Fui um dos que, um pouco depois da adolescência, caiu na armadilha de se perguntar qual era o sentido do mundo. Tal pergunta, como li certa vez em uma pequena biografia do Sidarta Gautama, que comprei na cidade de Mcleod Ganj, onde vive o Dalai Lama, não faz qualquer... sentido. É como se se juntasse diversas palavras aleatórias e colocasse uma interrogação ao fim. Claro que a frase "qual é o sentido do mundo?" é decodificável, todo mundo entende as palavras e o conjunto, mas ela não se aplica porque parte de um pressuposto errado, como se houvesse sentido no mundo - ou, ao menos, sentido universal, que fosse compartilhado por todas as pessoas.
O sentido - se é que existe - é respondido exatamente pela ética, aquele conjunto de regras pessoais e intransferíveis que cada um dos seres humanos carregam. Mesmos os mais "antiéticos". Não podemos confundir com a moral, que, a princípio se parece bastante com a ética: é o conjunto de regras sociais e compartilhadas entre os seres humanos, que pode ser claro e óbvio como as leis, ou sutil e passar quase despercebido como uma ação externa que atua na individualidade, como certas obrigações sociais que devemos cumprir.
Voltando à ética, ou melhor, ao "antiético": penso que este termo é contraditório, ou extremamente complexo, por si só. Ou não podemos ser contra a nossa ética, já que ela é a regra fundadora de nosso ser, e assim sendo, mesmo que o sujeito seja um ladrão que rouba a verba dos hospitais para a criancinhas órfãs, ele pode estar respeitando essa ética dele, o que o tornaria, nesse caso, ético; ou diríamos que para alguém ser antiético ele deveria desrespeitar essas regras internas, o que é tremendamente possível e mais comum do que podemos imaginar, basta considerar quantas pessoas trabalham em algo que não querem por necessidade ou, o que é pior, por uma vaidade. E aí, estaremos próximo de onde quero chegar.
O tema do "sentido" e, ampliando o seu aspecto, de "utilidade" desde sempre me fascinou. Se a vida não tem um "sentido" a priori, ou seja, pré-estabelecido, que deixe claro o que devemos fazer, como, por exemplo, existia no mundo gerido pela moral católica - que dizia que devíamos seguir a bíblia, os dez mandamentos, evitar os pecados, etc. - qual é a nossa utilidade? Para que servimos? Para que somos úteis? A verdade - palavra complicada, mas aqui usada apenas como vício de linguagem - é que, provavelmente, não temos qualquer utilidade.
De toda forma, o tema sempre me visita, independentemente de eu o procurar diretamente. É um filtro que tenho e que prioriza esse tipo de assunto. Ultimamente, por exemplo, venho pensando sobre a utilização de certas categorias, como a filosofia e a arte. Até agora, ainda não cheguei a qualquer conclusão sobre. Não precisamos, mas não conseguimos nos livrar delas. Principalmente dentro de nossa sociedade liberal - tenho urticárias da palavra "capitalista". Nessa semana, havia pensado que tinha encontrado um terceiro elemento dentro desse grupo de inúteis: a história. Lendo a introdução de um livro de artigos de teoria da história, os autores do texto colocam as três donzelas no mesmo barco de longevidade, dentro do contexto do que se convencionou chamar de sociedade ocidental. Nasceram razoavelmente ao mesmo tempo lá na Grécia; e a arte, em suas mais diferentes formas, e a história têm até musas inspiradoras - a filosofia, coitada, foi vista, inclusive, pós-Platão, como um artefato apenas intelectual, o que é um dos maiores defeitos que a tradição pode ter cometido.
De qualquer forma, já estava incluindo a história nesse grupinho fechado, considerando que responder à pergunta "Para que serve a história?" não é exatamente fácil. Ou se utiliza de outros frases-conceitos vazios ["para aprender com o passado a não repetir os erros no futuro"] ou se tenta justificar pelo viés da curiosidade sobre o passado, ou ainda argumentar que a lembrança, a condição para se inaugurar a história é inerente ao ser humano, portanto não se pode fugir dela [um raciocínio que me agrada, devo admitir]. Todo esse raciocínio sofreu um acidente quando uma amiga acrescentou sustança ao argumento inicial que eu tinha apresentado. Inclusive, atualizando o discurso para o nosso tempo.
Ela sugere que a história "serve" exatamente para que as pessoas aprendam com o passado a melhorar o futuro. Exemplos práticos, dados por ela: táticas de guerra e tratamentos de medicina. Os generais usam do instrumental da história para aprender como se eram travados os combates no passado e, assim, poder tentar criar novas ou melhores formas de matar. Por outro lado, os médicos também usam da história para aprender como eram feitos determinados procedimentos cirúrgicos, por exemplo. A história, bem ao modo da solução técnico-científica, tão cara aos nossos tempos, se transformou em uma técnica que auxilia as outras, que realmente importam. Assim como, aliás, já tentaram fazer com a filosofia, quando tentarem transformá-la numa nova psicologia. Ou com a arte, de modo até mais delicado, quando dão um status àquele que tem conhecimento da arte, que o coloca no patamar dos "cultos" [conceito dos mais vagos que conheço].
Por fim, um outro amigo lembrou que se entrarmos pelo viés da antropologia, descobrimos que todos grupos humanos pesquisados até hoje sempre tinham dois aspectos que sempre se repetem: tinham um grau de religiosidade e pintavam o corpo. Ambos, aliás, comportamentos completamente inúteis do ponto-de-vista estritamente da necessidade de existir, de sobrevivência. A religião, vá lá, é completamente "entendível": temos uma necessidade inerente de explicação - inclusive, demonstrada nesse texto, com a pergunta do sentido do mundo. E a mitologia - e a religião não é nada além de um conjunto de mitos - sempre serviu muito bem a esse propósito. Agora: tatuagem? Para que tatuagem? Embelezamento? [E aí, funcionaria como antípoda da arte, assim como é a religião da filosofia.] Símbolos religiosos, mitológicos? [E aí seria um apêndice da questão da religião.] O que me faz concluir que o mundo, realmente, não faz mesmo qualquer sentido.
8 comentários:
Meu amigo, a vida tem diversos sentidos, todos eles criados/nomeados pelo homem.
Veja o que o Michaelis, por exemplo, nos permite:
sen.ti.do
adj (part de sentir) 1 Que se sentiu. 2 Magoado, melindrado, ressentido. 3 Que se ofende com qualquer coisa; sensível, suscetível. 4 Contristado, pesaroso, triste. 5 Lamentoso, plangente. 6 Que se pressentiu. 7 Meio podre; que está em começo de decomposição; um tanto estragado. 8 Equit Diz-se do cavalo muito sensível às ajudas e solicitações do cavaleiro. 9 Equit Diz-se do cavalo que corre com esforço. sm 1 Cada uma das funções nervosas em virtude da qual um organismo é capaz de receber e perceber impressões e alterações do ambiente. 2 obsol Órgão do sentido. 3 Faculdade de sentir, de compreender, de apreciar. 4 Faculdade de julgar; razão, bom senso, entendimento, juízo. 5 Faculdade de gostar, de apreciar; sentimento. 6 Lado de um corpo, de um objeto. 7 Idéia, ponto de vista, pensamento. 8 Significação de uma palavra ou de um discurso. 9 Propósito; intento, mira. 10 Atenção, cuidado, idéia fixa. 11 Interpretação que se pode dar a uma proposição. 12 Explicação. 13 Maneira especial segundo a qual uma ação se produz. 14 Direção em que alguma coisa se desloca ou atua ou é imaginada deslocar-se ou atuar: O sentido do movimento do ponteiro do relógio, o sentido de uma força. 15 Direção em que alguma coisa está orientada: Sentido das fibras do papel. 16 Modo de distinguir ou de separar um objeto de outro pelos acessórios que o rodeiam. 17 Maneira de considerar; modo, aspecto, ponto de vista. 18 Geom Cada um de dois rumos opostos em que se pode supor gerada ou orientada uma linha, superfície etc.
sim, sim, adoro a palavra "sentido" exatamente por ter uma poli-interpretação - ou pelos seus vários "sentidos". gosto principalmente do encontro de "direção" e "ponto de vista".
A História existe porque descobrimos que estamos sozinhos; sua utilidade (ou seus usos) também variaram ao longo do tempo. A História não pode ser a mesma coisa para um líder autocrático, um democrata revolucionário, um fascista e uma feminista. O que todos eles fazem com o discurso sobre o passado (a História) é colocá-lo no lugar de deus (ou Deus, para os que preferirem).
acabei de ler aqui no livro do Novais: a historia serve para prestar contas do passado. ou seja, continua servindo para tudo e o nada, ao mesmo tempo.
ps. seu comentario,Rodrigo, me lembrou a substituicao de deus, que aquele bigodo falou que aconteceria entre os que nao suportam a ideia do aleatorio. a ciencia, hoje, eh o nosso novo deus que explica tudo.
Com certeza. E a História, assim como as demais ciências, não virou coisa séria apenas no século XIX por acaso.
Não tem um botão 'curtir'? ;o)
bjo
Taí, vou criar isso o mais rápido possível...
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