O que o seu Buonarroti fez foi obra da fé ou da ciência - ou foi arte? |
Não estou tentando dizer aqui apenas que a fé pode ajudar a ciência - e/ou vice-versa -, mas que os âmbitos, as estruturas, a organização [como quer que o chamemos] entre os dois são extremamente permeáveis. Ou seja, alguma coisa pode ser "ciência" E também ser "fé" - não é excludente. Ou alguma coisa pode ser "fé" em determinado momento, sob algum determinado ponto de vista, e ser "ciência" em outro ponto de vista.
Também não estou afirmando que alguém com câncer deva optar pela homeopatia em vez da quimioterapia. O que eu estou dizendo é que, em alguns casos, circunstancialmente, a homeopatia teria o fim que em outros casos a quimioterapia teria. Tudo, me parece, nessa discussão, é circunstancial. Não daria para generalizar em nenhum caso [e isso é um problema danado, principalmente para a comunicação e a linguagem].
Muito menos estou tentando justificar a educação por parâmetros religiosos, ou qualquer tentativa de acabar com Darwin. Acho que, para se viver nesta nossa sociedade de alguma maneira ocidentalizada, da maneira como ela se apresenta para nós, neste momento, o que chamamos de "ciência" dá mais possibilidade de se criar um diálogo entre os diferentes que o que chamamos de "fé". Entre Stephen Hawking e o Papa fofinho, fico com o primeiro.
Esses argumentos, entretanto, me lembram um amigo que termina agora o doutorado em Farmácia. Ele disse certa vez que há estudos que comprovam a eficiência da homeopatia em alguns tratamentos. Ninguém consegue entender, pelo método científico, como isso funciona, mas, ao fim, funciona. [Isso é tão polêmico que vou perguntar novamente para ele.]
Ou também toda a discussão da física quântica, que, pelo pouquíssimo que entendo, no mínimo, ampliou a forma de nós entendermos a física, a partir da perspectiva unicamente newtoniana - e ninguém entende bem como alguns processos quânticos funcionam. Para ficar num exemplo bobo, o bóson de Higgs foi "comprovado" recentemente, apenas.
Ou de como, muitas vezes, o método científico é manipulado para chegar a determinados fins. Tipo, gente que ainda defende que o aquecimento global não teria influência dos humanos. Ou, menos polêmico, e um caso hipotético - porque não procurei um exemplo formal -, gente que ainda defenda que o fumo de cigarros industrializados não aumentaria a probabilidade de ter câncer.
Isso tudo para ficar apenas no parâmetro-sistema-hegemonia ocidental-capitalista-eurocêntrico. Se sairmos desse ponto de partida e colocarmos o centro em outro lugar, toda a conversa muda instantaneamente de figura. Não haveria divisões assim tão claras entre "ciência" e "fé" - aliás, esses conceitos-noções já não receberiam nomes com essas correspondências.
Eu fico imaginando que essa vontade de separar a nossa vida, a nossa experiência de viver, nosso contato com o mundo, em determinadas possibilidades-destinos-conceitos-noções é fruto da tradição fundada lá com o "Hamlet" do Shakespeare, no momento-chave do "Ser ou não ser". Mesmo que a passagem seja sobre um caso bem específico. Se eu me lembro bem [o que eu duvido], é uma discussão sobre se é melhor viver ou morrer. Mas ainda assim é um exemplo a se lembrar: ou se está vivo, ou se está morto, uma coisa anularia a outra. Mas aí eu lembro: e o gato de Schrödinger? Suspeito que, após Einstein, nós temos que mudar nossos parâmetros para: ser E não ser.
Também discordo, teoricamente, da afirmação de que "a revolução científica foi uma revolução da ignorância", que demonstraria que só a partir desse momento as pessoas começaram a duvidar de suas afirmações, um dos moto-contínuos da própria ciência. Se seguirmos esse raciocínio, o processo teria começado bem antes da revolução científica: no mínimo teríamos que voltar a Sócrates, quando ele diz que só sabia que não sabia.
Ou de como, muitas vezes, o método científico é manipulado para chegar a determinados fins. Tipo, gente que ainda defende que o aquecimento global não teria influência dos humanos. Ou, menos polêmico, e um caso hipotético - porque não procurei um exemplo formal -, gente que ainda defenda que o fumo de cigarros industrializados não aumentaria a probabilidade de ter câncer.
Isso tudo para ficar apenas no parâmetro-sistema-hegemonia ocidental-capitalista-eurocêntrico. Se sairmos desse ponto de partida e colocarmos o centro em outro lugar, toda a conversa muda instantaneamente de figura. Não haveria divisões assim tão claras entre "ciência" e "fé" - aliás, esses conceitos-noções já não receberiam nomes com essas correspondências.
Eu fico imaginando que essa vontade de separar a nossa vida, a nossa experiência de viver, nosso contato com o mundo, em determinadas possibilidades-destinos-conceitos-noções é fruto da tradição fundada lá com o "Hamlet" do Shakespeare, no momento-chave do "Ser ou não ser". Mesmo que a passagem seja sobre um caso bem específico. Se eu me lembro bem [o que eu duvido], é uma discussão sobre se é melhor viver ou morrer. Mas ainda assim é um exemplo a se lembrar: ou se está vivo, ou se está morto, uma coisa anularia a outra. Mas aí eu lembro: e o gato de Schrödinger? Suspeito que, após Einstein, nós temos que mudar nossos parâmetros para: ser E não ser.
Também discordo, teoricamente, da afirmação de que "a revolução científica foi uma revolução da ignorância", que demonstraria que só a partir desse momento as pessoas começaram a duvidar de suas afirmações, um dos moto-contínuos da própria ciência. Se seguirmos esse raciocínio, o processo teria começado bem antes da revolução científica: no mínimo teríamos que voltar a Sócrates, quando ele diz que só sabia que não sabia.
Mesmo que ele tenha dito isso para mostrar a ignorância dos seus interlocutores, o método dele era investigativo, ou, para usar uma expressão inventada neste exato momento, protocientífico. O que eu quero reafirmar com esse ponto não é marcar uma data de nascimento da ciência [há a anedota sobre um filósofo famoso do século xx que afirmou que a bomba nuclear já estaria contida no primeiro poema de Parmênides], mas que o Ocidente, essa abstração que criou toda a dor e a delícia do que nós somos, teria como princípio, em linhas gerais, claro, essa busca por saber mais. Só acho que, vez por outra, rola algo mais como um aprendiz de feiticeiro: somos surpreendidos por nossas criações. Vide a bomba atômica, o aquecimento global, a superpopulação e tantos outros efeitos colaterais.
Outro detalhe que eu acho que é importante ressaltar nessa discussão entre a ciência e a fé: de alguma forma, há sempre a necessidade de se "acreditar" na ciência - mesmo a que passou por todos os procedimentos e correções. Não há qualquer garantia que a "ciência" funcione - mesmo que ela funcione 1 milhão de vezes, há sempre um "salto no escuro", uma aceitação condicional desse formato. Gosto de usar o nome "metafísica" para explicar isso. Costumo brincar que a diferença entre ciência e fé é que a primeira tem uma corda imensa para explicar o caminho de "a" a "b" enquanto a segunda vai de "a" para "b" num instante. Mas os lados "a" e "b" permanecem os mesmos.
Também não vejo por que não se possa duvidar da própria fé. Conheço casos e mais casos de fiéis que não conseguem aceitar bem a própria fé e lutam contra ela - geralmente o pessoal das religiões mais estigmatizadas, como umbanda e candomblé. Claro que podemos dizer que os casos de problemas com a fé aqui poderiam vir do fato de essas pessoas estarem num mundo em que elas sofrem preconceitos - mas vejo o fenômeno acontecer até com pessoas que estudam profissionalmente tais religiões. O que diminui a possibilidade dessa influência. Isso para não dizer como a própria igreja católica conseguiu reverter o lado da questão da dúvida, para dizer que a dúvida é o que fortalece a fé em Cristo.
Mas, claro, isso tudo aqui tem que ser colocado em dúvida, já que foi escrito por um descrente que tem dificuldades de crer nas menores coisas - como, por exemplo, na própria "ciência".
Outro detalhe que eu acho que é importante ressaltar nessa discussão entre a ciência e a fé: de alguma forma, há sempre a necessidade de se "acreditar" na ciência - mesmo a que passou por todos os procedimentos e correções. Não há qualquer garantia que a "ciência" funcione - mesmo que ela funcione 1 milhão de vezes, há sempre um "salto no escuro", uma aceitação condicional desse formato. Gosto de usar o nome "metafísica" para explicar isso. Costumo brincar que a diferença entre ciência e fé é que a primeira tem uma corda imensa para explicar o caminho de "a" a "b" enquanto a segunda vai de "a" para "b" num instante. Mas os lados "a" e "b" permanecem os mesmos.
Também não vejo por que não se possa duvidar da própria fé. Conheço casos e mais casos de fiéis que não conseguem aceitar bem a própria fé e lutam contra ela - geralmente o pessoal das religiões mais estigmatizadas, como umbanda e candomblé. Claro que podemos dizer que os casos de problemas com a fé aqui poderiam vir do fato de essas pessoas estarem num mundo em que elas sofrem preconceitos - mas vejo o fenômeno acontecer até com pessoas que estudam profissionalmente tais religiões. O que diminui a possibilidade dessa influência. Isso para não dizer como a própria igreja católica conseguiu reverter o lado da questão da dúvida, para dizer que a dúvida é o que fortalece a fé em Cristo.
Mas, claro, isso tudo aqui tem que ser colocado em dúvida, já que foi escrito por um descrente que tem dificuldades de crer nas menores coisas - como, por exemplo, na própria "ciência".