Meninas
Meus amigos subiram e eu fiquei sentado à mesa com as meninas. Todas de biquínis rodeavam a piscina com cervejas nas mãos. Na minha mesa, sempre estavam três ou quatro.
Sente aqui do meu lado – disse uma de rosto redondo e cabelos louros pintados.
É que eu gosto de ficar em pé.
Mel, ele está com vergonha da gente – uma morena baixinha risonha para a loura.
Deve ser.
Não. Não é isso.
Que horas são? – uma morena com cara de cavalo perguntou para a mesa.
Quase quatro – a morena risonha respondeu.
Está quase fechando – disse uma ao meu lado que só comia gelo.
Vou sentar aqui.
Agora ele sentou – a loura – você vai ter que esperar seus amigos?
É né. Eu estou de carona com um deles.
Você está com aqueles três que subiram? – a cara de cavalo.
Tô.
Quer beber alguma coisa? – a risonha.
Não obrigado.
Mel, Débora, Cris, dá uma entradinha aqui – era o barman de uma mini discoteca logo atrás da minha cabeça.
Não quero ir não – respondeu a loura – diz que eu tô fechada para balanço – e riu. A cara de cavalo, a risonha e a que comia gelo levantaram. A primeira a e última foram para dentro da boate improvisada, onde só tocava pagode da pior qualidade.
Você pode recusar? – me intriguei e perguntei para a loura, a única que ficou na mesa.
Posso.
Eu pensava que você era quase obrigada a ir com qualquer um.
Não, que isso. – a risonha voltou com um cigarro na mão – me dá um trago?
Toma esse aqui – e entregou um para a loura – imagina quando tem um daqueles caras que você sabe que fede.
Porque quando são garotos assim, como você, bonitinho, limpinho...
Eu não sou limpinho – as duas riram.
Chega aqui cada cara.
Então quer dizer que vocês escolhem com quem sobem ou não?
Na verdade, nós não queremos fazer com ninguém – a risonha concorda balançando a cabeça e rindo. Deu uma pausa – mas a gente escolhe. – e se vira para a risonha no momento que a cara de cavalo e a que comia gelo voltam para a mesa – Que horas são?
Cinco para as quatro.
Perguntei para ele – a que comia gelo ao meu lado conversava com a cara de cavalo – quer o programa? Vamos subir então. E tu sabe, a mão não parava quieta.
Um octópode.
Ãh?
Um polvo – expliquei.
Isso. O cara falava e metia a mão. Não era no peito só não, era mão naquilo.
E aquilo na mão – comentei, mas percebi que tinha sido completamente dispensável a minha vontade de parecer a vontade ali.
Será que o Márcio já fechou o portão? – a loira pergunta.
Eu vou ser expulso daqui?
Não. Acho que não.
Não, você pode ficar aqui esperando seus amigos. Basta dizer isso para eles – a risonha me explicou.
A cara de cavalo se levanta e vai na janela do bar. Pede um cigarro. A que come gelo passa por ela para ir ao banheiro e puxa as duas alcinhas que seguram a parte de baixo do biquíni. A peça cai, as duas riem e se xingam carinhosamente.
Tem uma churrasqueira ali atrás, dá para fazer um churrasco aqui?
Dá – a loura.
Que que eu tenho que fazer?
Traz só a carne e o carvão.
Vem semana que vem – diz a risonha.
É, por que você não vem semana que vem com seus amigos? – a loura.
Eles são muito engraçados – a risonha.
Vocês não viram nada. Eu conheço esses caras há um tempo. Eles nem são os mais engraçados do nosso grupo de amigos. Se eu trouxesse todo mundo aqui vocês iam morrer de tanto rir.
As pessoas começam a sair. Algumas meninas sobem sozinhas para irem dormir. O som é desligado. Uns sujeitos passam por mim só de roupão. É uma cena curiosa, eu sentado de bermuda e camiseta, meninas de biquíni em minha volta e vários homens de hobby.
Temos que subir – diz a loura.
Tadinho, ele vai ficar sozinho – a risonha.
Não, não há problema. Fiquem tranqüilas – elas se levantam vem na minha direção me dão beijos carinhosos no rosto – eu não sei ainda o nome de vocês.
Mel – diz a loura.
Débora – diz a risonha – e o seu?
Todas elas riram e subiram acenando para mim. Fiquei sentado na cadeira de plástico enquanto alguns garotos, de no máximo 25 anos, arrumavam a área da piscina e da pequena boate atrás de mim. Enfileiravam uma cadeira em cima da outra para economizar espaço. E eu sentado, no meio daquele silêncio, como uma peça fora do contexto, sozinho num lugar onde não deveria estar, pensava em todas a conversa que tinha tido com as meninas. Meninas simpáticas, pensava. Mas é claro, elas têm que ser simpáticas, elas vivem disso. Se não forem simpáticas não conseguem nada. Havia me surpreendido o fato delas não serem grosseiras no sentido de quererem apenas ganhar dinheiro. Senti que eram meninas mesmo. Por mais que diziam não gostar o trabalho que levavam, tentavam se divertir com o que têm. Na medida do possível, havia algumas amizades com laços fortes entre elas. Deu para perceber que a loura era próxima da risonha, por exemplo. As duas subiram juntas, conversando.
Me deu vontade de voltar outra vez, com um grupo, fazer uma festa, um churrasco, com alguns amigos e elas. Mas era exatamente isso que elas queriam. Ao serem simpáticas queriam apenas que eu voltasse, com mais gente, e consumisse. Consumisse? Que palavra estranha quando o produto é a carne humana. Ou elas estavam sendo verdadeiras, quando foram simpáticas? Meninas que ganham a vida assim, será que elas podem apenas serem verdadeiras, ou será que elas vivem atuando toda a noite? Elas disseram que escolhem, mas, se elas pudessem escolher caras limpinhos, como elas disseram, seria melhor, claro. Será por isso que elas foram simpáticas comigo?
Meninas que ainda não tinha visto desciam. Uma loura falsa enorme, bem maior do que eu, de pernas grossas. Uma baixinha de cintura fina. Os garotos que arrumaram o pátio sentavam-se do outro lado da piscina. As meninas foram em direção a eles. Mantinham algum tipo de amizade. Conversavam. A loura enorme parecia sem sono. A outra tinha acabado de terminar um programa, o sujeito tinha ido embora.
Bota a camisinha – escutei da minha cadeira o grito. Comecei a procurar para saber a origem, com medo que o escândalo fosse do quarto dos meus amigos – Coloca a camisinha, seu escroto – todas as pessoas ao redor da piscina olhavam para o quarto dos meus amigos – Tira a mão de mim – os gritos eram mais altos – Seu filho da puta, tira a mão de mim, eu vou sair, me larga – um dos garotos fez menção de subir para ver o que acontecia – seu filho da puta, você tirou a camisinha, você tirou a camisinha – a porta do quarto dos meus amigos abriu e saiu uma baixinha chorando. Outras meninas estavam no corredor e esperavam-na. Ela gritava e chorava – o filho da puta tirou a camisinha, o filho da puta tirou a camisinha – ela repetia aos berros, abraçou a loura enorme e desceu as escadas. O quarto dos meus amigos ficou silencioso.
Após uns cinco minutos, a menina quieta, a porta do quarto abre-se mais uma vez e um dos camaradas sai. Desce as escadas correndo, passa pelas meninas sentadas em silêncio e se encaminha para a recepção. Não fala comigo, não fala com ninguém, vai direto pagar a conta e depois embora. A pequena que tinha saído do quarto reclama mais uma vez que o filho da puta tinha tirado a camisinha. Eu pensei, quando os ânimos se acalmaram, no motivo da menina estar tão nervosa. Sim, o óbvio, transar sem camisinha é perigosíssimo, e isso é indiscutível. Mas, fiquei pensando se ela não estava, também, tentando proteger o patrimônio dela. Caso alguma coisa acontecesse com ela, com o corpo dela, com a saúde dela, ela perderia dinheiro. Com certeza não há algum tipo de seguro que a proteja de acidentes. Se ela não trabalhar, não ganha dinheiro, logo não se sustenta.
Estava perdido nisso quando um neguinho de bigodinho de no máximo 25 anos vem falar comigo para sair porque – nós vamos apagar as luzes, ‘tamo fechando – ele disse.
Tenho que esperar meus amigos – e apontei para o quarto.
O senhor pode esperar na recepção, então.
Sem problema.
A recepcionista era uma garota morena, corpo certinho, melhor que muita menina que trabalhava dentro. E ficou o tempo todo de cara amarrada. Talvez por ser a recepcionista de um lugar como esse seja aconselhável mesmo não ser muito simpática, principalmente se for nova e bonitinha.
Estava na porta de vidro quando escutei;
Mãe – era a recepcionista atrás de mim. Falava na direção de fora para uma senhora que imediatamente olhou para dentro, para ela – tem que ir pegar o consolo no quarto 22.
Imagine como foi e como é a vida da recepcionista. Vive desde sempre dentro de uma instituição nada tradicional, com uma família completamente diferente das dos amigos do colégio. Tem um trabalho justo, honesto, mas que nunca sonhou, com certeza. Lida com assuntos que, talvez, não gostaria de ter mexido nunca.
Fora a recepcionista, o restante dos funcionários do estabelecimento eram simpaticíssimos. À exceção da recepcionista e de sua mãe, eram homens, o que explique, talvez, a comodidade de todos em trabalhar com situações inusitadas. Viviam como numa espécie de empresa, onde todos se juntam para conversar após o expediente. No caso das meninas, após o programa. O curioso que a analogia é ainda funcional quando se pensa que as meninas são como as funcionárias mais importantes dentro dessa organização. Seria o departamento que traz os dividendos para dentro da companhia. O restante funcionaria como administração. Apenas existem para o melhor funcionamento da engrenagem. As meninas são o recheio, as estrelas do show, os outros são os bastidores, os técnicos, necessários, entretanto sempre invisíveis.
Interrompido mais uma vez das minhas divagações, quando a mãe da recepcionista veio falar comigo, como se eu estivesse enfadado.
Não se preocupe, o período acabou, seus amigos já estão descendo.
Não há problema – mal sabia a mãe que eu estava realmente me divertindo com aquela experiência, se é que posso chamar assim.
E logo os dois saíram do quarto com as meninas junto deles. Todos ao redor da piscina acompanhavam o descer das escadas. Não por curiosidade, apenas como uma forma de passar o tempo. Passaram por mim se desculpando, por ter me feito esperar, e eu dizendo que não havia nenhuma problema, que tinha sido divertido estar ali também. Fomos embora, os dois, alguma coisa encucados com a saída mais cedo do terceiro, e eu encantado com o nascer do sol e a coloração do céu em camadas.
segunda-feira, 24 de fevereiro de 2003
diálogos
O que mais me incomodou no início, desde o dia da mudança, foi a janela. O sol entrava de manhã e me fazia acordar todo dia bem mais cedo que o que estava acostumado. Minha mãe prometeu comprar um black out para tornar o quarto mais escuro, mas sabia que iria demorar um pouco por causa de toda a confusão propicia ao período.
Que, excetuando a óbvia mudança de locação, tinha sido até, pode se considerar, tranqüila. Contudo me senti um pouco sozinho assim que cheguei. Na casa antiga, cresci com um grupo de amigos bastante unidos. Agora, nessa cidadezinha, eu tinha apenas o quarto, meu pai e minha mãe e só, nada mais.
Ainda no primeiro dia, minha mãe mandou que eu arrumasse as roupas no armário. Então, para ajudar, liguei o som e coloquei o primeiro cd do “Nirvana” que comprara, “Nevermind”. Em seguida, comprei todos os outros. A primeira música, “Smell like teen spirit”, e eu pulava, saltava, gritava. Minha mãe estava acostumada, mas pediu que maneirasse, para que os novos vizinhos não reclamassem logo assim de início. Fingi que diminui o volume e, quando minha mãe saiu, aumentei ainda mais. Ao terminar de arrumar o quarto, desliguei o som para sair. Ao apertar o botão, percebi que alguém havia colocado alguma coisa do “Stone Temple Pilots” que não identifiquei na hora. Parei um pouco para prestar atenção, escutei e sai em seguida.
Tivemos que nos mudar para a cidade pequena porque meu pai fora promovido a coordenador geral de uma das filiais da empresa de produtos químicos que ele trabalha. Meu pai escolheu as férias do meio do ano para fazer a mudança para que eu perdesse o menos possível o contato com as aulas. Sabiam que o ano letivo seria complicado, mas era ainda mais complicado adiar por mais seis meses a mudança da família. Meu pai já morava sozinho havia seis meses, e só agora tinha se firmado realmente, por isso só agora decidimos nos mudar mesmo. Antes o visitávamos quase todos as semanas.
Logo as aulas começaram e me senti um pouco isolado no meio daquelas pessoas que, no mínimo, se conheciam desde o início do ano. Um dia tive que estudar alguma coisa. Então, coloquei um som mais calmo, para poder me concentrar, um som que gostava há muito tempo, mas que era de certa forma desconhecida. “Pavement”, “Wowee Zowee”.
A escrivaninha ficava perto da janela para aproveitar a luz que tanto odiava nas manhãs dos finais de semana. Num determinado momento observava a paisagem que enxergava dali, um morro com vasta vegetação intacta. E, logo assim, percebeu que de algum lugar perto vinha um som conhecido. Também era “Pavement”, mas “Terror Twilight”, um outro cd que eu também tinha. Levantei-me e, primeiro, fui à janela tentar achar de onde vinha o som. Botei a cabeça para fora e olhei. Parecia que o som vinha do alto. Fiquei intrigado, voltei para o próprio aparelho de som, tirei o disco que tocava e coloquei o mesmo do outro apartamento, esperei uma das faixas para sincronizar. Era a minha preferida “The Hexx”. Acabou a música, resolvi guinar, o primeiro do “Rage Against the Machine”, disco homônimo, e aumentei. O som que vinha do outro apartamento cessou. Quando acabou a faixa escolhida, “Bullet in your head”, percebi que veio outra música só que de outro cd da banda, “The ghost of Tom Joad”. Preferia o primeiro do “Rage against”, mas aquela música era muito boa, não podia negar, era a melhor do disco de regravações. Troquei ao final da faixa e coloquei “Audioslave”, para fazer uma ponte direta. Teve como resposta “Sistem of a Down”. Pensei que o sujeito era ousado, então resolvi virar para “Smashing Pumpking” para surpreendê-lo. Ele me respondeu com “Sonic Youth” e “Pixies”, “The Cure”, “The Police” e minha mãe me chamou para fazer alguma coisa.
Me lembro que sai com um sorriso no rosto e minha mãe me perguntou o motivo daquilo, daquela forma que só mães sabem fazer, “Viu uma passarinho verde, filho?”. Contei para ela o que tinha acontecido e ela falou, “Que bom filho. Viu, não disse para você que em pouco tempo você já ia fazer amizade por aqui?”, mas como toda mãe, aproveitou para ajustar uns parafusos, “Mas, filhinho, vê se coloca um pouquinho mais baixo, o som estava nas alturas”. Ri um pouco e respondi, “Mas mãe não tem como escutar ‘Audioslave’ baixo. É imoral, quase”, ela fez uma careta simpática.
Noutro dia, ao entrar no quarto escutei logo de cara um som muito calmo, tranqüilo, que eu adorava desde a primeira vez que tinha escutado, mas que não tinha conseguido comprar o cd. “Zero Seven”, uma banda que fazia uma mistura de trip hop com música lounge muito bacana. Deitei na cama, peguei um caderno com minhas poesias e escutei duas ou três músicas assim. Ao final, fiquei com vontade de dialogar um pouco, coloquei o cd ao vivo do “Portishead” que eu adorava, e não tinha ninguém que não gostasse. Um dia, lembro que mostrei para a minha mãe e ela adorou. Disse que era um pouco tristonho, mas lindíssimo. O sujeito tirou na hora o som dele e ficou escutando o meu. Peguei pesado, coloquei “Glory Box”, “Roads”, “Over”, na seqüência. Depois, tirei o som e deixei que ele colocasse alguma coisa, ele escolheu o “Mezaninne” do “Massive Attack”, as três primeiras, as melhores do disco, terminando com “Teardrop”, lindíssima com uma voz feminina de quase chorar. Pensei em colocar alguma coisa diferente de trip hop, mas que fosse tão bom quanto, coloquei “DJ Shadow”, o primeiro cd dele a primeira música, “Best Food Forward”, que é apenas uma introdução para a sensacional, “Buiding Steam with a grain of salt” e a outra perfeita do cd, “Napalm Brain Scalter Brain”. Quando terminou ficou um silêncio, como se ele quisesse mais, então coloquei o cd que o DJ Shadow fez com vocalistas conhecidos, chamado “Unkle”. Um disco sensacional, talvez o melhor cd que já tinha escutado, naquela época. Comecei com “Lonely Soul”, de vocal do Richard Aschcroft, do “Verve” e em seguida a tristíssima, “Rabbit in your Headlights”, com Tom Yorke. Ele não me respondeu. Pensei que talvez tivesse ido embora. Quando já tinha desistido e ia sair do quarto, escutei que ele havia colocado o “Kid A”, do “Radiohead”, fui direto para a janela olhar para cima, talvez ele estivesse ali. O sujeito tinha ótimo gosto musical, tinha que conversar com ele, mas nada acontecia. Voltei para a minha cama, para o meu caderno de poemas e acabei dormindo assim.
No almoço do dia seguinte, perguntei a minha mãe se ela conhecia quem morava no apartamento de cima, “Por que meu filho, algum problema?”, respondi que não havia nenhum, “É que o cara fez de novo, mãe. Ele colocou as músicas de acordo com as que eu colocava. Achei sensacional e...”, “Por que, então, você não chamou ele pela janela, meu filho?”, “É mãe, até que eu pensei nisso, mas, pensei que a senhora podia reclamar, eu tava fazendo barulho e tal”, menti. Coloquei a culpa na minha mãe. Não tinha coragem de puxar assunto assim, com alguém que não conhecia direito. Falaria o quê? “Boa música, hein?”. Ou, “O que você quer escutar?”. Não, devia haver algum jeito. “Mãe, você não gostaria de descobrir isso para mim, não?”, “Filho, a mamãe tá ocupada com um montão de coisas. Não dá tempo para fazer essas coisinhas não”. Tudo bem. “Tudo bem, mãe”, o que haveria de fazer.
Outro dia empolgado, pensei, hoje vou fazer uma sessão de música brasileira, comecei com Tim Maia, um cd duplo coletânea que eu tenho. Coloquei algumas músicas óbvias, e parti para uma raridade o “Tim Maia racional”, tinha os dois volumes. Interrompi uma música para saber se ele estava ali em cima e ele me respondeu colocando o cd do filme “Cidade de Deus”, um filme que eu adorei. Será que o sujeito gostava também de filme, como eu? O cara devia ser muito gente fina. Ele deu a deixa, coloquei Jorge Ben Jor, da época que ele não tinha Jor. Ele voltou com Mutantes, eu devolvi rock anos 80, primeiro Legião Urbana, depois Plebe Rude, ele colocou “Puteiro em João Pessoa”, e depois foi para o Rappa. Coloquei Mundo Livre s.a. e em seguida Chico Science e Nação Zumbi. Quando terminou “A cidade”, dei a deixa para ele colocar alguma coisa, mas veio o silêncio. Conclui que ele deveria ter saído.
Saí do quarto louco para contar para a minha mãe o que tinha acontecido novamente, “Mãe, mãe, hoje o nosso ‘set’ foi brasileiro...”, “Filho, espere um pouquinho, quero te apresentar...”, “Mãe, o cara ai de cima é bom mesmo”, “Meu filho, se acalme. Quero te apresentar...”, “Ah, mãe...”, “Meu filho, seja educado. Tenho que te apresentar o vizinho daqui de cima”, e saiu de trás dela uma menina pequenina, loirinha, de olhos claros, linda, linda, linda. Fiquei sem palavras, mas ainda pude escutar, “Você tem um bom gosto musical” daquela voz doce.
O que mais me incomodou no início, desde o dia da mudança, foi a janela. O sol entrava de manhã e me fazia acordar todo dia bem mais cedo que o que estava acostumado. Minha mãe prometeu comprar um black out para tornar o quarto mais escuro, mas sabia que iria demorar um pouco por causa de toda a confusão propicia ao período.
Que, excetuando a óbvia mudança de locação, tinha sido até, pode se considerar, tranqüila. Contudo me senti um pouco sozinho assim que cheguei. Na casa antiga, cresci com um grupo de amigos bastante unidos. Agora, nessa cidadezinha, eu tinha apenas o quarto, meu pai e minha mãe e só, nada mais.
Ainda no primeiro dia, minha mãe mandou que eu arrumasse as roupas no armário. Então, para ajudar, liguei o som e coloquei o primeiro cd do “Nirvana” que comprara, “Nevermind”. Em seguida, comprei todos os outros. A primeira música, “Smell like teen spirit”, e eu pulava, saltava, gritava. Minha mãe estava acostumada, mas pediu que maneirasse, para que os novos vizinhos não reclamassem logo assim de início. Fingi que diminui o volume e, quando minha mãe saiu, aumentei ainda mais. Ao terminar de arrumar o quarto, desliguei o som para sair. Ao apertar o botão, percebi que alguém havia colocado alguma coisa do “Stone Temple Pilots” que não identifiquei na hora. Parei um pouco para prestar atenção, escutei e sai em seguida.
Tivemos que nos mudar para a cidade pequena porque meu pai fora promovido a coordenador geral de uma das filiais da empresa de produtos químicos que ele trabalha. Meu pai escolheu as férias do meio do ano para fazer a mudança para que eu perdesse o menos possível o contato com as aulas. Sabiam que o ano letivo seria complicado, mas era ainda mais complicado adiar por mais seis meses a mudança da família. Meu pai já morava sozinho havia seis meses, e só agora tinha se firmado realmente, por isso só agora decidimos nos mudar mesmo. Antes o visitávamos quase todos as semanas.
Logo as aulas começaram e me senti um pouco isolado no meio daquelas pessoas que, no mínimo, se conheciam desde o início do ano. Um dia tive que estudar alguma coisa. Então, coloquei um som mais calmo, para poder me concentrar, um som que gostava há muito tempo, mas que era de certa forma desconhecida. “Pavement”, “Wowee Zowee”.
A escrivaninha ficava perto da janela para aproveitar a luz que tanto odiava nas manhãs dos finais de semana. Num determinado momento observava a paisagem que enxergava dali, um morro com vasta vegetação intacta. E, logo assim, percebeu que de algum lugar perto vinha um som conhecido. Também era “Pavement”, mas “Terror Twilight”, um outro cd que eu também tinha. Levantei-me e, primeiro, fui à janela tentar achar de onde vinha o som. Botei a cabeça para fora e olhei. Parecia que o som vinha do alto. Fiquei intrigado, voltei para o próprio aparelho de som, tirei o disco que tocava e coloquei o mesmo do outro apartamento, esperei uma das faixas para sincronizar. Era a minha preferida “The Hexx”. Acabou a música, resolvi guinar, o primeiro do “Rage Against the Machine”, disco homônimo, e aumentei. O som que vinha do outro apartamento cessou. Quando acabou a faixa escolhida, “Bullet in your head”, percebi que veio outra música só que de outro cd da banda, “The ghost of Tom Joad”. Preferia o primeiro do “Rage against”, mas aquela música era muito boa, não podia negar, era a melhor do disco de regravações. Troquei ao final da faixa e coloquei “Audioslave”, para fazer uma ponte direta. Teve como resposta “Sistem of a Down”. Pensei que o sujeito era ousado, então resolvi virar para “Smashing Pumpking” para surpreendê-lo. Ele me respondeu com “Sonic Youth” e “Pixies”, “The Cure”, “The Police” e minha mãe me chamou para fazer alguma coisa.
Me lembro que sai com um sorriso no rosto e minha mãe me perguntou o motivo daquilo, daquela forma que só mães sabem fazer, “Viu uma passarinho verde, filho?”. Contei para ela o que tinha acontecido e ela falou, “Que bom filho. Viu, não disse para você que em pouco tempo você já ia fazer amizade por aqui?”, mas como toda mãe, aproveitou para ajustar uns parafusos, “Mas, filhinho, vê se coloca um pouquinho mais baixo, o som estava nas alturas”. Ri um pouco e respondi, “Mas mãe não tem como escutar ‘Audioslave’ baixo. É imoral, quase”, ela fez uma careta simpática.
Noutro dia, ao entrar no quarto escutei logo de cara um som muito calmo, tranqüilo, que eu adorava desde a primeira vez que tinha escutado, mas que não tinha conseguido comprar o cd. “Zero Seven”, uma banda que fazia uma mistura de trip hop com música lounge muito bacana. Deitei na cama, peguei um caderno com minhas poesias e escutei duas ou três músicas assim. Ao final, fiquei com vontade de dialogar um pouco, coloquei o cd ao vivo do “Portishead” que eu adorava, e não tinha ninguém que não gostasse. Um dia, lembro que mostrei para a minha mãe e ela adorou. Disse que era um pouco tristonho, mas lindíssimo. O sujeito tirou na hora o som dele e ficou escutando o meu. Peguei pesado, coloquei “Glory Box”, “Roads”, “Over”, na seqüência. Depois, tirei o som e deixei que ele colocasse alguma coisa, ele escolheu o “Mezaninne” do “Massive Attack”, as três primeiras, as melhores do disco, terminando com “Teardrop”, lindíssima com uma voz feminina de quase chorar. Pensei em colocar alguma coisa diferente de trip hop, mas que fosse tão bom quanto, coloquei “DJ Shadow”, o primeiro cd dele a primeira música, “Best Food Forward”, que é apenas uma introdução para a sensacional, “Buiding Steam with a grain of salt” e a outra perfeita do cd, “Napalm Brain Scalter Brain”. Quando terminou ficou um silêncio, como se ele quisesse mais, então coloquei o cd que o DJ Shadow fez com vocalistas conhecidos, chamado “Unkle”. Um disco sensacional, talvez o melhor cd que já tinha escutado, naquela época. Comecei com “Lonely Soul”, de vocal do Richard Aschcroft, do “Verve” e em seguida a tristíssima, “Rabbit in your Headlights”, com Tom Yorke. Ele não me respondeu. Pensei que talvez tivesse ido embora. Quando já tinha desistido e ia sair do quarto, escutei que ele havia colocado o “Kid A”, do “Radiohead”, fui direto para a janela olhar para cima, talvez ele estivesse ali. O sujeito tinha ótimo gosto musical, tinha que conversar com ele, mas nada acontecia. Voltei para a minha cama, para o meu caderno de poemas e acabei dormindo assim.
No almoço do dia seguinte, perguntei a minha mãe se ela conhecia quem morava no apartamento de cima, “Por que meu filho, algum problema?”, respondi que não havia nenhum, “É que o cara fez de novo, mãe. Ele colocou as músicas de acordo com as que eu colocava. Achei sensacional e...”, “Por que, então, você não chamou ele pela janela, meu filho?”, “É mãe, até que eu pensei nisso, mas, pensei que a senhora podia reclamar, eu tava fazendo barulho e tal”, menti. Coloquei a culpa na minha mãe. Não tinha coragem de puxar assunto assim, com alguém que não conhecia direito. Falaria o quê? “Boa música, hein?”. Ou, “O que você quer escutar?”. Não, devia haver algum jeito. “Mãe, você não gostaria de descobrir isso para mim, não?”, “Filho, a mamãe tá ocupada com um montão de coisas. Não dá tempo para fazer essas coisinhas não”. Tudo bem. “Tudo bem, mãe”, o que haveria de fazer.
Outro dia empolgado, pensei, hoje vou fazer uma sessão de música brasileira, comecei com Tim Maia, um cd duplo coletânea que eu tenho. Coloquei algumas músicas óbvias, e parti para uma raridade o “Tim Maia racional”, tinha os dois volumes. Interrompi uma música para saber se ele estava ali em cima e ele me respondeu colocando o cd do filme “Cidade de Deus”, um filme que eu adorei. Será que o sujeito gostava também de filme, como eu? O cara devia ser muito gente fina. Ele deu a deixa, coloquei Jorge Ben Jor, da época que ele não tinha Jor. Ele voltou com Mutantes, eu devolvi rock anos 80, primeiro Legião Urbana, depois Plebe Rude, ele colocou “Puteiro em João Pessoa”, e depois foi para o Rappa. Coloquei Mundo Livre s.a. e em seguida Chico Science e Nação Zumbi. Quando terminou “A cidade”, dei a deixa para ele colocar alguma coisa, mas veio o silêncio. Conclui que ele deveria ter saído.
Saí do quarto louco para contar para a minha mãe o que tinha acontecido novamente, “Mãe, mãe, hoje o nosso ‘set’ foi brasileiro...”, “Filho, espere um pouquinho, quero te apresentar...”, “Mãe, o cara ai de cima é bom mesmo”, “Meu filho, se acalme. Quero te apresentar...”, “Ah, mãe...”, “Meu filho, seja educado. Tenho que te apresentar o vizinho daqui de cima”, e saiu de trás dela uma menina pequenina, loirinha, de olhos claros, linda, linda, linda. Fiquei sem palavras, mas ainda pude escutar, “Você tem um bom gosto musical” daquela voz doce.
terça-feira, 18 de fevereiro de 2003
mais um dos textos "perfis do rio"... esse com uma pequena diferença...
Pau e bocetinha
Se alguém perguntasse para Alberto na rua qual era a sua profissão, ele responderia, meio jocosamente, que era economista. Cursou a faculdade durante longos quatro anos, entretanto nunca exerceu de fato a profissão, excetuando o cotidiano. Se precisasse de um tom de voz mais firme, mais sério, diria que era escritor, embora na verdade, o que Alberto sentia era que ele era experto em apenas duas coisas na vida; pau e bocetinha.
Não que tivesse sido uma escolha dele. Apenas percebia que, hoje, aos trinta e poucos anos, não tinha nada na vida que conhecesse melhor do que os instrumentos externos de ambos os sexos para a reprodução.
Trabalhava há quase vinte anos numa revista de pornografia escrevendo contos eróticos de todos os tipos e tamanhos. Começou quando ainda era um adolescente e, num dia de muita ociosidade e punheta, escreveu um conto pequeno sobre um menino de 15, 16 anos, que tinha sido abordado na rua por um carro lotado de meninas, todas aparentando a mesma idade dele, e com um pedido único; desvirginar a irmã mais nova de uma delas. Ele explicava no texto que o garoto, também virgem, ficava num dilema moral entre entregar-se a uma menina qualquer e perder a oportunidade de transar com uma garotinha linda. No final, depois de passagens bastante emotivas e demasiadamente açucaradas, os dois acabavam juntos, num happy end perfeito digno dos filmes americanos.
Enviou o texto para a redação de uma das revistas que publicavam o texto e recebeu uma resposta do editor que afirmava ter gostado do texto, porém, para a publicação sugeriria apenas “alguns ajustes”. Alberto, seduzido pela possibilidade de ver algo seu publicado numa revista, aceitou as modificações do texto, sem nem mesmo saber quais eram. No número seguinte, comprou a revista e ficou embasbacado com toda a mutilação que sofreu. Na versão final, o garoto não tem nenhum tipo de drama de consciência, e ao menor sinal de que uma menina queria dar para ele, aceitava na hora a aventura. No original, Alberto teve um cuidado para não usar expressões de baixo calão ou que fossem excessivamente grosseiras. Entretanto, o que saiu na revista não perdoava em utilizar “pau” e “bocetinha” 37 vezes cada uma em meras cinco páginas escritas.
Apesar de ter se sentido traído pelo editor, tentou algumas outras vezes publicar contos eróticos com temas que fugissem dos clichês das revistas do gênero. As respostas sempre eram as mesmas; as idéias eram boas, mas o desenrolar da história sempre caía para um lado um tanto quanto sentimentalóide que, segundo o editor da revista, não era apreciado pelos leitores.
Após inúmeras tentativas frustradas, logo antes de começar a faculdade de economia, veio a surpresa, o editor convidara Alberto para ser um dos redatores da revista. Bastava que ele enxugasse o seu lado menos “racional”, disse o editor. As cartas, apesar de serem uma das seções mais importante da revista, careciam de mão de obra especializada. As contribuições dos leitores, mesmo nunca tendo diminuído, tinham decaído de qualidade nos últimos anos. A tarefa de Alberto seria cuidar na redação da editoria e de todas as outras que requeressem tintas mais ou menos sensacionalistas e eróticas.
No início Alberto era um pudico daqueles que escrevem “pêlos pubianos” e “vulva” e era repreendido duramente pelo editor por isso. Houve várias discussões onde o editor dizia coisas como “Nós temos que mostrar até o útero, se possível”, ou “Vamos enfiar até o talo, só assim nos diferenciaremos”, e Alberto sempre se perdia nas suas explicações. Pensou várias vezes em largar o emprego, mas como era algo que fazia sem precisar de muito esforço e lhe rendia uma grana razoável que dava para pagar a faculdade e ainda sobrava alguma coisa, engolia todo o orgulho e escrevia da forma como o editor queria.
Numa das discussões, o editor sugeriu que fizessem uma pesquisa entre os leitores para que fosse eleita a maneira como eles chamavam, ou as parceiras apelidavam, os pênis. No número seguinte, perguntaram como eles chamavam, ou como elas gostavam que chamassem, a vagina. O resultado não teve nada de surpreendente, deu “pau” e “bocetinha”, entre os primeiros colocados de cada categoria. O editor, assim, esfregou mais uma vez na cara dele que a revista devia adequar a linguagem para a forma que os leitores mais gostassem. Alberto, mais uma vez, teve que engolir a sua opinião.
Ao final da faculdade, havia sido efetivado para sub-editor, mas continuava a trabalhar basicamente com a redação da revista inteira. Nessa época, mais ou menos, Alberto enfrentou uma forte crise de identidade. Ele não sabia ao certo o que era da vida. Ficou meses angustiado, na dúvida de que ele pudesse ser resumido a apenas um pornógrafo qualquer de quinta. Não queria admitir isso para si mesmo, não adiantava citarem exemplos de grandes autores, de grandes empreendedores, de grandes pessoas que viviam e viveram sob o signo da pornografia. Ele não cogitava dizer para a avó, uma senhora portuguesa católica de mais de 70 anos que o criou, onde trabalhava. No máximo admitia que escrevia para uma revista masculina, e, a isso, a avó ficava toda orgulhosa.
Para enfrentar essa insegurança, Alberto decidiu escrever alguma coisa grande, alguma coisa que tivesse bastante peso, que fosse significativa para toda a sociedade, que as pessoas soubessem quem ele era. Precisava de um assunto e teve um sobressalto quando percebeu que ele trabalha em uma ótima pauta, a pornografia como pano de fundo seria perfeita.
Ele contou a história de um garoto gordo de vinte e poucos anos, o quarto e último filho de uma família rica, que era considerado por todos como a ovelha negra, pois não queria nem gostava de trabalhar. Apenas comprava revistas de sacanagem, vivia indo a cinemas pornôs e boates de strip-tease. Na morte dos pais, os irmãos decidem dar um apartamento para ele, o menor de todos, e uma pensão por mês. Alex, o nome da personagem, aceita. Ele não tinha nenhuma pretensão na vida, não precisava lutar por nada, não conseguia almejar alguma coisa. Era apenas um pária que viveria toda a vida sem nunca representar algo para a sociedade ou para ele mesmo. Gastava todo o dinheiro que ganhava, e não era pouco, com prostitutas e só aparecia nas reuniões familiares as quais era intimado e, mesmo assim, completamente bêbado. Por ironia do destino, ou por vontade única e exclusiva de Alberto, Alex assiste a morte de todos os outros irmãos e fica com o controle majoritário das empresas da família. Como era de se esperar, com o tempo, as empresas falem e Alex vai viver nas ruas, depois de perder todo o patrimônio. O que não acarreta numa grande modificação de atitude do garoto. Em poucos meses, Alex morre numa briga entre mendigos por um lugar mais seco para dormir.
Com o livro debaixo do braço, Alberto correu em todas as editoras conhecidas para publicarem seu livro. Porém as respostas nunca variavam muito. Sempre diziam que, apesar de terem gostado, era difícil publicar um livro tão pessimista de um iniciante. Alberto perguntava o que o livro tinha de errado, e as respostas eram monocórdias, nada, apenas um excesso de sentimentalismo.
Ainda que só tenha recebido negativas quanto a publicação, Alberto se sentia satisfeito em relação ao livro. Ele o considerava de bom tom, e mesmo que isso não fosse importante, sentia-se bem mais leve após a feitura do livro. Como se tivesse exorcizado todo o trauma de trabalhar numa redação de revista erótica, como se provasse para ele que era capaz de produzir alguma coisa diferente, que só trabalhava lá por uma questão de combinação de fatores. Após terminar o primeiro livro, que ele chamou de “O pária”, ele se prometeu escrever sempre. Seria algum tipo de exorcismo particular.
Em seguida, uma série de acontecimentos movimentou a vida de Alberto. Primeiro foi conhecer Carol, uma menina linda, um pouco gordinha, completamente doce, que ele relutou um pouco por se apaixonar, mas que namora até hoje. Depois, foi sua avó que faleceu, após um infarto fulminante. E, por último, recebeu a notícia que iria ser promovido a editor. O anterior tinha saído para dirigir uma concorrente mais leve da revista. Uma onde não havia menção ao “pênis” ou a “vagina” fora das páginas de saúde, quiçá aos seus nomes correspondentes populares.
Alberto se sente seguro, estabilizado e tranqüilo atualmente. Não modificou em quase nada a linha editorial traçada pelo seu antecessor, por saber que o público era fiel àquilo que era apresentado, mas insistiu que deveriam incentivar novos talentos entre os leitores para ocupar as páginas de cartas. De tempos em tempos promove concursos concorridíssimos de contos de cunho pornográfico. É o único do gênero em todo Brasil e, se duvidar, em todo o mundo. Defende com unhas e dentes o erotismo como uma tendência da arte e ri quando lembra de como começou, ou como era imaturo no início de sua carreira como pornógrafo.
Pau e bocetinha
Se alguém perguntasse para Alberto na rua qual era a sua profissão, ele responderia, meio jocosamente, que era economista. Cursou a faculdade durante longos quatro anos, entretanto nunca exerceu de fato a profissão, excetuando o cotidiano. Se precisasse de um tom de voz mais firme, mais sério, diria que era escritor, embora na verdade, o que Alberto sentia era que ele era experto em apenas duas coisas na vida; pau e bocetinha.
Não que tivesse sido uma escolha dele. Apenas percebia que, hoje, aos trinta e poucos anos, não tinha nada na vida que conhecesse melhor do que os instrumentos externos de ambos os sexos para a reprodução.
Trabalhava há quase vinte anos numa revista de pornografia escrevendo contos eróticos de todos os tipos e tamanhos. Começou quando ainda era um adolescente e, num dia de muita ociosidade e punheta, escreveu um conto pequeno sobre um menino de 15, 16 anos, que tinha sido abordado na rua por um carro lotado de meninas, todas aparentando a mesma idade dele, e com um pedido único; desvirginar a irmã mais nova de uma delas. Ele explicava no texto que o garoto, também virgem, ficava num dilema moral entre entregar-se a uma menina qualquer e perder a oportunidade de transar com uma garotinha linda. No final, depois de passagens bastante emotivas e demasiadamente açucaradas, os dois acabavam juntos, num happy end perfeito digno dos filmes americanos.
Enviou o texto para a redação de uma das revistas que publicavam o texto e recebeu uma resposta do editor que afirmava ter gostado do texto, porém, para a publicação sugeriria apenas “alguns ajustes”. Alberto, seduzido pela possibilidade de ver algo seu publicado numa revista, aceitou as modificações do texto, sem nem mesmo saber quais eram. No número seguinte, comprou a revista e ficou embasbacado com toda a mutilação que sofreu. Na versão final, o garoto não tem nenhum tipo de drama de consciência, e ao menor sinal de que uma menina queria dar para ele, aceitava na hora a aventura. No original, Alberto teve um cuidado para não usar expressões de baixo calão ou que fossem excessivamente grosseiras. Entretanto, o que saiu na revista não perdoava em utilizar “pau” e “bocetinha” 37 vezes cada uma em meras cinco páginas escritas.
Apesar de ter se sentido traído pelo editor, tentou algumas outras vezes publicar contos eróticos com temas que fugissem dos clichês das revistas do gênero. As respostas sempre eram as mesmas; as idéias eram boas, mas o desenrolar da história sempre caía para um lado um tanto quanto sentimentalóide que, segundo o editor da revista, não era apreciado pelos leitores.
Após inúmeras tentativas frustradas, logo antes de começar a faculdade de economia, veio a surpresa, o editor convidara Alberto para ser um dos redatores da revista. Bastava que ele enxugasse o seu lado menos “racional”, disse o editor. As cartas, apesar de serem uma das seções mais importante da revista, careciam de mão de obra especializada. As contribuições dos leitores, mesmo nunca tendo diminuído, tinham decaído de qualidade nos últimos anos. A tarefa de Alberto seria cuidar na redação da editoria e de todas as outras que requeressem tintas mais ou menos sensacionalistas e eróticas.
No início Alberto era um pudico daqueles que escrevem “pêlos pubianos” e “vulva” e era repreendido duramente pelo editor por isso. Houve várias discussões onde o editor dizia coisas como “Nós temos que mostrar até o útero, se possível”, ou “Vamos enfiar até o talo, só assim nos diferenciaremos”, e Alberto sempre se perdia nas suas explicações. Pensou várias vezes em largar o emprego, mas como era algo que fazia sem precisar de muito esforço e lhe rendia uma grana razoável que dava para pagar a faculdade e ainda sobrava alguma coisa, engolia todo o orgulho e escrevia da forma como o editor queria.
Numa das discussões, o editor sugeriu que fizessem uma pesquisa entre os leitores para que fosse eleita a maneira como eles chamavam, ou as parceiras apelidavam, os pênis. No número seguinte, perguntaram como eles chamavam, ou como elas gostavam que chamassem, a vagina. O resultado não teve nada de surpreendente, deu “pau” e “bocetinha”, entre os primeiros colocados de cada categoria. O editor, assim, esfregou mais uma vez na cara dele que a revista devia adequar a linguagem para a forma que os leitores mais gostassem. Alberto, mais uma vez, teve que engolir a sua opinião.
Ao final da faculdade, havia sido efetivado para sub-editor, mas continuava a trabalhar basicamente com a redação da revista inteira. Nessa época, mais ou menos, Alberto enfrentou uma forte crise de identidade. Ele não sabia ao certo o que era da vida. Ficou meses angustiado, na dúvida de que ele pudesse ser resumido a apenas um pornógrafo qualquer de quinta. Não queria admitir isso para si mesmo, não adiantava citarem exemplos de grandes autores, de grandes empreendedores, de grandes pessoas que viviam e viveram sob o signo da pornografia. Ele não cogitava dizer para a avó, uma senhora portuguesa católica de mais de 70 anos que o criou, onde trabalhava. No máximo admitia que escrevia para uma revista masculina, e, a isso, a avó ficava toda orgulhosa.
Para enfrentar essa insegurança, Alberto decidiu escrever alguma coisa grande, alguma coisa que tivesse bastante peso, que fosse significativa para toda a sociedade, que as pessoas soubessem quem ele era. Precisava de um assunto e teve um sobressalto quando percebeu que ele trabalha em uma ótima pauta, a pornografia como pano de fundo seria perfeita.
Ele contou a história de um garoto gordo de vinte e poucos anos, o quarto e último filho de uma família rica, que era considerado por todos como a ovelha negra, pois não queria nem gostava de trabalhar. Apenas comprava revistas de sacanagem, vivia indo a cinemas pornôs e boates de strip-tease. Na morte dos pais, os irmãos decidem dar um apartamento para ele, o menor de todos, e uma pensão por mês. Alex, o nome da personagem, aceita. Ele não tinha nenhuma pretensão na vida, não precisava lutar por nada, não conseguia almejar alguma coisa. Era apenas um pária que viveria toda a vida sem nunca representar algo para a sociedade ou para ele mesmo. Gastava todo o dinheiro que ganhava, e não era pouco, com prostitutas e só aparecia nas reuniões familiares as quais era intimado e, mesmo assim, completamente bêbado. Por ironia do destino, ou por vontade única e exclusiva de Alberto, Alex assiste a morte de todos os outros irmãos e fica com o controle majoritário das empresas da família. Como era de se esperar, com o tempo, as empresas falem e Alex vai viver nas ruas, depois de perder todo o patrimônio. O que não acarreta numa grande modificação de atitude do garoto. Em poucos meses, Alex morre numa briga entre mendigos por um lugar mais seco para dormir.
Com o livro debaixo do braço, Alberto correu em todas as editoras conhecidas para publicarem seu livro. Porém as respostas nunca variavam muito. Sempre diziam que, apesar de terem gostado, era difícil publicar um livro tão pessimista de um iniciante. Alberto perguntava o que o livro tinha de errado, e as respostas eram monocórdias, nada, apenas um excesso de sentimentalismo.
Ainda que só tenha recebido negativas quanto a publicação, Alberto se sentia satisfeito em relação ao livro. Ele o considerava de bom tom, e mesmo que isso não fosse importante, sentia-se bem mais leve após a feitura do livro. Como se tivesse exorcizado todo o trauma de trabalhar numa redação de revista erótica, como se provasse para ele que era capaz de produzir alguma coisa diferente, que só trabalhava lá por uma questão de combinação de fatores. Após terminar o primeiro livro, que ele chamou de “O pária”, ele se prometeu escrever sempre. Seria algum tipo de exorcismo particular.
Em seguida, uma série de acontecimentos movimentou a vida de Alberto. Primeiro foi conhecer Carol, uma menina linda, um pouco gordinha, completamente doce, que ele relutou um pouco por se apaixonar, mas que namora até hoje. Depois, foi sua avó que faleceu, após um infarto fulminante. E, por último, recebeu a notícia que iria ser promovido a editor. O anterior tinha saído para dirigir uma concorrente mais leve da revista. Uma onde não havia menção ao “pênis” ou a “vagina” fora das páginas de saúde, quiçá aos seus nomes correspondentes populares.
Alberto se sente seguro, estabilizado e tranqüilo atualmente. Não modificou em quase nada a linha editorial traçada pelo seu antecessor, por saber que o público era fiel àquilo que era apresentado, mas insistiu que deveriam incentivar novos talentos entre os leitores para ocupar as páginas de cartas. De tempos em tempos promove concursos concorridíssimos de contos de cunho pornográfico. É o único do gênero em todo Brasil e, se duvidar, em todo o mundo. Defende com unhas e dentes o erotismo como uma tendência da arte e ri quando lembra de como começou, ou como era imaturo no início de sua carreira como pornógrafo.
segunda-feira, 17 de fevereiro de 2003
perfis do rio:
A mulata
Para encurtar a história, podemos dizer que, quando Fred desceu naquela cidade tão pequena, ele só pensava em passar alguns dias de férias. Fazia um dia de sol forte, um dia quente que pesava, quando nem os olhos se atrevem a ficar abertos e ele entrou no modesto hotel quase de estrada para fazer o check in quando ficou embasbacado com a atendente. Perguntou pelo nome dela, “Sol”, ela respondeu. Ele não resistiu e fez algum tipo de piada de péssimo gosto envolvendo o nome da mulata nova de ancas largas. Ela, talvez por generosidade, talvez por humildade, nunca vai se saber ao certo, deu um riso pequeno, que ele entendeu como um retorno claro da parte dele. Logo estava íntimo da menina e falava-lhe para retornar com ele para a cidade grande. Porque lá que era vida, ela, uma moça linda como o Sol, sempre repetia, deveria viver no Rio de Janeiro. Ele arranjaria emprego para ela. Sol sorria e ele se empolgava cada vez mais.
A menina se encheu de esperança e foi um dia de noite, depois do expediente falar com a mãe sobre a vontade que ela tinha de ir com aquele moço, baixinho, gordinho, mas muito boa gente, para a cidade grande, quando a mãe, uma morena ainda maior que Sol, gritou de volta que filha dela viveria e morreria por perto, nada de ir morar no Rio de Janeiro, ainda mais com um homem que elas não conheciam, que tinha chegado outro dia.
Solange chorou por dias seguidos, atendia o público de rosto inchado e com falta de atenção, mas, obviamente, após mais alguns dias de insistência de Fred, fugiu com ele para a cidade grande, para ser feliz, para ficar famosa, como ele dizia.
Sol mal sabia que Dona Isaura, sua mãe, havia também tentado a vida na cidade grande quando era mocinha, assim, mais ou menos da idade de Sol e tinha voltado menos de dois anos depois, grávida dela. Como um enredo de uma péssima novela, a história se repetia com o intuito único, pensava Dona Isaura, de destruir a única família que ela tinha.
Não adiantava Dona Isaura esconjurá-la, desertá-la ou até amaldiçoá-la, Sol dizia que já tinha 18 anos e que tinha que viver sua vida com as próprias pernas. E foi mais ou menos isso que Dona Isaura fez. Mas não é essa a parte da história importante.
O que vale é que quando chegaram ao Rio, Fred levou Sol para o seu quarto e sala de Copacabana e disse para ela que era ali que eles morariam. Sol achou apertado, desconfortável, pequeno, mas não reclamou, estava tão extasiada com tantas novidades da cidade grande, e tanta beleza que dava para ver só de andar na praia, ou de pegar o bonde até o centro da cidade, que ela aceitaria qualquer coisa.
Quando chegou a noite, Fred perguntou para Sol se ela gostava de dançar. A menina, como era de costume, abriu um sorriso e afirmou que adorava, pensando que os dois sairiam para se divertir. O homem, sem a peruca que usava normalmente pela rua, sentou-se ao seu lado e colocou a mão no joelho dela. Sol fechou as pernas, mas não se moveu além disso. Fred começou a mexer o bigode, que se confundia com os pêlos que saiam do seu nariz, por perto do pescoço cor de cobre da menina, “Eu posso te arranjar um trabalho aqui”, Sol podia sentir o cheiro da colônia barata que ele usara misturada com nicotina, “Mas você tem que gostar de dançar”. A menina olhava para frente, estática, olhos arregalados, “Dança para mim”, o bigode dele quase encostando à orelha delicada da menina, “Não quero Seu Fred”, ela respondeu e se afastou um pouco do homem, sentando em cima do travesseiro que dormiria, ele se ajoelhou na frente dela, agarrou os joelhos da moça e ficou de frente para ela, “Nós vamos hoje na discoteca, vou te apresentar para o homem que faz a seleção das dançarinas, não quero que você me desaponte, hein?”, Fred estava com o dedo empunhado no rosto da menina, ela, com os olhos para baixo, apenas assentiu com a cabeça.
Havia uma fila enorme na calçada, basicamente formada por gringos que quebraram o pescoço na hora que Sol passou. Eles mais se pareciam com tubarões, para usar uma imagem bem batida, mas bastante funcional, a procura da comida nova. Fred, todo cheio, se emplumou ao lado dela. E ela tentava se esconder.
Entraram por uma porta lateral, reservada, Sol soube depois, aos funcionários da boate. De dentro podia-se ouvir a batucada da bateria de uma escola de samba, e ela não pôde conter o sorriso, “Está vendo o que o Fred faz para você, meu Sol”, ele falou ao reparar a satisfação dela, ela apenas abaixou a cabeça na tentativa de disfarçar o sorriso.
Logo Fred sumiu. Disse para ela aguardar num canto de um corredor e desapareceu. Sol ficou ali, encostada a parede, quando uma das portas abriu-se repentinamente e entraram várias mulatas de corpos esculturais, todas vestidas com fantasias e adereços carnavalescos. Entraram numa espécie de fila indiana, se é que se pode andar numa fila indiana fantasiada.
“Olha uma novata”, disse uma, “Bem gostosinha”, Sol ouviu do outro lado, “Será que agüenta o caldo”, não sabia ao certo quem dizia o que, “Mas olha esse bracinho, é muito magrinha”, as mulheres a rodeavam e ela não sabia o que acontecia, “É melhor desistir menina, aqui só trabalha mulherão, não magricela”, “Mas que bundão”, “Quem será que a trouxe, hein?”, Sol virava-se à procura e perdia-se, os olhos arregalados, o coração disparado, “Não se preocupe menina, a gente não morde”, “Não sempre”, e riram todas, “Deixa eu passar a mão nesse peitinho”, Sol deu um tapa na mão de uma e escutou um grito de dor, “Você tá maluca, menina, você acha que vai durar quanto tempo aqui, assim?”, alguém segurou a mão de Sol e outra deu um apertão no bico do peito dela. Sol gritou alto, mas parecia que o som da bateria abafava tudo. As mulheres soltaram Sol e ela se abaixou cobrindo os seios e sentiu uma escarrada nas costas, e uma segunda, e ia tomar a terceira quando a porta abriu-se e ela percebeu a presença de Fred no ambiente, “Ei, ei, ei, o que vocês estão fazendo aqui, com a menina?”, as mulheres se afastaram, “Nada não Fredinho, nada não”, e outra lançou, “Essa é a sua nova presa”, e todas riram, “Cuidado menina, é mais fácil lidar conosco que com o Fredinho ai”, e saíram. Fred abaixou-se, e levantou Sol que chorava copiosamente e repetia como num mantra, “Quero voltar para casa”. “Menina, acalme-se”, ele respondeu certa hora, “Se você quiser fazer sucesso aqui...”, e ela interrompeu chorando, “Não, não quero mais, quero voltar para casa”, “Ei, peraí, você veio daquele fim-de-mundo para não fazer nada? Eu te trouxe para você ser um sucesso”, e segurou no rosto dela para falar com firmeza, “Menina, você vai ficar e vai dançar naquele palco ali”.
Uma hora depois, Sol estava de biquíni, meia-calça e vestia a fantasia para dançar. “Querida, você sabe sambar?”, perguntou um veado que cuidava das meninas, ela balançou a cabeça meio sem jeito, sem querer admitir que não tinha a menor idéia de como era dançar, e fez com o que o Alvinho, o nome do veado, entendesse perfeitamente a situação dela, “Então, querida, fique do lado do palco, nunca no meio. Nunca tente chamar a atenção para você, seja discreta”, a cada conselho, Sol concordava com a cabeça com Alvinho.
O show começa e todas as mulatas evoluem no minúsculo palco, vão para frente e para trás, todas com o sorriso mais sincero que conseguem produzir, com a real noção do papel a que cabiam, com todos olhares da platéia, composta quase na totalidade por homens e gringos, dançam, sambam e esperam, mas Sol ainda não sabia disso, que algum gringo tenha mais audácia, ou tenha bebido um pouco além da conta, e suba no palco para que elas dancem com ele, e depois suba outro e mais outro e daqui a pouco o palco está intransitável com todo mundo sambando e rebolando ao som da batucada da bateria ali do lado.
Sol até que se sente à vontade sambando em cima do palco. Deixa que a música mexa cada músculo da sua perna e coxa e quadril e cintura, e rebola tranqüilamente, como se estivesse em casa, sem ninguém presente, quando sobe o primeiro homem ela acha curioso, dá uma risada, mas pensa que é apenas uma quebra no protocolo, apesar de não suspeitar que exista uma expressão, muito menos essa, que exemplifique o que ela sente naquela hora. Mas, quando sobe o segundo e assim por diante, Sol tenta sair do palco por uma das laterais e é empurrada de volta para o palco por Alvinho que diz para ela ficar lá até o show acabar. Logo tem um gringo ruivo de bigode na sua frente que não sabe sambar, embora tente a todo o momento balançar e apertar os pequenos peitos da menina, ela bate na mão dele no início, mas não consegue coordenar direito, dentro do palquinho, sambar e desviar das apalpadas do ruivo. Assim que a bateria dá uma parada, ela corre na direção do camarim e atropela o Alvinho, que tenta em vão pará-la. Ela senta numa cadeira no camarim, apanha suas roupas e chora, chora muito tapando o rosto com o vestido que ela vestia ao chegar na boate.
Em casa, Fred fala, “Não vai acontecer de novo, eu prometo. De hoje em diante, você vai ser a estrela do show, apenas a estrela”. Ela acreditou no início. Mas logo percebeu que não sabia sambar o suficiente para ser o destaque do show. Seria para sempre a coadjuvante e aceitou sem esboçar motivação, rejeição ou qualquer outro traço de emotividade. Depois foi a vez de perguntar para Fred se os boatos que ela ouvia sobre as meninas, as mulheres da boate fazerem alguns tipos de programa com os gringos eram verdadeiros. Fred disse que eram, mas que ela, o Sol da vida dele, nunca precisaria fazer isso. E ela continuava indiferente a tudo, como se o que acontecesse, não fosse com ela diretamente, mas com alguém bem distante.
Já dormia com Fred há um bom tempo e depois aceitou fazer um programa com um lourão norueguês que ficou encantado com a menina. Não parou nunca mais. O relacionamento de Sol com o resto das mulheres foi ruim apenas no início. Quando elas perceberam que ela não tinha nenhuma pretensão além da sobrevivência única e simples até quando pudesse, a englobaram sem maiores dificuldades. Sol, para usar uma das expressões preferidas de Fred, perdeu logo o brilho. Tanto fazia para ela. Não chorava mais, nunca telefonou para a família, nunca mais voltou para visitar a cidade natal, não sentia mais nada. Vivia na mediocridade e parecia 24 horas por dias anestesiada. No palco, sorria mecanicamente. Na cama, fingia gozar com Fred, ou com os outros homens, quando eles pediam isso. Provavelmente nunca soube o que era realmente um orgasmo. No meado da década seguinte, algumas meninas da boate adoeceram de uma doença estranha, nova, que diziam ser um câncer gay. Sol incluída. Não demorou nem dois anos para que morresse. Hoje, ninguém mais lembra dela. Ela se transformou em paisagem apenas.
A mulata
Para encurtar a história, podemos dizer que, quando Fred desceu naquela cidade tão pequena, ele só pensava em passar alguns dias de férias. Fazia um dia de sol forte, um dia quente que pesava, quando nem os olhos se atrevem a ficar abertos e ele entrou no modesto hotel quase de estrada para fazer o check in quando ficou embasbacado com a atendente. Perguntou pelo nome dela, “Sol”, ela respondeu. Ele não resistiu e fez algum tipo de piada de péssimo gosto envolvendo o nome da mulata nova de ancas largas. Ela, talvez por generosidade, talvez por humildade, nunca vai se saber ao certo, deu um riso pequeno, que ele entendeu como um retorno claro da parte dele. Logo estava íntimo da menina e falava-lhe para retornar com ele para a cidade grande. Porque lá que era vida, ela, uma moça linda como o Sol, sempre repetia, deveria viver no Rio de Janeiro. Ele arranjaria emprego para ela. Sol sorria e ele se empolgava cada vez mais.
A menina se encheu de esperança e foi um dia de noite, depois do expediente falar com a mãe sobre a vontade que ela tinha de ir com aquele moço, baixinho, gordinho, mas muito boa gente, para a cidade grande, quando a mãe, uma morena ainda maior que Sol, gritou de volta que filha dela viveria e morreria por perto, nada de ir morar no Rio de Janeiro, ainda mais com um homem que elas não conheciam, que tinha chegado outro dia.
Solange chorou por dias seguidos, atendia o público de rosto inchado e com falta de atenção, mas, obviamente, após mais alguns dias de insistência de Fred, fugiu com ele para a cidade grande, para ser feliz, para ficar famosa, como ele dizia.
Sol mal sabia que Dona Isaura, sua mãe, havia também tentado a vida na cidade grande quando era mocinha, assim, mais ou menos da idade de Sol e tinha voltado menos de dois anos depois, grávida dela. Como um enredo de uma péssima novela, a história se repetia com o intuito único, pensava Dona Isaura, de destruir a única família que ela tinha.
Não adiantava Dona Isaura esconjurá-la, desertá-la ou até amaldiçoá-la, Sol dizia que já tinha 18 anos e que tinha que viver sua vida com as próprias pernas. E foi mais ou menos isso que Dona Isaura fez. Mas não é essa a parte da história importante.
O que vale é que quando chegaram ao Rio, Fred levou Sol para o seu quarto e sala de Copacabana e disse para ela que era ali que eles morariam. Sol achou apertado, desconfortável, pequeno, mas não reclamou, estava tão extasiada com tantas novidades da cidade grande, e tanta beleza que dava para ver só de andar na praia, ou de pegar o bonde até o centro da cidade, que ela aceitaria qualquer coisa.
Quando chegou a noite, Fred perguntou para Sol se ela gostava de dançar. A menina, como era de costume, abriu um sorriso e afirmou que adorava, pensando que os dois sairiam para se divertir. O homem, sem a peruca que usava normalmente pela rua, sentou-se ao seu lado e colocou a mão no joelho dela. Sol fechou as pernas, mas não se moveu além disso. Fred começou a mexer o bigode, que se confundia com os pêlos que saiam do seu nariz, por perto do pescoço cor de cobre da menina, “Eu posso te arranjar um trabalho aqui”, Sol podia sentir o cheiro da colônia barata que ele usara misturada com nicotina, “Mas você tem que gostar de dançar”. A menina olhava para frente, estática, olhos arregalados, “Dança para mim”, o bigode dele quase encostando à orelha delicada da menina, “Não quero Seu Fred”, ela respondeu e se afastou um pouco do homem, sentando em cima do travesseiro que dormiria, ele se ajoelhou na frente dela, agarrou os joelhos da moça e ficou de frente para ela, “Nós vamos hoje na discoteca, vou te apresentar para o homem que faz a seleção das dançarinas, não quero que você me desaponte, hein?”, Fred estava com o dedo empunhado no rosto da menina, ela, com os olhos para baixo, apenas assentiu com a cabeça.
Havia uma fila enorme na calçada, basicamente formada por gringos que quebraram o pescoço na hora que Sol passou. Eles mais se pareciam com tubarões, para usar uma imagem bem batida, mas bastante funcional, a procura da comida nova. Fred, todo cheio, se emplumou ao lado dela. E ela tentava se esconder.
Entraram por uma porta lateral, reservada, Sol soube depois, aos funcionários da boate. De dentro podia-se ouvir a batucada da bateria de uma escola de samba, e ela não pôde conter o sorriso, “Está vendo o que o Fred faz para você, meu Sol”, ele falou ao reparar a satisfação dela, ela apenas abaixou a cabeça na tentativa de disfarçar o sorriso.
Logo Fred sumiu. Disse para ela aguardar num canto de um corredor e desapareceu. Sol ficou ali, encostada a parede, quando uma das portas abriu-se repentinamente e entraram várias mulatas de corpos esculturais, todas vestidas com fantasias e adereços carnavalescos. Entraram numa espécie de fila indiana, se é que se pode andar numa fila indiana fantasiada.
“Olha uma novata”, disse uma, “Bem gostosinha”, Sol ouviu do outro lado, “Será que agüenta o caldo”, não sabia ao certo quem dizia o que, “Mas olha esse bracinho, é muito magrinha”, as mulheres a rodeavam e ela não sabia o que acontecia, “É melhor desistir menina, aqui só trabalha mulherão, não magricela”, “Mas que bundão”, “Quem será que a trouxe, hein?”, Sol virava-se à procura e perdia-se, os olhos arregalados, o coração disparado, “Não se preocupe menina, a gente não morde”, “Não sempre”, e riram todas, “Deixa eu passar a mão nesse peitinho”, Sol deu um tapa na mão de uma e escutou um grito de dor, “Você tá maluca, menina, você acha que vai durar quanto tempo aqui, assim?”, alguém segurou a mão de Sol e outra deu um apertão no bico do peito dela. Sol gritou alto, mas parecia que o som da bateria abafava tudo. As mulheres soltaram Sol e ela se abaixou cobrindo os seios e sentiu uma escarrada nas costas, e uma segunda, e ia tomar a terceira quando a porta abriu-se e ela percebeu a presença de Fred no ambiente, “Ei, ei, ei, o que vocês estão fazendo aqui, com a menina?”, as mulheres se afastaram, “Nada não Fredinho, nada não”, e outra lançou, “Essa é a sua nova presa”, e todas riram, “Cuidado menina, é mais fácil lidar conosco que com o Fredinho ai”, e saíram. Fred abaixou-se, e levantou Sol que chorava copiosamente e repetia como num mantra, “Quero voltar para casa”. “Menina, acalme-se”, ele respondeu certa hora, “Se você quiser fazer sucesso aqui...”, e ela interrompeu chorando, “Não, não quero mais, quero voltar para casa”, “Ei, peraí, você veio daquele fim-de-mundo para não fazer nada? Eu te trouxe para você ser um sucesso”, e segurou no rosto dela para falar com firmeza, “Menina, você vai ficar e vai dançar naquele palco ali”.
Uma hora depois, Sol estava de biquíni, meia-calça e vestia a fantasia para dançar. “Querida, você sabe sambar?”, perguntou um veado que cuidava das meninas, ela balançou a cabeça meio sem jeito, sem querer admitir que não tinha a menor idéia de como era dançar, e fez com o que o Alvinho, o nome do veado, entendesse perfeitamente a situação dela, “Então, querida, fique do lado do palco, nunca no meio. Nunca tente chamar a atenção para você, seja discreta”, a cada conselho, Sol concordava com a cabeça com Alvinho.
O show começa e todas as mulatas evoluem no minúsculo palco, vão para frente e para trás, todas com o sorriso mais sincero que conseguem produzir, com a real noção do papel a que cabiam, com todos olhares da platéia, composta quase na totalidade por homens e gringos, dançam, sambam e esperam, mas Sol ainda não sabia disso, que algum gringo tenha mais audácia, ou tenha bebido um pouco além da conta, e suba no palco para que elas dancem com ele, e depois suba outro e mais outro e daqui a pouco o palco está intransitável com todo mundo sambando e rebolando ao som da batucada da bateria ali do lado.
Sol até que se sente à vontade sambando em cima do palco. Deixa que a música mexa cada músculo da sua perna e coxa e quadril e cintura, e rebola tranqüilamente, como se estivesse em casa, sem ninguém presente, quando sobe o primeiro homem ela acha curioso, dá uma risada, mas pensa que é apenas uma quebra no protocolo, apesar de não suspeitar que exista uma expressão, muito menos essa, que exemplifique o que ela sente naquela hora. Mas, quando sobe o segundo e assim por diante, Sol tenta sair do palco por uma das laterais e é empurrada de volta para o palco por Alvinho que diz para ela ficar lá até o show acabar. Logo tem um gringo ruivo de bigode na sua frente que não sabe sambar, embora tente a todo o momento balançar e apertar os pequenos peitos da menina, ela bate na mão dele no início, mas não consegue coordenar direito, dentro do palquinho, sambar e desviar das apalpadas do ruivo. Assim que a bateria dá uma parada, ela corre na direção do camarim e atropela o Alvinho, que tenta em vão pará-la. Ela senta numa cadeira no camarim, apanha suas roupas e chora, chora muito tapando o rosto com o vestido que ela vestia ao chegar na boate.
Em casa, Fred fala, “Não vai acontecer de novo, eu prometo. De hoje em diante, você vai ser a estrela do show, apenas a estrela”. Ela acreditou no início. Mas logo percebeu que não sabia sambar o suficiente para ser o destaque do show. Seria para sempre a coadjuvante e aceitou sem esboçar motivação, rejeição ou qualquer outro traço de emotividade. Depois foi a vez de perguntar para Fred se os boatos que ela ouvia sobre as meninas, as mulheres da boate fazerem alguns tipos de programa com os gringos eram verdadeiros. Fred disse que eram, mas que ela, o Sol da vida dele, nunca precisaria fazer isso. E ela continuava indiferente a tudo, como se o que acontecesse, não fosse com ela diretamente, mas com alguém bem distante.
Já dormia com Fred há um bom tempo e depois aceitou fazer um programa com um lourão norueguês que ficou encantado com a menina. Não parou nunca mais. O relacionamento de Sol com o resto das mulheres foi ruim apenas no início. Quando elas perceberam que ela não tinha nenhuma pretensão além da sobrevivência única e simples até quando pudesse, a englobaram sem maiores dificuldades. Sol, para usar uma das expressões preferidas de Fred, perdeu logo o brilho. Tanto fazia para ela. Não chorava mais, nunca telefonou para a família, nunca mais voltou para visitar a cidade natal, não sentia mais nada. Vivia na mediocridade e parecia 24 horas por dias anestesiada. No palco, sorria mecanicamente. Na cama, fingia gozar com Fred, ou com os outros homens, quando eles pediam isso. Provavelmente nunca soube o que era realmente um orgasmo. No meado da década seguinte, algumas meninas da boate adoeceram de uma doença estranha, nova, que diziam ser um câncer gay. Sol incluída. Não demorou nem dois anos para que morresse. Hoje, ninguém mais lembra dela. Ela se transformou em paisagem apenas.
quinta-feira, 6 de fevereiro de 2003
essas são coisas antigas minhas, que tentavam elucidar de alguma maneira o mundo. reparem como eu sou contraditório.
e, não reparem na qualidade, a escolha foi por ordem do que achei na frente...
Penhasco 22/01/2002
(apenas um exercício)
O homem
Chega na beira
Do precipício
“Alô, há alguém ai?”
É tão fundo que
O rio
Que abriu
A fenda
parece
Um pequeno filete
“Alguém ai do outro lado?”
Duas rochas
Maciças e vermelhas
Pontiagudas e adormecidas
Que não se tocam
“Olá”
Silêncio
Olhares perdidos
No meio do caminho
Uma resposta
Sem rosto
Sem direção
Nem de origem
Nem de destino
“Acho que ouvi um trovão”.
“Acho que senti alguns pingos”
Começa
Troveja
E então o penhasco
É a mira o objetivo
E quem está atirando
Não costuma
Errar
Quando quer
“Foi só uma chuva passageira”
“...”
(sem título) 8/11/2002
Um dia
Acertarei no alvo
Bem no meio
Mirarei no centro
Sem que haja
Nada para tremular
Conseguirei
O único
Caminho
Entre
O máximo e
O mínimo
Toda vez que
For testado
A partir desse dia,
Será a prova
Da minha perícia e exatidão
Talvez um dia
Acerte
Porque nesse dia
Eu mesmo
Saberei o que quero
Algumas verdades minhas 26/07/2001
Não gosto de
Decepções
Por isso sou
Pessimista
Jogo essas
Linhas
No papel
Com o intuito
Que floresçam
Dêem frutos
E descendentes
Férteis
Mais uma vez
Vejo
Que não passo de um
Covarde
Que fica olhando
Para frente
Com baralhos de tarô
Bola de cristal
Ou runas
Tenho medo de me machucar
E esse medo me impede
De viver tudo como é
Não confio
Nos outros
Porque não me deram
Motivos
Tenho um olhar
Que produz uma
Armadilha
E sempre captura os
Erros alheios
De quem passa
Na minha frente
O que quero
É fingir
Finjo força
Sapiência
Superioridade
Tudo com uma estrutura
Gelatinosa
Belo e flácido.
No fundo
Não sou apenas
Um pessimista
Mas
Decepcionante
Discurso Público 26/07/99
Todos nós temos demônios
Temo o porquê fugir,
Mas a grande coragem
É olhar para dentro
Todos os demônios
Habitam o coração
Viremo-nos os olhos
Até enxerga-los
Observá-los-emos até enrubesce-los
Segurá-los-emos na palma da mão
E sentiremos o quão pequenos são
Até um dia, onde nada temerás
Olharemos dentro do nosso próprio muro
E cresceremos
Dia-a-dia
Venham demônios
Estou pronto e preparado
Pronto para compreende-los
E preparado para devora-los
Mar baixo 18/01/02
Tem dias
Que não
Consigo
Escuta-lo
Por inteiro
Tem dias
Que o máximo
Permitido
É o caminho
Até o banheiro
E a aventura
Da volta
Chove lá fora
E isso é uma
Certeza
Das únicas
Que posso tirar
De uma tarde
Pelo meio
Que a noite
Quer adentrar
Não há tempo
Para abrir os olhos
Ou cheirar os perfumes
Diferentes
Das folhas e flores
Me imagino,
Agora,
Como um surfista
Num mar sem ondas
Onde só lhe
Permitem essa hora
E se reclamar
Vão argumentar
Que ele é um surfista
Ora.
Queria o que?
Isso me leva
À questão:
Por que as pessoas
Se acostumam com isso?
Por que existe
Apenas uma profissão
Valorizada:
Mercenário?
Penso seriamente em
Destoar do senso comum
E ser colocado
Na geladeira.
Literalmente.
No fundo 12/01/2002
No fundo,
No fundo
Eu gosto
Das minhas
Fases
Baixas
Por
Saber
Que não são
Eternas
E saber
Que a tal da
“bonança”
Que se segue
Depois
É muito,
Como posso dizer,
Gratificante.
Hoje, por exemplo,
Hoje fui acordado
Ao som de, pasmem,
Passarinhos.
Isto.
Bem-te-vis
Pardais
E outras espécies
Que devem
Existir
Mas a minha
Baixa cultura
Sobre aves me
Impede de citar
Nessas horas
Até tenho
Humor.
E não é ácido,
O que, por si
Só,
Já é vantagem
No fundo, no fundo
, eu não quero
admitir,
mas
Tenho estes
Traços de otimismo.
Provas 08/01/02
Concretas
E palpáveis
Tenho apenas
Uma frase
Para elucidar:
Não vou sobreviver
À base de soldo
Vou agarrar
Todas as luzes
Que conseguirem
Passar a parede
Vou conviver
Com os sobreviventes
Da hecatombe
Vou despelar-me
Até ficar
Na carne mais
Viva que tenho
Vou ser eu
Fazendo somente
O que gosto
Isto tudo
Estrategicamente
Pensado.
Vou trazer o chão
Para pisar
Em falsos caminhos
E com todas
As janelas
Abertas
Paciência
De aguardar
Os dias
Passarem em meses
Em um ano e meio
Mais ou menos
Em alguns dias
Em algumas decisões
Em definições
Em conclusões
Alguns pesadelos 03/01/02
Ontem a noite
Acordei de sobressalto
Não me lembro
O que sonhei
A cama estava
Desarrumada
Meu corpo
Suava
Estava ofegante
Sentia um cheiro
De tristeza no ar
Meus olhos estavam
Lubrificados
Escutava ao fundo
Um saxofone
Duelando com
Um trompete
Para ver
Só para ver...
E eu nem estava dormindo.
Dinâmicas de grupo 23/01/02
Deram uma
Folha em branco
Para cinco pessoas
E perguntaram:
“Querem que mude
Ou que fique
Como está?”
Disse rapidamente:
“Muda”
Porém outros dois,
Um delicadamente,
Dentro dos seus cacoetes,
Outro gritando
Esbravejando e
Impondo,
Discordaram.
“Fica”, disseram.
A menina perguntou
Como era a mudança
“Não sei”, disse eu
“Apenas é diferente”, completei
O que sobrou,
Ditou algumas gírias
Intercaladas
Mas
Conseguimos
Entender
Que era partidário da mudança.
O que gritava,
Gritou na direção
Da menina
Avisando,
Mesmo sem saber,
Que não haveria
Cabeleireiro
Na mudança.
Ela olhou para mim,
Como se questionasse
Nas só pude responder
Que não sabia
“O que é importante para mim
é a mudança”, disse
“Do modo que está,
não acho válido,
nem humano”.
Ela parou, olhou para os dois lados
E optou
Pela segurança.
(ou conservadorismo,
depende de quem conta
a história)
Vitórias e Derrotas 27/01/2002
O meu mundo
Já confunde
As derrotas
Com as vitórias
Não há mais uma
Separação
Muito visível
E eu já não sei
O que é o que.
Não sei
Qual é o meu
Estado natural
Não sei
Qual é a
Minha voz
A minha
Vontade
O meu
Desejo
Eu não sei
O que quero
E não sei aonde
Quero chegar.
Só sei
Que a tristeza
Não tem
Motivo
E gosta
De me
Acompanhar
Chega,
Aporta
E não diz
Quando
Vai
Embora.
Resta saber
Até quando
(devo) vou agüentar.
Causas 27/01/02
Começo
A perder
A fé
No sofrimento
Como causa
Para alcançarmos
Algo.
Pois o que
Pode ser
Alcançado?
Não vislumbro
Ou lembro de nada.
E como se sabe,
Sofrimento
Sem causa
Ou motivo
É apenas sintoma
De burrice
Na melhor
Das hipóteses
Há o tal “algo”.
Porém
Esqueceram
De me avisar.
O pior
Seria
Se
Eu me enganasse
Ao ponto
De pensar
Isso
E ser o
Completo inverso
Será que isso
É possível?
Enfim.
Basta
Esperar.
(com os dedos
cruzados)
terça-feira, 4 de fevereiro de 2003
(mais um texto da série "figuras do rio")
talvez por serem ambientes que ficam abertos durante 24 horas, talvez por ficarem abertos para qualquer um, talvez por estarem em qualquer lugar. o motivo único não existe, mas a conclusão é única, postos de gasolina são ambientes democráticos. nem que seja no contato motorista de volvo e frentista, ou modelo rica e famosa e atendente de lojinha de conveniência; pólos são ligados dentro de postos de gasolina.
com certeza absoluta, não é a democracia o adjetivo mais ligado ao posto de gasolina. mas, as estratégias de marketing das grandes distribuidoras fazem com que todos se sintam a vontade de passar - e ficar - dentro de uma loja de conveniência. o próprio nome diz isso.
e postos de gasolina representam bastante as figuras do seu entorno. seja na lagoa, tijuca, nova iguaçu. quer encontrar alguém, vá para o posto que é o ponto de encontro. a própria loja antes era vista como mais um elemento dentro da estrutura do posto. agora, é quase tão lucrativa quanto a própria venda de combustível.
e o combustível não vê a cor nem marca do carro que abastece. claro que para abastecer deve-se ter pelo menos o carro. mas, é normal encontrarmos bicicletas enchendo pneus, bêbados tomando as últimas e até carros dentro dos postos de combustíveis.
dentro de uma sociedade tão assimilada ao consumo, logo ao carro, postos de gasolina fazem mais parte do imaginário coletivo que uma igreja, ou coisa parecida. claro que haverá as carochinhas que desequlibrarão a balança, mas uma cidade é inimaginável sem um posto. um am pm. ou um hungry tiger. ou uma esticada ali no banco 24 horas dentro da loja para tirar dinheiro. ou no br mania...
talvez por serem ambientes que ficam abertos durante 24 horas, talvez por ficarem abertos para qualquer um, talvez por estarem em qualquer lugar. o motivo único não existe, mas a conclusão é única, postos de gasolina são ambientes democráticos. nem que seja no contato motorista de volvo e frentista, ou modelo rica e famosa e atendente de lojinha de conveniência; pólos são ligados dentro de postos de gasolina.
com certeza absoluta, não é a democracia o adjetivo mais ligado ao posto de gasolina. mas, as estratégias de marketing das grandes distribuidoras fazem com que todos se sintam a vontade de passar - e ficar - dentro de uma loja de conveniência. o próprio nome diz isso.
e postos de gasolina representam bastante as figuras do seu entorno. seja na lagoa, tijuca, nova iguaçu. quer encontrar alguém, vá para o posto que é o ponto de encontro. a própria loja antes era vista como mais um elemento dentro da estrutura do posto. agora, é quase tão lucrativa quanto a própria venda de combustível.
e o combustível não vê a cor nem marca do carro que abastece. claro que para abastecer deve-se ter pelo menos o carro. mas, é normal encontrarmos bicicletas enchendo pneus, bêbados tomando as últimas e até carros dentro dos postos de combustíveis.
dentro de uma sociedade tão assimilada ao consumo, logo ao carro, postos de gasolina fazem mais parte do imaginário coletivo que uma igreja, ou coisa parecida. claro que haverá as carochinhas que desequlibrarão a balança, mas uma cidade é inimaginável sem um posto. um am pm. ou um hungry tiger. ou uma esticada ali no banco 24 horas dentro da loja para tirar dinheiro. ou no br mania...
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