Muito barulho por nada
“Maldito coração” (no original “Heart is Deceitful Above All Things”) é daqueles filmes, percebemos desde os primeiros fotogramas, de puro sofrimento. O protagonista, no caso um garoto de sete anos, é separado dos pais adotivos que lhe davam carinho e conforto para voltar para a casa da mãe, uma junkie desequilibrada, filha de um pastor protestante ultraconservador. Claro que ele sofre um baque com a transformação do ambiente em que está inserido. Da segurança de um lar à maluquice completa e irrestrita. Lembra os escritos russos do início do século passado, que falavam dos pequenos mujiques, tratados quase como escravos. Ou seja, nada novo no horizonte.
Contudo, o filme vai ficar falado, mas por outro motivo. Asia Argento, filha de Dario, o rei do horror à italiana, diretora, roteirista e atriz principal do longa, adaptou um livro de contos autobiográficos de JT Leroy para as telas. Bem, se você não esteve em Marte nesta última semana, sabe isso, isso e isso. Mas se a sua viagem foi proveitosa o bastante para não perder o seu tempo com essas baboseiras terrenas, um resumo: JT Leroy é uma fraude. Ele se apresentou ao respeitável público como um ex-garoto de programa viciado em heroína, salvo das ruas por um casal bondoso (Laura Albert e Geoffrey Knoop ) e que usava a literatura como válvula de escape. Tudo enganação. O sujeito andava travestido de mulher por feiras e encontros literários do mundo inteiro (inclusive a última Flip), mas na verdade ele era “A” sujeita: Savannah Knoop. Como o sobrenome sugere, irmã de Geoffrey. Quem escrevia os livros, aliás, era Laura. Resumindo: JT Leroy, como muito bem diz JX Braga, é uma instalação. Mas não quero comentar isso.
É uma pena esse estardalhaço sobre a identidade do (a) JT Leroy. Ou, pelo menos, é uma pena que suplante a discussão sobre o filme. Pois o longa, apesar de não propor uma grande inovação – seja no plano estético, ou na abordagem temática –, deve ser encarado com uma atenção extra. O título original explica melhor o que eu quero dizer que o traduzido. Apesar de ser muito maltratado pela mãe, o pequeno Jeremiah – o nome do protagonista – só tem contato com o amor, com uma relação amorosa, através de Sarah, a sua mommy. O coração é enganador acima de todas as coisas. Seres humanos precisam de amor, de se sentirem amados, crianças precisam ainda mais. O filme – e o livro provavelmente também – trata sobre esse assunto. Independentemente de quem é o seu autor, se ele realmente existe ou não, fica-se espantado de qualquer forma. Conseguimos suplantar todas as perdas e danos pela necessidade de amar e sermos amados. É curioso e muito estranho admitirmos isso. Mas é a verdade.
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