Um americano de cerca de 50 anos, casado com uma chinesa de uns 30, 35, contava à mesa de jantar após algumas garrafas de vinho como ele era um sujeito esquecido. Um dia desses, exemplificou, ele saiu de casa sem um centavo e só foi se dar conta disso quando estava dentro de um táxi voltando para casa. Como pagar o motorista?, se perguntou. Como, ao menos, avisar o motorista que ele não tinha qualquer dinheiro, já que o mandarim dele é ainda bem precário? Não pestanejou: sacou o celular e ligou para a esposa. Ela, claro, resolveu tudo: transferiu a grana para o celular dele, e ele pagou o motorista com o próprio telefone. Ou melhor, não exatamente com o celular, mas com o WeChat, o aplicativo de comunicação instantânea mais popular pelos lados de cá.
O simples fato dessa plataforma ser a principal rede social da China já chama muita atenção: todo mundo, assim que ganha alguma intimidade, pede para escanear o QR do seu WeChat, como antigamente se pedia o número de seu telefone. São mais 800 milhões de usuários, sendo 90% na China. Para ter uma ideia, o Facebook no mundo inteiro tem só o dobro disso [ok, não é "só", mas vocês entenderam]. Whatsapp, um bilhão. Mas o WeChat vai além de uma rede social como esses concorrentes. O Weibo, por exemplo, também é grande, e também é basicamente chinês, mas é mais parecido com os sites ocidentais, tipo Twitter.
Já o WeChat tem comunicação instantânea, linhas do tempo, jogos, e todas as features que nós conhecemos MAIS uma que não é tão comum do lado daí do globo: funciona como uma espécie de cartão de banco - dá para fazer pagamentos, tem ligação direta com a sua conta corrente e até é possível transferência de um celular para outro. Exatamente como o sujeito ali em cima fez.
Dias desse, eu vi uma barraquinha que vende uns sanduíches de café-da-manhã, muito provavelmente informal, que aceitava pagamento no WeChat [não consegui conversar com o dono do estabelecimento, infelizmente]. Esse é o nível de penetração da ferramenta.
O WeChat é onipresente. Toda a vida social chinesa passa por conversas dentro do aplicativo, trocas de stickers e gifs animados, com piadas internas e fofuras diversas. Há todo um mundo a se explorar lá dentro - coisa que ainda não consegui chegar ao fim. É, sei lá, tipo esses jogos que vão se desenvolvendo a cada fase que passamos. Blogs, mini-sites, área de fotos, linhas do tempo, pode marcar os amigos em postagens, enfim. Tem mais um pouco que tudo. O frenesi do Twitter, mais o vício do Facebook, mais a instantaneidade do Whatsapp, mais o seu cartão de banco. E alguma outra coisa que eu ainda não descobri, certamente.
[No Brasil, uma curiosidade, o aplicativo serve quase como uma versão diferente dos apps de encontros, tipo Tinder ou Badoo [outra curiosidade: como o Google é proibido aqui, o site de busca mais usado é um quase homônimo, o Baidu - que se expandiu e tem outras características, como ser loja virtual], porque tem um recurso de encontrar quem está perto de você. Os moços, então, colocam fotos que mostram seus, digamos, dotes para jogo, com detalhes de centimetragens e, hum, amperagens.]
Voltando. Uma coisa é certa: a websfera chinesa é extremamente diferente da ocidental - e aí, sim, podemos dizer sem muito medo de errar muito, que há bastante em comum nesse lado do mundo em que estamos cada vez mais dominados pelo inglês como língua única e recorrendo aos mesmos sites de busca, de interação, assistimos aos mesmos vídeos, e brincamos nos mesmos aplicativos de caça a animais imaginários. Como ouvi certa vez de uma francesa filha de italianos que morava nos EUA: hoje em dia, vivemos todos na mesma internet.
Essa diferença entre China e resto do mundo acontece por alguns motivos, suspeito. Primeiro porque o pessoal do Vale do Silício - povo extremamente endeusado aqui, me pareceu - não conseguiu jogar o jogo com as regras chinesas. Como assim o Google não tem restrições? Como assim o Facebook deixa que todas as informações de outros lugares abertas para todo mundo? Não adiantou prometerem fazer acertos: a China percebeu que era também bastante interessante barrar as invasões bárbaras e criar aplicativos parecidos, que se desenvolveram seguindo as necessidades locais.
A Tencent, a dona do WeChat, é a terceira maior empresa de internet do mundo. A Alibaba, a Amazon deles, só que vendendo qualquer coisa que você imaginar - qualquer coisa MESMO -, é a quarta. O tal Baidu é o quinto [Amazon, Facebook e Google são, por enquanto, as líderes do ranking]. A receita bruta da Tencent foi 15 bilhões de dólares em 2015, a do Facebook, 17 bi.
A China tem o Great firewall, que impede de acessarmos abertamente determinados sites. Porém não é só isso que impede a livre circulação de ideias - propaganda de VPN é o que eu mais encontro aqui. Há, claro, além disso, a dificuldade com a língua. Quase ninguém fala inglês. Mas acho que a grande sacada foi: em vez de "só" censurar alguns conteúdos, meio no esquema "1984", o governo chinês percebeu que era mais eficaz sobrecarregar de conteúdo diverso e parecido a websfera, sempre numa versão branda e bom astral, meio no esquema "Admirável mundo novo". Seguir a Xinhua, a agência estatal de notícias deles no Twitter, é divertido. Aconselho a todos para se preparar para a futura EBC. Em suma, em vez de escassez, exagero.
Um dos stickers do WeChat |
O simples fato dessa plataforma ser a principal rede social da China já chama muita atenção: todo mundo, assim que ganha alguma intimidade, pede para escanear o QR do seu WeChat, como antigamente se pedia o número de seu telefone. São mais 800 milhões de usuários, sendo 90% na China. Para ter uma ideia, o Facebook no mundo inteiro tem só o dobro disso [ok, não é "só", mas vocês entenderam]. Whatsapp, um bilhão. Mas o WeChat vai além de uma rede social como esses concorrentes. O Weibo, por exemplo, também é grande, e também é basicamente chinês, mas é mais parecido com os sites ocidentais, tipo Twitter.
Já o WeChat tem comunicação instantânea, linhas do tempo, jogos, e todas as features que nós conhecemos MAIS uma que não é tão comum do lado daí do globo: funciona como uma espécie de cartão de banco - dá para fazer pagamentos, tem ligação direta com a sua conta corrente e até é possível transferência de um celular para outro. Exatamente como o sujeito ali em cima fez.
Dias desse, eu vi uma barraquinha que vende uns sanduíches de café-da-manhã, muito provavelmente informal, que aceitava pagamento no WeChat [não consegui conversar com o dono do estabelecimento, infelizmente]. Esse é o nível de penetração da ferramenta.
O WeChat é onipresente. Toda a vida social chinesa passa por conversas dentro do aplicativo, trocas de stickers e gifs animados, com piadas internas e fofuras diversas. Há todo um mundo a se explorar lá dentro - coisa que ainda não consegui chegar ao fim. É, sei lá, tipo esses jogos que vão se desenvolvendo a cada fase que passamos. Blogs, mini-sites, área de fotos, linhas do tempo, pode marcar os amigos em postagens, enfim. Tem mais um pouco que tudo. O frenesi do Twitter, mais o vício do Facebook, mais a instantaneidade do Whatsapp, mais o seu cartão de banco. E alguma outra coisa que eu ainda não descobri, certamente.
[No Brasil, uma curiosidade, o aplicativo serve quase como uma versão diferente dos apps de encontros, tipo Tinder ou Badoo [outra curiosidade: como o Google é proibido aqui, o site de busca mais usado é um quase homônimo, o Baidu - que se expandiu e tem outras características, como ser loja virtual], porque tem um recurso de encontrar quem está perto de você. Os moços, então, colocam fotos que mostram seus, digamos, dotes para jogo, com detalhes de centimetragens e, hum, amperagens.]
Voltando. Uma coisa é certa: a websfera chinesa é extremamente diferente da ocidental - e aí, sim, podemos dizer sem muito medo de errar muito, que há bastante em comum nesse lado do mundo em que estamos cada vez mais dominados pelo inglês como língua única e recorrendo aos mesmos sites de busca, de interação, assistimos aos mesmos vídeos, e brincamos nos mesmos aplicativos de caça a animais imaginários. Como ouvi certa vez de uma francesa filha de italianos que morava nos EUA: hoje em dia, vivemos todos na mesma internet.
Essa diferença entre China e resto do mundo acontece por alguns motivos, suspeito. Primeiro porque o pessoal do Vale do Silício - povo extremamente endeusado aqui, me pareceu - não conseguiu jogar o jogo com as regras chinesas. Como assim o Google não tem restrições? Como assim o Facebook deixa que todas as informações de outros lugares abertas para todo mundo? Não adiantou prometerem fazer acertos: a China percebeu que era também bastante interessante barrar as invasões bárbaras e criar aplicativos parecidos, que se desenvolveram seguindo as necessidades locais.
A Tencent, a dona do WeChat, é a terceira maior empresa de internet do mundo. A Alibaba, a Amazon deles, só que vendendo qualquer coisa que você imaginar - qualquer coisa MESMO -, é a quarta. O tal Baidu é o quinto [Amazon, Facebook e Google são, por enquanto, as líderes do ranking]. A receita bruta da Tencent foi 15 bilhões de dólares em 2015, a do Facebook, 17 bi.
A China tem o Great firewall, que impede de acessarmos abertamente determinados sites. Porém não é só isso que impede a livre circulação de ideias - propaganda de VPN é o que eu mais encontro aqui. Há, claro, além disso, a dificuldade com a língua. Quase ninguém fala inglês. Mas acho que a grande sacada foi: em vez de "só" censurar alguns conteúdos, meio no esquema "1984", o governo chinês percebeu que era mais eficaz sobrecarregar de conteúdo diverso e parecido a websfera, sempre numa versão branda e bom astral, meio no esquema "Admirável mundo novo". Seguir a Xinhua, a agência estatal de notícias deles no Twitter, é divertido. Aconselho a todos para se preparar para a futura EBC. Em suma, em vez de escassez, exagero.