sexta-feira, 10 de janeiro de 2003

o melhor woody allen dos últimos tempos

não sei se é um elogio ou uma crítica, mas o título sai com todas as boas intenções do mundo. Domingos Oliveira em seu "Separações" faz um filme que já concorre à lista dos melhores de 2003. nunca vi outro filme do diretor e só o conhecia de algumas entrevistas em programas da tve ou de canais educativos, mas tinha feito uma expectativa quando li algumas das críticas que saíram sobre o filme. todas era quase unânimes, o filme é maravilhoso.

Domingos desconstrói toda aquela receita de bolo que sid field sugerira para os iniciantes na arte de roteirista (dois plot point, introdução, desenvolvimento e conclusão cronometrados, etc), ele divide o filme em 4 partes, numa evolução em estágios de um casal de acordo com a teoria de uma psicóloga sobre os doentes terminais. como uma brincadeira, mostra que os amantes seguem essa mesma regra.

tem uma liberdade de filmar, talvez pela opção do digital, que não requer o mesmo aparato técnico da película, que mostra uma maduridade com a câmera bem acima da média dos outros cineastas em ação. e a comparação com woody allen é bem próxima da realidade.

é óbvio que os dois têm diferenças óbvias, woody allen é mais deprecivo no seu texto, domingos é mais amoroso, mas os dois tem bastante elementos que os aproximam. moram em cidades e bairros que adoram e os filmam bastante, são intelectuais e sabem disso, gostam da liberdade e duvidam quando se sentem seguros, gaguejam e interpretam a si mesmos nos seus papéis, são inteligentes nos diálogos e fábricas de frases definitivas e, principalmente, são completamente autobiográficos. levam a máxima do russo tolstói de escrever sobre a própria aldeia ao máximo, os filmes deles falam sobre eles mesmos.

mas isso, em nenhum momento, torna o filme umbilical e, por isso, chato. ele(s) mostra(m) o mundo através de uma visão singular que tenta compreender as diferenças do mundo e principalmente aceita-las. numa das cenas finais de "separações", onde os personagens de cabral e glorinha, marido e mulher na vida real, domingos e priscila, se encontram após um longo período separados, cabral diz que aceitaria glorinha de qualquer jeito, da maneira como ela desejar. isso me lembra como woody allen encara o preconceito com mira sorvino em "poderosa afrodite", ou quando ele descobre que está apaixonado pela ninfeta mary hemighway em "manhattan".

o filme, como li em uma das críticas, faz tantas cenas lindas que constrói um painel enorme, exatamente o que é o cinema do domingos de oliveira. "separações" não quer mostrar como mudar o mundo, e por isso o diretor já foi chamado de "inimigo da revolução" (sic), mas falar sobre pequenas grandes coisas. e por isso, o filme é tão belo.

Nenhum comentário: