quem dirá que o ano de 2002 não foi o ano dos documentários? Os motivos podem ser diversos – e eu aposto com mais entusiasmo na necessidade das pessoas de verem a vida real na tela, o que pode ser traduzido também pela moda de programas como shows da realidade na tv. Embora (é necessário admitir) seja difícil considerar qualquer tipo de filme um retrato completo da realidade, pela própria presença da câmera que inibe e ou força aos participantes à encenação. Deve-se lembrar, contudo, que o documentário tem como definição primordial “documentar” o que se passa em determinado assunto, logo retratar o real, o que nos faz voltar ao início. Mas chega de antropologia de botequim, vamos aos fatos.
Como é (ou deveria ser) sabido por todos, “Edifício Master”, do hors-concours Eduardo Coutinho, é uma colheita de depoimentos dentro de um prédio no bairro mais heterogêneo no Brasil, talvez: Copacabana. Por uma série de fatores (Copa já foi um bairro elegante há décadas atrás. Junto a isso, sofreu uma forte especulação imobiliária, que construiu espigões de quitinetes, e mais milhares de pequenos outros fatores que colocam Copa no meio do caminho entre a elite elegante do passado e a suburbanização total, no pior dos sentidos, que talvez só se salvou pela proximidade da praia e a distância do resto do mundo), só em Copacabana podemos encontrar um retrato médio fiel de quem somos nós. Nós que freqüentamos cinemas, que temos contas e mais contas para pagar, que suamos para fazermos um curso de inglês, que enviamos os filhos uma vez na vida para a Disney, que vamos à praia religiosamente aos domingos, que compomos a tal da classe média carioca e brasileira.
Foi como se o Coutinho tivesse substituído a tela de cinema por um imenso espelho e, ao entrarmos na sala de projeção víssemos nós mesmos, com nossos problemas de violência nas ruas, de emigração para os países ricos, ou com brigas em casamentos, medo da solidão, esperança em mudança de cidade para realizar algum sonho. São várias crônicas como as “Comédias da Vida Privada”, do Veríssimo, ou “Os Normais”, na tela, que fazem-nos rir por vermos nós mesmos ali em frente. Só que no caso do Coutinho, todas as histórias contadas são reais. Ou eles me enganaram direitinho.
O documentário é simples. Bastou colocar uma câmera em cima do ombro, fazer uma pesquisa anterior bem detalhada, e ter um entrevistador com voz de deus, como o próprio Eduardo Coutinho. Ao contrário do outro grande documentário do ano – “Bowling for Columbine”, do Michael Moore – “Edifício Master” é um filme simplista, de pequenas histórias, de gente comum. Mas, é ai que reside o seu maior mérito.
Um pequeno preâmbulo primeiro: Quem dirá que o ano de 2002 não foi o ano dos documentários? Os motivos podem ser diversos – e eu aposto com mais entusiasmo na necessidade das pessoas de verem a vida real na tela, o que pode ser traduzido também pela moda de programas como shows da realidade na tv. Embora (é necessário admitir) seja difícil considerar qualquer tipo de filme um retrato completo da realidade, pela própria presença da câmera que inibe e ou força aos participantes à encenação. Deve-se lembrar, contudo, que o documentário tem como definição primordial “documentar” o que se passa em determinado assunto, logo retratar o real, o que nos faz voltar ao início. Mas chega de antropologia de botequim, vamos aos fatos.
Como é (ou deveria ser) sabido por todos, “Edifício Master”, do hors-concours Eduardo Coutinho, é uma colheita de depoimentos dentro de um prédio no bairro mais heterogêneo no Brasil, talvez: Copacabana. Por uma série de fatores (Copa já foi um bairro elegante há décadas atrás. Junto a isso, sofreu uma forte especulação imobiliária, que construiu espigões de quitinetes, e mais milhares de pequenos outros fatores que colocam Copa no meio do caminho entre a elite elegante do passado e a suburbanização total, no pior dos sentidos, que talvez só se salvou pela proximidade da praia e a distância do resto do mundo), só em Copacabana podemos encontrar um retrato médio fiel de quem somos nós. Nós que freqüentamos cinemas, que temos contas e mais contas para pagar, que suamos para fazermos um curso de inglês, que enviamos os filhos uma vez na vida para a Disney, que vamos à praia religiosamente aos domingos, que compomos a tal da classe média carioca e brasileira.
Foi como se o Coutinho tivesse substituído a tela de cinema por um imenso espelho e, ao entrarmos na sala de projeção víssemos nós mesmos, com nossos problemas de violência nas ruas, de emigração para os países ricos, ou com brigas em casamentos, medo da solidão, esperança em mudança de cidade para realizar algum sonho. São várias crônicas como as “Comédias da Vida Privada”, do Veríssimo, ou “Os Normais”, na tela, que fazem-nos rir por vermos nós mesmos ali em frente. Só que no caso do Coutinho, todas as histórias contadas são reais. Ou eles me enganaram direitinho.
O documentário é simples. Bastou colocar uma câmera em cima do ombro, fazer uma pesquisa anterior bem detalhada, e ter um entrevistador com voz de deus, como o próprio Eduardo Coutinho. Ao contrário do outro grande documentário do ano – “Bowling for Columbine”, do Michael Moore – “Edifício Master” é um filme simplista, de pequenas histórias, de gente comum. Mas, é ai que reside o seu maior mérito.
quinta-feira, 12 de dezembro de 2002
O homem sem olfato
por Ronaldo Pelli
SEQÜÊNCIA UM – CENA UM – FARMÁCIA – INT/DIA
ANDRÉ entra numa farmácia com uma receita na mão. Um pouco depois dele, entra uma loira muito atraente. Há dois balconistas: um velho e barrigudo e um magricelo e alto chamado apenas de ZÉ na farmácia. André e a Loura chegam juntos no balcão, e André estica o braço para que um dos balconistas a pegasse. Os dois balconistas ignoram André e vão atender a loura. André observa a cena com uma expressão distante do que acontecia.
Balconista mais velho (para a loura) – Pois não?
André balança a receita.
Balconista mais velho (para o ZÉ) – Zé, atende o moço...
Zé (para o outro balconista) – Por que eu?
Balconista (para o Zé) – Porque EU vou atender a moça. (para a loura) Pois não?
Moça Loura – Vocês têm Ponstan?
Zé (para André, de maneira ríspida) – o que é?
André entrega o papel para o balconista que o atendeu.
Zé (olha desdenhando para o papel) – Tu tá com algum problema no nariz?
Zé (fala baixo por vergonha) – o médico disse que pode melhorar com os remédios... é horrível não sentir mais os cheiros...
No mesmo momento, a Loura sai do balcão agradecendo.
Loura – Obrigada.
Balconista mais velho (fala olhando para ela se afastando) – de nada, volte sempre. (Quando ela está longe) Nossa, que gostosa, você viu Zé?
Zé (para o balconista apontando para André) – e que cheiro. Esse aqui é que não sentiu nada...
SEQÜÊNCIA DOIS - CENA UM - QUARTO DE JOANA - INT/DIA
JOANA, vestida apenas com calcinha e sutiã e a toalha na cabeça, coloca um vestido preto curto na frente do corpo e se olha no espelho, enquanto segura um outro azul com a outra mão. Podemos ver no quarto de Joana algumas fotos antigas dela com André, dela com a família, de uma viagem que fizera para fora do país. Em cima da cama jogada, encontram-se algumas revistas de moda com dicas de cuidados com o corpo. Ela troca de vestido, olha para o preto e depois para o azul, olha para a cama, onde há um par de sandálias marrons, escolhe o azul.
SEQÜÊNCIA DOIS - CENA DOIS - QUARTO DE JOANA - INTERIOR / DIA
Joana dá os últimos retoques na maquiagem, com o rímel nos cílios. Acaba de passar, guarda o pincel e pega uma caixa de dentro do armário. Tira o perfume de dentro e pulveriza. Dá um sorriso para o espelho, limpa um dente sujo de batom e sai do quarto.
SEQÜÊNCIA DOIS - CENA TRÊS - SALA DE JOANA - INTERIOR / DIA
Joana atravessa a sala e antes de chegar à porta, a maçaneta vira e a porta se abre. MÁRCIA vestida com roupa de ginástica chega em casa. Márcia abre a porta, observa Joana e antes de fechar a porta, fala:
Márcia - Nossa! Aonde nós vamos hoje?
Joana (simpática, faz pose) - Estou bonita?
Márcia - Linda e (fecha os olhos) cheirosíssima. Que perfume é esse?
Joana - O André que me deu. Márcia,tenho que ir. Não me espere para jantar, vou encontrar o André num restaurante perto da casa dele. Nós vamos conversar.
Márcia - Conversar? Sei... Sabia que vocês acabariam voltando. Vocês foram feitos um para o outro.
Joana - Tomara. Tenho mesmo que ir. Depois a gente conversa melhor.
Márcia - Depois você me conta tudo o que aconteceu, ta?
Joana - Pode deixar que eu conto. O elevador chegou. Tchau, Márcia.
Joana sai de casa com pressa para pegar o elevador.
Márcia - Tchau, Joana.
SEQÜÊNCIA TRÊS – CENA UM – RUA PERTO DO RESTAURANTE – EXT/NOITE
Anoitece, André anda na rua, com as mãos nos bolsos, observando todo o movimento, e displicente com o chão que pisa. Observa na esquina da rua um quiosque que vende flores e artigos botânicos. André caminha um pouco mais devagar ao se aproximar do quiosque. Em frente ao quiosque, há cocô de cachorro. André, distraído, não repara. Pára de andar, pisando bem em cima do cocô de cachorro. Pega uma flor de um vermelho forte, esfrega os dedos nas pétalas e depois aproxima a mão do nariz. Decepcionado, balança a cabeça, olha para o relógio e arregala os olhos. Sai pela rua apressadamente.
SEQÜÊNCIA QUATRO - CENA UM - SALÃO DO RESTAURANTE - INT/NOITE
André entra correndo no restaurante. O restaurante não é caro, mas preza pelos serviços de qualidade. Joana tem uma cestinha com algum pão e duas garrafas de água vazias na sua frente, mas abre um sorriso quando o vê. Um garçom vem oferecer uma mesa para ele, mas ele dispensa e aponta para Joana, ela se encosta à cadeira com um sorriso. Ele se aproxima da mesa dela, abaixa, dá um beijo no seu rosto demorado.
André (fala em voz baixa por causa do atraso)- Oi.
No instante em que André se senta, Joana funga uma, duas vezes, sente um cheiro estranho, mas ignora.
Joana (com um sorriso)- Oi.
Ele se senta na frente dela.
André - Desculpe o atraso...
Joana (ainda com o sorriso) - Não faz mal...
André (se desculpando)- É que tive que passar no médico antes de vir para cá e me atrapalhei todo com isso...
Joana - Médico? O que houve?
André (envergonhado)- Nada não. Fui apenas pegar uns resultados de exame.
Joana - Mas, o que ele falou?
André - Nada, nada importante...
Garçom (pigarreia e interrompe) - Desculpe, mas você gostaria de beber algo?
André (olha para o garçom) - Um chope, por favor. (olha para Joana) Você quer também um chope?
Joana - Sim, claro.
André (olha para o garçom) - então, me vê dois chopes, por favor. (André se vira para Joana, e como se lembrasse, volta-se para o garçom) Sem colarinho, por favor.
Garçom - sim, senhor. Pode deixar.
Joana - Mas fala o que você tava falando.
André - O que eu tava falando?
Joana - Sobre o médico e tal...
André (envergonhado) - Ah, sim. Sei. Ah, não foi nada demais. Fiz uns exames e não deu nada importante. Só que eu...
No mesmo instante, Joana funga e sente novamente o cheiro ruim novamente. O garçom chega com os chopes e coloca na mesa.
André - Um brinde.
Joana - Um brinde.
André - A nós. A uma segunda chance.
SEQÜÊNCIA QUATRO - CENA DOIS - SALÃO DO RESTAURANTE - INT/NOITE
Na mesa onde estão sentados, há algumas tulipas vazias. André está com a mão levantada pedindo mais dois chopes para o garçom.
Joana - Eu vou ao banheiro.
André - Você se importa de eu pedir alguma coisa para beliscar?
Joana (sorri) - Claro que não.
Joana caminha para o banheiro e André a acompanha. O garçom chega com mais duas tulipas e coloca em cima da mesa. Funga duas vezes e disfarça. André está com o cardápio aberto.
André - Esse repolho recheado vem com uma porção caprichada?
Garçom - Sim, senhor.
André - Dá para nós dois?
Garçom - Vem num prato grande assim (e faz com as mãos o tamanho aproximado).
André - Então traz para a gente.
Garçom - Sim, senhor.
SEQÜÊNCIA QUATRO - CENA TRÊS - BANHEIRO DO RESTAURANTE - INT/NOITE
Joana se olha no espelho. Molha um pouco o rosto e seca com uma toalha de papel. Pega o batom para retocar. Cheira os próprios pulsos, uma, duas vezes.
Joana - E o puto nem reparou.
Sai do banheiro.
SEQÜÊNCIA QUATRO - CENA QUATRO - SALÃO DO RESTAURANTE - INTERIOR / NOITE
Joana se senta. André está com um prato de repolho com péssimo aspecto na sua frente.
André - Estava esperando você voltar para comer.
Ele corta um pedaço e coloca na boca. Começa a mastigar com vontade, depois diminui a velocidade.
Joana (com ar de repugnância) - Você pediu só repolho?
André com o repolho azedo na boca, não pode cuspir de volta e não consegue engolir. Joana fica olhando para ele esperando uma resposta. Ele pega a tulipa e vira um bom gole para limpar a boca.
Coloca o copo quase vazio de volta na mesa e com vergonha de ter comido o repolho azedo, fala:
André - Vamos pedir outra coisa.
Joana (pega o cardápio) - Olha, a batata-frita daqui vem com alho frito.
André percebe que o repolho não fez muito bem para ele. Coloca a mão esquerda no estômago e levanta a direita para chamar o garçom.
André - Você pode me ver essa (não se segura e solta um arroto, abafado pela mão direita que estava próxima, e olha para Joana), desculpa. Você pode me ver essa batata-frita com alho.
Joana sente o cheiro de azedo do arroto de André misturado com o cheiro ruim que já estava e se encosta à cadeira, com uma cara de nojo. Pega a bolsa e saca de dentro duas balas. Abre uma e coloca na boca.
Joana - Quer?
André - Não, obrigado.
Joana - Quer sim, pode querer.
André - Não, eu não gosto de balas.
Joana - Toma uma balinha...
Ela se levanta e tenta colocar a bala na boca dele. O pulso dela fica perto do nariz dele. Ele vira o rosto. Ela se senta. Fica um silêncio entre os dois. Ambos olhando para lado opostos no restaurante.
Joana - Poxa, você nem falou do perfume que eu estou usando...
André - Perfume?
Joana - É.
André - Sim. É que...
Joana (interrompe) - O perfume que você me deu.
André - Exatamente. Eu não queria dizer que era o perfume que eu tinha te dado. Porque, porque, porque poderia parecer que eu estava me gabando por saber qual o perfume que você está usando... Mas você está cheirosíssima (ele se levanta e cheira o pescoço dela), combina muito com você...
Joana - Você sentiu esse cheiro?
André - claro, o seu perfume. Ótimo perfume. É forte como você...
Joana - Não, o cheiro ruim.
André - Cheiro ruim?
Joana - Isso, o cheiro ruim. Você não sentiu não?
André - Eu só senti o seu cheiro que é maravilhoso...
Joana - Foi quando você chegou perto de mim.
André - Quando eu cheguei perto de você?
Joana - Vem cá. (ela se levanta para cheirar o pescoço dele, depois se senta em seguida) Não, o cheiro não vem de você, mas é mais forte quando você está mais próximo.
André (com um sorriso meio nervoso) - Eu tomei banho de tarde, antes de ir ao médico...
Joana - Que estranho, parece co...
O garçom chega com a batata e coloca na mesa e ela não completa a frase. Ele pega um palito de batata cheio de alho e coloca na boca. Logo que o alho chega no estômago, se sente mal e vai para o banheiro correndo. Joana começa a comer a batata e observa André correndo para o banheiro.
SEQÜÊNCIA QUATRO - CENA QUATRO - BANHEIRO DO RESTAURANTE - INT/NOITE
André entra no banheiro direto para o sanitário, que estava ocupado. Olha para o outro lado, tem o mictório de alumínio, cheio de gelo e limão. Abaixa a cabeça para tentar vomitar e nada. A porta do sanitário se abre e sai um senhor que olha para o André de cabeça baixa no mictório. Ele se levanta e finge estar fechando a braguilha. Quando o homem sai do banheiro, André entra no sanitário.
Ajoelha-se no chão e olha para a água do sanitário. Não consegue vomitar. Tenta aspirar o ar dali para se enjoar ainda mais, mas, obviamente, não sente cheiro nenhum. Fica um tempo parado, mas se levanta e sai do sanitário sem conseguir vomitar. Vai para a pia, abre a água, fica se olhando no espelho e sente a barriga fazer barulho. Não passa bem. Acaba de lavar as mãos, pega um papel para secar e percebe que a barriga faz mais barulho. Se concentra e solta alguns gases. Sai do banheiro em seguida.
SEQÜÊNCIA QUATRO - CENA QUATRO - SALÃO DO RESTAURANTE - INTERIOR / NOITE
Ele passa por ela, se abaixa e dá um beijo na sua bochecha. Ela sente um cheiro ruim na hora, tenta se desvencilhar dele.
Joana - Nossa! Que cheiro ruim é esse?
Ele fica em pé, ao lado dela, meio surpreso.
Joana - Não é possível que você tenha feito isso na minha frente?
André - Feito o quê?
Joana (indignada) - Esse fedor! Você tem soltado desde que chegamos aqui, não é?
André (se sentando) - Não. Foi só agora que...
Joana - Desde que você chegou, eu senti esse cheiro horrível...
André - Mas, foi só...
Joana - Você realmente não muda. E, eu que pensei (como se estivesse conversando consigo mesma) “Joana, você tem que dar uma chance para ele...”.
André (em tom baixo) - Foi a comida...
Joana (já sem escutar o que ele falava) - Mas você não muda, né André? (se levanta) Você continua o mesmo. Logo hoje, logo hoje, você tinha que fazer isso?
André - Mas, mas...
Joana se encaminha para a porta, André se levanta e a acompanha com os olhos apenas.
André (grita de onde estava para a porta) - Ah, vai dizer então que você nunca peidou?
Joana (parada na porta de saída se vira e responde meio assustada)-Eu posso até ter (baixa o tom de voz, olha rapidamente para um lado e para o outro) peidado. (volta o tom normal) Mas, eu sempre fiz isso num lugar mais, mais, mais (procura a palavra) privado.
Joana sai do restaurante batendo a porta, André se senta na cadeira. Algumas pessoas nas mesas próximas olham para ele. Ele abaixa um pouco na cadeira e pede a conta ao garçom que também olhava para ele. Não demora muito e o garçom traz a conta para ele.
André - É... Posso te fazer uma pergunta?
Garçom - Sim, claro.
André - Eu estou fedendo mesmo?
O garçom se aproxima um pouco dele.
Garçom - Sim, senhor.
André deixa algumas notas em cima da mesa.
André (bate no ombro do garçom de saída) - obrigado, hein.
E sai do restaurante, escutando algumas risadas das pessoas do restaurante.
Na porta, do lado de fora, ele olha para a sola de sapato e vê que está suja. Começa a andar e pensa em voz alta.
André - Eu tenho que escolher melhor onde piso.
por Ronaldo Pelli
SEQÜÊNCIA UM – CENA UM – FARMÁCIA – INT/DIA
ANDRÉ entra numa farmácia com uma receita na mão. Um pouco depois dele, entra uma loira muito atraente. Há dois balconistas: um velho e barrigudo e um magricelo e alto chamado apenas de ZÉ na farmácia. André e a Loura chegam juntos no balcão, e André estica o braço para que um dos balconistas a pegasse. Os dois balconistas ignoram André e vão atender a loura. André observa a cena com uma expressão distante do que acontecia.
Balconista mais velho (para a loura) – Pois não?
André balança a receita.
Balconista mais velho (para o ZÉ) – Zé, atende o moço...
Zé (para o outro balconista) – Por que eu?
Balconista (para o Zé) – Porque EU vou atender a moça. (para a loura) Pois não?
Moça Loura – Vocês têm Ponstan?
Zé (para André, de maneira ríspida) – o que é?
André entrega o papel para o balconista que o atendeu.
Zé (olha desdenhando para o papel) – Tu tá com algum problema no nariz?
Zé (fala baixo por vergonha) – o médico disse que pode melhorar com os remédios... é horrível não sentir mais os cheiros...
No mesmo momento, a Loura sai do balcão agradecendo.
Loura – Obrigada.
Balconista mais velho (fala olhando para ela se afastando) – de nada, volte sempre. (Quando ela está longe) Nossa, que gostosa, você viu Zé?
Zé (para o balconista apontando para André) – e que cheiro. Esse aqui é que não sentiu nada...
SEQÜÊNCIA DOIS - CENA UM - QUARTO DE JOANA - INT/DIA
JOANA, vestida apenas com calcinha e sutiã e a toalha na cabeça, coloca um vestido preto curto na frente do corpo e se olha no espelho, enquanto segura um outro azul com a outra mão. Podemos ver no quarto de Joana algumas fotos antigas dela com André, dela com a família, de uma viagem que fizera para fora do país. Em cima da cama jogada, encontram-se algumas revistas de moda com dicas de cuidados com o corpo. Ela troca de vestido, olha para o preto e depois para o azul, olha para a cama, onde há um par de sandálias marrons, escolhe o azul.
SEQÜÊNCIA DOIS - CENA DOIS - QUARTO DE JOANA - INTERIOR / DIA
Joana dá os últimos retoques na maquiagem, com o rímel nos cílios. Acaba de passar, guarda o pincel e pega uma caixa de dentro do armário. Tira o perfume de dentro e pulveriza. Dá um sorriso para o espelho, limpa um dente sujo de batom e sai do quarto.
SEQÜÊNCIA DOIS - CENA TRÊS - SALA DE JOANA - INTERIOR / DIA
Joana atravessa a sala e antes de chegar à porta, a maçaneta vira e a porta se abre. MÁRCIA vestida com roupa de ginástica chega em casa. Márcia abre a porta, observa Joana e antes de fechar a porta, fala:
Márcia - Nossa! Aonde nós vamos hoje?
Joana (simpática, faz pose) - Estou bonita?
Márcia - Linda e (fecha os olhos) cheirosíssima. Que perfume é esse?
Joana - O André que me deu. Márcia,tenho que ir. Não me espere para jantar, vou encontrar o André num restaurante perto da casa dele. Nós vamos conversar.
Márcia - Conversar? Sei... Sabia que vocês acabariam voltando. Vocês foram feitos um para o outro.
Joana - Tomara. Tenho mesmo que ir. Depois a gente conversa melhor.
Márcia - Depois você me conta tudo o que aconteceu, ta?
Joana - Pode deixar que eu conto. O elevador chegou. Tchau, Márcia.
Joana sai de casa com pressa para pegar o elevador.
Márcia - Tchau, Joana.
SEQÜÊNCIA TRÊS – CENA UM – RUA PERTO DO RESTAURANTE – EXT/NOITE
Anoitece, André anda na rua, com as mãos nos bolsos, observando todo o movimento, e displicente com o chão que pisa. Observa na esquina da rua um quiosque que vende flores e artigos botânicos. André caminha um pouco mais devagar ao se aproximar do quiosque. Em frente ao quiosque, há cocô de cachorro. André, distraído, não repara. Pára de andar, pisando bem em cima do cocô de cachorro. Pega uma flor de um vermelho forte, esfrega os dedos nas pétalas e depois aproxima a mão do nariz. Decepcionado, balança a cabeça, olha para o relógio e arregala os olhos. Sai pela rua apressadamente.
SEQÜÊNCIA QUATRO - CENA UM - SALÃO DO RESTAURANTE - INT/NOITE
André entra correndo no restaurante. O restaurante não é caro, mas preza pelos serviços de qualidade. Joana tem uma cestinha com algum pão e duas garrafas de água vazias na sua frente, mas abre um sorriso quando o vê. Um garçom vem oferecer uma mesa para ele, mas ele dispensa e aponta para Joana, ela se encosta à cadeira com um sorriso. Ele se aproxima da mesa dela, abaixa, dá um beijo no seu rosto demorado.
André (fala em voz baixa por causa do atraso)- Oi.
No instante em que André se senta, Joana funga uma, duas vezes, sente um cheiro estranho, mas ignora.
Joana (com um sorriso)- Oi.
Ele se senta na frente dela.
André - Desculpe o atraso...
Joana (ainda com o sorriso) - Não faz mal...
André (se desculpando)- É que tive que passar no médico antes de vir para cá e me atrapalhei todo com isso...
Joana - Médico? O que houve?
André (envergonhado)- Nada não. Fui apenas pegar uns resultados de exame.
Joana - Mas, o que ele falou?
André - Nada, nada importante...
Garçom (pigarreia e interrompe) - Desculpe, mas você gostaria de beber algo?
André (olha para o garçom) - Um chope, por favor. (olha para Joana) Você quer também um chope?
Joana - Sim, claro.
André (olha para o garçom) - então, me vê dois chopes, por favor. (André se vira para Joana, e como se lembrasse, volta-se para o garçom) Sem colarinho, por favor.
Garçom - sim, senhor. Pode deixar.
Joana - Mas fala o que você tava falando.
André - O que eu tava falando?
Joana - Sobre o médico e tal...
André (envergonhado) - Ah, sim. Sei. Ah, não foi nada demais. Fiz uns exames e não deu nada importante. Só que eu...
No mesmo instante, Joana funga e sente novamente o cheiro ruim novamente. O garçom chega com os chopes e coloca na mesa.
André - Um brinde.
Joana - Um brinde.
André - A nós. A uma segunda chance.
SEQÜÊNCIA QUATRO - CENA DOIS - SALÃO DO RESTAURANTE - INT/NOITE
Na mesa onde estão sentados, há algumas tulipas vazias. André está com a mão levantada pedindo mais dois chopes para o garçom.
Joana - Eu vou ao banheiro.
André - Você se importa de eu pedir alguma coisa para beliscar?
Joana (sorri) - Claro que não.
Joana caminha para o banheiro e André a acompanha. O garçom chega com mais duas tulipas e coloca em cima da mesa. Funga duas vezes e disfarça. André está com o cardápio aberto.
André - Esse repolho recheado vem com uma porção caprichada?
Garçom - Sim, senhor.
André - Dá para nós dois?
Garçom - Vem num prato grande assim (e faz com as mãos o tamanho aproximado).
André - Então traz para a gente.
Garçom - Sim, senhor.
SEQÜÊNCIA QUATRO - CENA TRÊS - BANHEIRO DO RESTAURANTE - INT/NOITE
Joana se olha no espelho. Molha um pouco o rosto e seca com uma toalha de papel. Pega o batom para retocar. Cheira os próprios pulsos, uma, duas vezes.
Joana - E o puto nem reparou.
Sai do banheiro.
SEQÜÊNCIA QUATRO - CENA QUATRO - SALÃO DO RESTAURANTE - INTERIOR / NOITE
Joana se senta. André está com um prato de repolho com péssimo aspecto na sua frente.
André - Estava esperando você voltar para comer.
Ele corta um pedaço e coloca na boca. Começa a mastigar com vontade, depois diminui a velocidade.
Joana (com ar de repugnância) - Você pediu só repolho?
André com o repolho azedo na boca, não pode cuspir de volta e não consegue engolir. Joana fica olhando para ele esperando uma resposta. Ele pega a tulipa e vira um bom gole para limpar a boca.
Coloca o copo quase vazio de volta na mesa e com vergonha de ter comido o repolho azedo, fala:
André - Vamos pedir outra coisa.
Joana (pega o cardápio) - Olha, a batata-frita daqui vem com alho frito.
André percebe que o repolho não fez muito bem para ele. Coloca a mão esquerda no estômago e levanta a direita para chamar o garçom.
André - Você pode me ver essa (não se segura e solta um arroto, abafado pela mão direita que estava próxima, e olha para Joana), desculpa. Você pode me ver essa batata-frita com alho.
Joana sente o cheiro de azedo do arroto de André misturado com o cheiro ruim que já estava e se encosta à cadeira, com uma cara de nojo. Pega a bolsa e saca de dentro duas balas. Abre uma e coloca na boca.
Joana - Quer?
André - Não, obrigado.
Joana - Quer sim, pode querer.
André - Não, eu não gosto de balas.
Joana - Toma uma balinha...
Ela se levanta e tenta colocar a bala na boca dele. O pulso dela fica perto do nariz dele. Ele vira o rosto. Ela se senta. Fica um silêncio entre os dois. Ambos olhando para lado opostos no restaurante.
Joana - Poxa, você nem falou do perfume que eu estou usando...
André - Perfume?
Joana - É.
André - Sim. É que...
Joana (interrompe) - O perfume que você me deu.
André - Exatamente. Eu não queria dizer que era o perfume que eu tinha te dado. Porque, porque, porque poderia parecer que eu estava me gabando por saber qual o perfume que você está usando... Mas você está cheirosíssima (ele se levanta e cheira o pescoço dela), combina muito com você...
Joana - Você sentiu esse cheiro?
André - claro, o seu perfume. Ótimo perfume. É forte como você...
Joana - Não, o cheiro ruim.
André - Cheiro ruim?
Joana - Isso, o cheiro ruim. Você não sentiu não?
André - Eu só senti o seu cheiro que é maravilhoso...
Joana - Foi quando você chegou perto de mim.
André - Quando eu cheguei perto de você?
Joana - Vem cá. (ela se levanta para cheirar o pescoço dele, depois se senta em seguida) Não, o cheiro não vem de você, mas é mais forte quando você está mais próximo.
André (com um sorriso meio nervoso) - Eu tomei banho de tarde, antes de ir ao médico...
Joana - Que estranho, parece co...
O garçom chega com a batata e coloca na mesa e ela não completa a frase. Ele pega um palito de batata cheio de alho e coloca na boca. Logo que o alho chega no estômago, se sente mal e vai para o banheiro correndo. Joana começa a comer a batata e observa André correndo para o banheiro.
SEQÜÊNCIA QUATRO - CENA QUATRO - BANHEIRO DO RESTAURANTE - INT/NOITE
André entra no banheiro direto para o sanitário, que estava ocupado. Olha para o outro lado, tem o mictório de alumínio, cheio de gelo e limão. Abaixa a cabeça para tentar vomitar e nada. A porta do sanitário se abre e sai um senhor que olha para o André de cabeça baixa no mictório. Ele se levanta e finge estar fechando a braguilha. Quando o homem sai do banheiro, André entra no sanitário.
Ajoelha-se no chão e olha para a água do sanitário. Não consegue vomitar. Tenta aspirar o ar dali para se enjoar ainda mais, mas, obviamente, não sente cheiro nenhum. Fica um tempo parado, mas se levanta e sai do sanitário sem conseguir vomitar. Vai para a pia, abre a água, fica se olhando no espelho e sente a barriga fazer barulho. Não passa bem. Acaba de lavar as mãos, pega um papel para secar e percebe que a barriga faz mais barulho. Se concentra e solta alguns gases. Sai do banheiro em seguida.
SEQÜÊNCIA QUATRO - CENA QUATRO - SALÃO DO RESTAURANTE - INTERIOR / NOITE
Ele passa por ela, se abaixa e dá um beijo na sua bochecha. Ela sente um cheiro ruim na hora, tenta se desvencilhar dele.
Joana - Nossa! Que cheiro ruim é esse?
Ele fica em pé, ao lado dela, meio surpreso.
Joana - Não é possível que você tenha feito isso na minha frente?
André - Feito o quê?
Joana (indignada) - Esse fedor! Você tem soltado desde que chegamos aqui, não é?
André (se sentando) - Não. Foi só agora que...
Joana - Desde que você chegou, eu senti esse cheiro horrível...
André - Mas, foi só...
Joana - Você realmente não muda. E, eu que pensei (como se estivesse conversando consigo mesma) “Joana, você tem que dar uma chance para ele...”.
André (em tom baixo) - Foi a comida...
Joana (já sem escutar o que ele falava) - Mas você não muda, né André? (se levanta) Você continua o mesmo. Logo hoje, logo hoje, você tinha que fazer isso?
André - Mas, mas...
Joana se encaminha para a porta, André se levanta e a acompanha com os olhos apenas.
André (grita de onde estava para a porta) - Ah, vai dizer então que você nunca peidou?
Joana (parada na porta de saída se vira e responde meio assustada)-Eu posso até ter (baixa o tom de voz, olha rapidamente para um lado e para o outro) peidado. (volta o tom normal) Mas, eu sempre fiz isso num lugar mais, mais, mais (procura a palavra) privado.
Joana sai do restaurante batendo a porta, André se senta na cadeira. Algumas pessoas nas mesas próximas olham para ele. Ele abaixa um pouco na cadeira e pede a conta ao garçom que também olhava para ele. Não demora muito e o garçom traz a conta para ele.
André - É... Posso te fazer uma pergunta?
Garçom - Sim, claro.
André - Eu estou fedendo mesmo?
O garçom se aproxima um pouco dele.
Garçom - Sim, senhor.
André deixa algumas notas em cima da mesa.
André (bate no ombro do garçom de saída) - obrigado, hein.
E sai do restaurante, escutando algumas risadas das pessoas do restaurante.
Na porta, do lado de fora, ele olha para a sola de sapato e vê que está suja. Começa a andar e pensa em voz alta.
André - Eu tenho que escolher melhor onde piso.
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