Nesses tempos em que os neofascismos pululam pelo planeta, aqueles que tentam se afastar para o mais longe possível dessa onda se veem com dificuldades para conseguir forças para combater diante de tantas e tamanhas agressões, de diferentes calibres, vindas de várias direções, quase simultaneamente.
Se não conseguem revidar, os antifascistas raramente, para não dizer nunca, conseguem sair de uma posição em que se é menos passivo para tentar começar a pautar o jogo. Não conseguem propor discussões de um jeito que empolgue, ou ao menos cause algum tipo de emoção forte, como são, convenhamos, aquelas propostas pelos neofascistas - seja pelo entusiasmo de quem apoia ou pela explícita ojeriza de quem odeia qualquer das intervenções do grupo extrema-direitista.
No campo das palavras de ordem, podemos listar, por exemplo, toda uma lista de slogans em que se prometia apenas a negação da proposta do outro, como, desde 2014, "não vai ter Copa", "não vai ter golpe", "ele não", ou o genérico "não passarão", relembrando os republicanos na guerra civil espanhola, no início do século XX.
Estamos tão acuados, no canto do ringue, que só conseguimos dizer: não, isso não! O problema é que, apesar das vontades representadas nesses sinceros gritos, houve copa, houve golpe, ele foi eleito e, como responderam esses dias no twitter, eles passaram [refletindo, aliás, a famosa música dos fascistas-monarquistas espanhóis, quando derrotavam / após derrotarem seus oponentes].
Outro problema enfrentado pelo campo que se opõe ao neofascismo é conseguir encontrar um termo, uma ideia, algo que junte todos da oposição [ou seriam os divergentes?] sob o mesmo guarda-chuva. São muito diferentes entre si para concordarem com um "nome" apenas.
Se acreditarmos em pesquisas recentes, no Brasil, ao menos, há uma primeira divisão em três grandes grupos: Um terço que votaria ainda hoje no atual presidente, um terço que não votaria jamais no presidente, e um terço que se vê contra o presidente mas também não gosta de um pensamento de "esquerda", no caso representado pelo PT e outros grupos.
As disputas internas desses grandes grandes segmentos também mostram que há tantas divisões que nenhum deles pode ser considerado uníssono. Entre os apoiadores do presidente, por exemplo, há os que votariam nele mesmo se ele matasse um homem em frente às câmeras, e há os que o preferem apesar dos mais pesados pesares. Os de "centro" também pendulam entre os que tapam o nariz e votam no mal menor, à esquerda, e os que acreditam que todos os problemas do mundo são personalizados no PT e congêneres.
E o que dizer da esquerda, tradicionalmente já atomizada, por considerar que cada um tem direito a opinião e voz? Uma das grandes discussões, há um tempo, é sobre a necessidade de se "radicalizar", para verdadeiramente "polarizar" com o lado neofascista, ou tentar fazer uma "ponte" em direção ao "centro", para tentar aumentar a capacidade de articulação.
[Todos os termos que vieram entre aspas precisariam de muitas explicações já que não está claro o que seria radicalizar, como polarizar, a maneira de fazer uma ponte e, principalmente, não faz qualquer sentido lógico chamar partidos de direita como se fossem de "centro".]
Uma das formas discutidas para aglutinar a esquerda seria admitir seu lado "socialista". É uma bandeira que muita gente boa defende, por imaginá-la abrangente o suficiente e profundamente popular, pois preocupada com quem mais precisa.
O problema é o quanto essa palavra está carregada de um determinado tipo de preconceito, a partir de anos de desgaste e de experiências ditatoriais que foram e são associadas ao termo. Ou seja, o termo mais afastaria que aproximaria. Além disso, tal denominação é muito pouco clara, vinda sozinha, o que exigiria uma segunda explicação intrinsecamente: que tipo de socialismo? Ou ainda: o que é mesmo socialismo, hein?
Agora, há um conceito que mesmo os apoiadores do presidente atual defendem, um conceito que, apesar de bastante abrangente e igualmente pouco claro a princípio, é entendido por todo mundo e defendido por "todo mundo" - inclusive, por muitos dos apoiadores do regime de extrema-direita - um conceito que é, ou pode ser, caso bem desenvolvido, representativo de uma oposição radical a toda ideia neofascista. É a boa e velha Democracia.
Ninguém, apesar do conturbado ano de 2019, tem coragem de vir a público pregar contra ela. Qualquer menção a atos que lembrem dos períodos ditatoriais, como as citações ao AI-5, por exemplo, é amplamente rechaçada, por até grandes representantes do "centro", como a Globo ou o presidente do Congresso. Mesmo quem, em manifestações da direita, queria "intervenção militar" quer também democracia - segundo uma pesquisa que li recentemente, e apesar de toda a contradição aparente. Ou seja, ninguém é "contra" a democracia, na teoria. E na prática?
Bem, a definição de democracia é das mais complexas. Conceito criado lá na Grécia Antiga, que veio se modificando desde então, por onde ela passou, não é simples explicar em poucas palavras. Mas a adoção de um termo dessa natureza se mostraria, em princípio, contrário a qualquer atitude autoritária da parte do governo. Democracia não é, ou não pode ser, a ditadura da maioria, para citar um caso. Isso já poderia isolar qualquer tipo de declaração do presidente, por exemplo, de que a arte ou a cultura não deve estar a serviço de "minorias".
A minha sugestão é a recriação desse conceito, para se espalhar em diversas áreas da política, para pautar todas as nossas ações públicas, para ser o guarda-chuva que precisamos, para nos unir, para ser usada como boia de salvação. Exemplos: A economia não pode atender apenas a interesses de empresários, ela tem que ser pensada para que mais pessoas - se não todas - possam ganhar dinheiro e se tornarem - um pouco mais, ao menos - independentes. A Floresta Amazônica não deve ser pensada como um entrave para a produção agrícola já que ao mexer na floresta se perturba direta ou indiretamente todo o mundo - literalmente. E desse modo sucessivamente. Pessoas mais balizadas que eu nas diferentes áreas de atuação da política institucional podem pensar agendas mais "democráticas".
Assim como na época da ditadura subiram aos palanques das "Diretas Já!" políticos de diferentes espectros, que seriam em breve competidores em eleições por vir, mas que então pregavam a mesma coisa [voto direto para presidente], deveríamos nos unir em prol da ferrenha defesa da democracia, que cambaleia a cada golpe neofascista. Curiosamente, o pessoal da extrema-direita parece só querer manter intacto, como fachada, exatamente o recurso do voto para os cargos eletivos. Temos que mostrar que a democracia tem que ser mais profunda que a mera escolha de nossos representantes políticos. Democracia já!
Se não conseguem revidar, os antifascistas raramente, para não dizer nunca, conseguem sair de uma posição em que se é menos passivo para tentar começar a pautar o jogo. Não conseguem propor discussões de um jeito que empolgue, ou ao menos cause algum tipo de emoção forte, como são, convenhamos, aquelas propostas pelos neofascistas - seja pelo entusiasmo de quem apoia ou pela explícita ojeriza de quem odeia qualquer das intervenções do grupo extrema-direitista.
No campo das palavras de ordem, podemos listar, por exemplo, toda uma lista de slogans em que se prometia apenas a negação da proposta do outro, como, desde 2014, "não vai ter Copa", "não vai ter golpe", "ele não", ou o genérico "não passarão", relembrando os republicanos na guerra civil espanhola, no início do século XX.
Estamos tão acuados, no canto do ringue, que só conseguimos dizer: não, isso não! O problema é que, apesar das vontades representadas nesses sinceros gritos, houve copa, houve golpe, ele foi eleito e, como responderam esses dias no twitter, eles passaram [refletindo, aliás, a famosa música dos fascistas-monarquistas espanhóis, quando derrotavam / após derrotarem seus oponentes].
Outro problema enfrentado pelo campo que se opõe ao neofascismo é conseguir encontrar um termo, uma ideia, algo que junte todos da oposição [ou seriam os divergentes?] sob o mesmo guarda-chuva. São muito diferentes entre si para concordarem com um "nome" apenas.
Se acreditarmos em pesquisas recentes, no Brasil, ao menos, há uma primeira divisão em três grandes grupos: Um terço que votaria ainda hoje no atual presidente, um terço que não votaria jamais no presidente, e um terço que se vê contra o presidente mas também não gosta de um pensamento de "esquerda", no caso representado pelo PT e outros grupos.
As disputas internas desses grandes grandes segmentos também mostram que há tantas divisões que nenhum deles pode ser considerado uníssono. Entre os apoiadores do presidente, por exemplo, há os que votariam nele mesmo se ele matasse um homem em frente às câmeras, e há os que o preferem apesar dos mais pesados pesares. Os de "centro" também pendulam entre os que tapam o nariz e votam no mal menor, à esquerda, e os que acreditam que todos os problemas do mundo são personalizados no PT e congêneres.
E o que dizer da esquerda, tradicionalmente já atomizada, por considerar que cada um tem direito a opinião e voz? Uma das grandes discussões, há um tempo, é sobre a necessidade de se "radicalizar", para verdadeiramente "polarizar" com o lado neofascista, ou tentar fazer uma "ponte" em direção ao "centro", para tentar aumentar a capacidade de articulação.
[Todos os termos que vieram entre aspas precisariam de muitas explicações já que não está claro o que seria radicalizar, como polarizar, a maneira de fazer uma ponte e, principalmente, não faz qualquer sentido lógico chamar partidos de direita como se fossem de "centro".]
Uma das formas discutidas para aglutinar a esquerda seria admitir seu lado "socialista". É uma bandeira que muita gente boa defende, por imaginá-la abrangente o suficiente e profundamente popular, pois preocupada com quem mais precisa.
O problema é o quanto essa palavra está carregada de um determinado tipo de preconceito, a partir de anos de desgaste e de experiências ditatoriais que foram e são associadas ao termo. Ou seja, o termo mais afastaria que aproximaria. Além disso, tal denominação é muito pouco clara, vinda sozinha, o que exigiria uma segunda explicação intrinsecamente: que tipo de socialismo? Ou ainda: o que é mesmo socialismo, hein?
Agora, há um conceito que mesmo os apoiadores do presidente atual defendem, um conceito que, apesar de bastante abrangente e igualmente pouco claro a princípio, é entendido por todo mundo e defendido por "todo mundo" - inclusive, por muitos dos apoiadores do regime de extrema-direita - um conceito que é, ou pode ser, caso bem desenvolvido, representativo de uma oposição radical a toda ideia neofascista. É a boa e velha Democracia.
Ninguém, apesar do conturbado ano de 2019, tem coragem de vir a público pregar contra ela. Qualquer menção a atos que lembrem dos períodos ditatoriais, como as citações ao AI-5, por exemplo, é amplamente rechaçada, por até grandes representantes do "centro", como a Globo ou o presidente do Congresso. Mesmo quem, em manifestações da direita, queria "intervenção militar" quer também democracia - segundo uma pesquisa que li recentemente, e apesar de toda a contradição aparente. Ou seja, ninguém é "contra" a democracia, na teoria. E na prática?
Bem, a definição de democracia é das mais complexas. Conceito criado lá na Grécia Antiga, que veio se modificando desde então, por onde ela passou, não é simples explicar em poucas palavras. Mas a adoção de um termo dessa natureza se mostraria, em princípio, contrário a qualquer atitude autoritária da parte do governo. Democracia não é, ou não pode ser, a ditadura da maioria, para citar um caso. Isso já poderia isolar qualquer tipo de declaração do presidente, por exemplo, de que a arte ou a cultura não deve estar a serviço de "minorias".
A minha sugestão é a recriação desse conceito, para se espalhar em diversas áreas da política, para pautar todas as nossas ações públicas, para ser o guarda-chuva que precisamos, para nos unir, para ser usada como boia de salvação. Exemplos: A economia não pode atender apenas a interesses de empresários, ela tem que ser pensada para que mais pessoas - se não todas - possam ganhar dinheiro e se tornarem - um pouco mais, ao menos - independentes. A Floresta Amazônica não deve ser pensada como um entrave para a produção agrícola já que ao mexer na floresta se perturba direta ou indiretamente todo o mundo - literalmente. E desse modo sucessivamente. Pessoas mais balizadas que eu nas diferentes áreas de atuação da política institucional podem pensar agendas mais "democráticas".
Assim como na época da ditadura subiram aos palanques das "Diretas Já!" políticos de diferentes espectros, que seriam em breve competidores em eleições por vir, mas que então pregavam a mesma coisa [voto direto para presidente], deveríamos nos unir em prol da ferrenha defesa da democracia, que cambaleia a cada golpe neofascista. Curiosamente, o pessoal da extrema-direita parece só querer manter intacto, como fachada, exatamente o recurso do voto para os cargos eletivos. Temos que mostrar que a democracia tem que ser mais profunda que a mera escolha de nossos representantes políticos. Democracia já!
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