Se a vida é edição, o que deixamos de lado também pode ser visto como vida. A seguir, os trechos cortados de um ensaio que estou escrevendo. Duvido alguém acertar o assunto.
E se for uma circunstância sofrida, aí, piora. O peso é, por vezes, demasiado para se carregar apenas com a razão. É preciso uma explicação, algo que dê um sentido e compense a dor pelo que se passa, mesmo que baseado em uma imaginação que não respeite qualquer realidade. Com frequência, o ímpeto de explicar o inexplicável é lembrado como uma das possíveis origens das religiões. Como não sabemos o que vamos encontrar após a morte, por exemplo, inventamos uma grande mitologia, que envolve ora a vida eterna, ora reencarnações em série. Dentro dessa lógica, de fundo ilógico, temos uma série de comportamentos a cumprir para seguir adiante, passar de fase – num linguajar de video-game – e alcançar as benesses. Claro que essa troca de procedimentos considerados proveitosos durante a vida por uma pós-vida de benefícios se torna um mecanismo de poder, deixando em uma posição de privilégio quem determina o que é uma “boa conduta” sobre aquele que “apenas” precisa seguir essas regras
O curioso fica por conta de uma tentativa de explicação para eventos considerados bons.
Quando há um acontecimento por acaso, sempre nos surpreendemos. Exemplos: ao pensar em alguém, logo em seguida, encontrar a pessoa. Quando se está precisando de dinheiro, e se encontra ou se recebe um valor. Etc. Etc. Etc.
Só que, às vezes, não dá para enquadrá-lo simplesmente dentro de uma categoria aleatória.
O amigo e depois desafeto de Freud propõe que as sincronicidades devem se diferenciar das ações simplesmente aleatórias, mas que não...
Nietzsche, ainda no século XIX, ao perceber o enfraquecimento da explicação divina para os acontecimentos, foi contra a substituição dessa figura onipotente por outros recursos, como, inclusive, a ciência. Para ele, a troca da crença no deus cristão por um ícone qualquer seria apenas a substituição das causas do niilismo. O super-homem encararia bem a realidade com sua alta dose de absurdo, e não recorreria à fantasia – muito menos a disfarces. Mas esse, também, não é o caso.
Essa imprevisibilidade sistemática é o que nos seduz. Juntamos o melhor dos dois mundos. Estamos dentro de um arcabouço razoavelmente seguro, mas podemos ser completamente livres, dentro dele, desde que não saiamos de lá. Pensemos num solo musical. Dentro de determinadas regras, o músico pode inventar o que ele quiser. Pensemos num equilibrista na corda bamba – com rede de proteção lá embaixo. Pensemos nas competições, mais especificamente nas competições esportivas. Quando dois times de futebol entram em campo, por mais superior que um seja sobre o outro na teoria, o resultado, o que vai acontecer após os 90 minutos regulamentares é quase totalmene aleatório, mas respeitando algumas regras literalmente básicas. Salvo um evento externo – como um blecaute no estádio, ou uma chuva torrencial, sabemos que um time vai ganhar, ou haverá empate. Não sabemos quem vai ganhar, ou se ninguém vai ganhar, menos perder – portanto o grau de aleatoriedade está respeitado – mas um desses três resultados está garantido – e, consequentemente, os parâmetros estão afixados. O mesmo acontece com todos os esportes coletivos – mesmo naqueles que não existe empate ou que demoram dias para terminar. Nos individuais, além desse aspecto de aleatoriedade-controlada, sobre quem vai ganhar, quem vai perder...
A simultaneidade, o fato que desperta a curiosidade por ser tão imprevisível, é outro, e tem a duração de um centésimo.
Isso, com 26 anos, programado para disputar as próximas olimpíadas, de Londres, em 2012
Mostrando que o autor desse texto é humano, demasiadamente humano,
Ou melhor, talvez seja. Talvez seja o caso de um deus contemporâneo, dentro de nossos padrões atuais, de um super-homem, que consegue superar todas as marcas estabelecidas antes dele, capaz de ser um generalista em uma época de técnicos treinados para apertar um único botão. Estamos falando de Michael Fred Phelps.
***
E se for uma circunstância sofrida, aí, piora. O peso é, por vezes, demasiado para se carregar apenas com a razão. É preciso uma explicação, algo que dê um sentido e compense a dor pelo que se passa, mesmo que baseado em uma imaginação que não respeite qualquer realidade. Com frequência, o ímpeto de explicar o inexplicável é lembrado como uma das possíveis origens das religiões. Como não sabemos o que vamos encontrar após a morte, por exemplo, inventamos uma grande mitologia, que envolve ora a vida eterna, ora reencarnações em série. Dentro dessa lógica, de fundo ilógico, temos uma série de comportamentos a cumprir para seguir adiante, passar de fase – num linguajar de video-game – e alcançar as benesses. Claro que essa troca de procedimentos considerados proveitosos durante a vida por uma pós-vida de benefícios se torna um mecanismo de poder, deixando em uma posição de privilégio quem determina o que é uma “boa conduta” sobre aquele que “apenas” precisa seguir essas regras
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O curioso fica por conta de uma tentativa de explicação para eventos considerados bons.
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Quando há um acontecimento por acaso, sempre nos surpreendemos. Exemplos: ao pensar em alguém, logo em seguida, encontrar a pessoa. Quando se está precisando de dinheiro, e se encontra ou se recebe um valor. Etc. Etc. Etc.
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Só que, às vezes, não dá para enquadrá-lo simplesmente dentro de uma categoria aleatória.
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O amigo e depois desafeto de Freud propõe que as sincronicidades devem se diferenciar das ações simplesmente aleatórias, mas que não...
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Nietzsche, ainda no século XIX, ao perceber o enfraquecimento da explicação divina para os acontecimentos, foi contra a substituição dessa figura onipotente por outros recursos, como, inclusive, a ciência. Para ele, a troca da crença no deus cristão por um ícone qualquer seria apenas a substituição das causas do niilismo. O super-homem encararia bem a realidade com sua alta dose de absurdo, e não recorreria à fantasia – muito menos a disfarces. Mas esse, também, não é o caso.
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Essa imprevisibilidade sistemática é o que nos seduz. Juntamos o melhor dos dois mundos. Estamos dentro de um arcabouço razoavelmente seguro, mas podemos ser completamente livres, dentro dele, desde que não saiamos de lá. Pensemos num solo musical. Dentro de determinadas regras, o músico pode inventar o que ele quiser. Pensemos num equilibrista na corda bamba – com rede de proteção lá embaixo. Pensemos nas competições, mais especificamente nas competições esportivas. Quando dois times de futebol entram em campo, por mais superior que um seja sobre o outro na teoria, o resultado, o que vai acontecer após os 90 minutos regulamentares é quase totalmene aleatório, mas respeitando algumas regras literalmente básicas. Salvo um evento externo – como um blecaute no estádio, ou uma chuva torrencial, sabemos que um time vai ganhar, ou haverá empate. Não sabemos quem vai ganhar, ou se ninguém vai ganhar, menos perder – portanto o grau de aleatoriedade está respeitado – mas um desses três resultados está garantido – e, consequentemente, os parâmetros estão afixados. O mesmo acontece com todos os esportes coletivos – mesmo naqueles que não existe empate ou que demoram dias para terminar. Nos individuais, além desse aspecto de aleatoriedade-controlada, sobre quem vai ganhar, quem vai perder...
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A simultaneidade, o fato que desperta a curiosidade por ser tão imprevisível, é outro, e tem a duração de um centésimo.
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Isso, com 26 anos, programado para disputar as próximas olimpíadas, de Londres, em 2012
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Mostrando que o autor desse texto é humano, demasiadamente humano,
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Ou melhor, talvez seja. Talvez seja o caso de um deus contemporâneo, dentro de nossos padrões atuais, de um super-homem, que consegue superar todas as marcas estabelecidas antes dele, capaz de ser um generalista em uma época de técnicos treinados para apertar um único botão. Estamos falando de Michael Fred Phelps.
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