Aproveitando o período natalino e os remédios contra a gripe que me atacou, que me deixaram um pouco grogue, vou cometer uma pensata sobre dois dos temas que me acompanham nos últimos tempos: niilismo e airfryer.
Ganhamos recentemente uma dessas panelas que fritam com o ar, sonho de consumo de 9 em cada 10 habitantes da classe média escolarizada em comida via programas televisivos, jovens que já cruzaram o cabo da boa esperança da metade dos 30, ou já aportaram e ultrapassaram os 40. Uma galera que já começa a se preocupar com a saúde, além do sabor (clássico dos 30) e do corpo (dos 20 em diante).
Reza a lenda que não é preciso usar óleo para fazer batatas fritas dignas das publicidades dos mais gordurosos fastfoods internacionais. Mas não apenas: todo o tipo de fritura seria feita sem qualquer gordura, usando uma tecnologia que eu não tenho a menor ideia de como funciona e que não me surpreenderá caso, em alguns anos, descobrirmos que causa câncer, assim como o micro-ondas e o telefone celular. O que leva a crer que vamos sair das doenças coronárias para algo, bem, diferente.
Pois bem: descobrimos que não. Sem óleo a batata não fica frita que nem a da foto da embalagem. O amido sai e ela fica esbranquiçada e um pouco ainda crua, quando não ligeiramente dura. Poucas tinham a crocância junto à manemolência, dignas dos grandes pratos. O mesmo aconteceu com os nossos bolinhos de lentilha: claros, pouco crocantes, pouco firmes.
Foi então que chegou o dilema da vida que causou todo esse texto: usar ou não usar óleo para dar mais consistência, sabor e crocância para os alimentos?
Percebemos que podemos entender o nosso mundo atual a partir da comida, mais especificamente do uso da airfryer.
Num momento histórico em que certas pessoas se orgulham das suas escolhas alimentares mais toscas, principalmente por serem toscas, numa busca por uma autenticidade mais autêntica, como se fosse um graal, um porto final, uma meta de vida, um alvo a se atingir, e nada mais importante durante o caminho - ao contrário, quem estiver pelo caminho, em dúvida se deve ou não segui-lo, será considerado um pária, bem, neste momento, a airfryer já nasce como uma frescura. São os fundamentalistas da gordura ou, para usar a nomenclatura nietzschiana, os niilistas passivos.
São aqueles que não querem qualquer tipo de modificação, não podem abalar a estrutura do edifício metafísico que sustenta o peso das suas vidas. Portanto, não adianta, não há frituras sem ser com frigideiras e com toneladas de óleo - de preferência com imersão, na banha de vários dias. Qualquer movimento para fora desse tipo de catequese é visto como um tipo de fraqueza, como maricagem, como heresia.
Não adianta argumentar com esses tipos, dizendo que o fundamentalismo está nos que querem apenas uma forma de comer as coisas, sem qualquer tipo de flexibilidade, porque eles defendem que "sempre" foi assim, que eles chegaram "primeiro" e estão apenas seguindo a tradição. É extremamente difícil qualquer diálogo com o tipo.
Há o fundamentalismo do lado extremamente oposto, e, de certa forma, muito parecido: aqueles que não podem cogitar a possibilidade de usar qualquer tipo de óleo na airfryer, sacrificando o resultado final do sabor em prol de um bem "superior". São os praticantes do ideal ascético, que geralmente se vangloriam de conseguir passar por mais provações que você, e, novamente, te chamam fraco por "cair em tentação". A "verdade" está sempre além ou aquém. Há uma mortificação do corpo em prol da saúde, ou melhor, de uma saúde. Os desejos mais primitivos são negados por conta de um ideal que jamais será atingido na sua completude.
Numa terceira ponta deste triângulo niilista, há os que não se importam muito com essas coisas - nem com nada. Comida para eles é apenas uma obrigação, nunca um prazer, jamais uma alegria. É um fardo que se tem que passar e saber como se faz a comida não está mesmo nos planos de curto, médio quiçá nos de longo prazo. Fritar com óleo velho ou sem óleo na airfryer, tanto faz, o que eles querem é a comida no prato, pronta. Provavelmente nem sabem a diferença de uma coisa para a outra e se perguntarem como aquela comida chegou ali na frente deles vão citar o supermercado, apenas, ou um app de entregas.
No meio do caminho ficam aqueles testando a airfryer, como quem experimenta a vida. Podemos colocar um pouco de óleo? O quão pouco? Será saudável? Devemos colocar óleo em todas as faces do bolinho? Os que acham que não há qualquer resposta definitiva sobre as coisas e que vão aos poucos tentando descobrir os caminhos, errando e aprendendo. Sabem que há vezes que nada substitui um boa fritura clássica, deep fry. Se for de algo empanado, ainda melhor, tipo queijo provolone - melhor petisco de boteco. E sabem que isso não pode ser uma comida diária, nem uma defesa de qualquer superioridade moral. Que há momentos para a salada, também, em grandes proporções, que limpam os cantinhos e rejuvenescem as células. E, principalmente, que é na diferença entre as comidas que o corpo fica mais fortalecido.
Ganhamos recentemente uma dessas panelas que fritam com o ar, sonho de consumo de 9 em cada 10 habitantes da classe média escolarizada em comida via programas televisivos, jovens que já cruzaram o cabo da boa esperança da metade dos 30, ou já aportaram e ultrapassaram os 40. Uma galera que já começa a se preocupar com a saúde, além do sabor (clássico dos 30) e do corpo (dos 20 em diante).
Reza a lenda que não é preciso usar óleo para fazer batatas fritas dignas das publicidades dos mais gordurosos fastfoods internacionais. Mas não apenas: todo o tipo de fritura seria feita sem qualquer gordura, usando uma tecnologia que eu não tenho a menor ideia de como funciona e que não me surpreenderá caso, em alguns anos, descobrirmos que causa câncer, assim como o micro-ondas e o telefone celular. O que leva a crer que vamos sair das doenças coronárias para algo, bem, diferente.
Pois bem: descobrimos que não. Sem óleo a batata não fica frita que nem a da foto da embalagem. O amido sai e ela fica esbranquiçada e um pouco ainda crua, quando não ligeiramente dura. Poucas tinham a crocância junto à manemolência, dignas dos grandes pratos. O mesmo aconteceu com os nossos bolinhos de lentilha: claros, pouco crocantes, pouco firmes.
Foi então que chegou o dilema da vida que causou todo esse texto: usar ou não usar óleo para dar mais consistência, sabor e crocância para os alimentos?
Percebemos que podemos entender o nosso mundo atual a partir da comida, mais especificamente do uso da airfryer.
Num momento histórico em que certas pessoas se orgulham das suas escolhas alimentares mais toscas, principalmente por serem toscas, numa busca por uma autenticidade mais autêntica, como se fosse um graal, um porto final, uma meta de vida, um alvo a se atingir, e nada mais importante durante o caminho - ao contrário, quem estiver pelo caminho, em dúvida se deve ou não segui-lo, será considerado um pária, bem, neste momento, a airfryer já nasce como uma frescura. São os fundamentalistas da gordura ou, para usar a nomenclatura nietzschiana, os niilistas passivos.
São aqueles que não querem qualquer tipo de modificação, não podem abalar a estrutura do edifício metafísico que sustenta o peso das suas vidas. Portanto, não adianta, não há frituras sem ser com frigideiras e com toneladas de óleo - de preferência com imersão, na banha de vários dias. Qualquer movimento para fora desse tipo de catequese é visto como um tipo de fraqueza, como maricagem, como heresia.
Não adianta argumentar com esses tipos, dizendo que o fundamentalismo está nos que querem apenas uma forma de comer as coisas, sem qualquer tipo de flexibilidade, porque eles defendem que "sempre" foi assim, que eles chegaram "primeiro" e estão apenas seguindo a tradição. É extremamente difícil qualquer diálogo com o tipo.
Há o fundamentalismo do lado extremamente oposto, e, de certa forma, muito parecido: aqueles que não podem cogitar a possibilidade de usar qualquer tipo de óleo na airfryer, sacrificando o resultado final do sabor em prol de um bem "superior". São os praticantes do ideal ascético, que geralmente se vangloriam de conseguir passar por mais provações que você, e, novamente, te chamam fraco por "cair em tentação". A "verdade" está sempre além ou aquém. Há uma mortificação do corpo em prol da saúde, ou melhor, de uma saúde. Os desejos mais primitivos são negados por conta de um ideal que jamais será atingido na sua completude.
Numa terceira ponta deste triângulo niilista, há os que não se importam muito com essas coisas - nem com nada. Comida para eles é apenas uma obrigação, nunca um prazer, jamais uma alegria. É um fardo que se tem que passar e saber como se faz a comida não está mesmo nos planos de curto, médio quiçá nos de longo prazo. Fritar com óleo velho ou sem óleo na airfryer, tanto faz, o que eles querem é a comida no prato, pronta. Provavelmente nem sabem a diferença de uma coisa para a outra e se perguntarem como aquela comida chegou ali na frente deles vão citar o supermercado, apenas, ou um app de entregas.
No meio do caminho ficam aqueles testando a airfryer, como quem experimenta a vida. Podemos colocar um pouco de óleo? O quão pouco? Será saudável? Devemos colocar óleo em todas as faces do bolinho? Os que acham que não há qualquer resposta definitiva sobre as coisas e que vão aos poucos tentando descobrir os caminhos, errando e aprendendo. Sabem que há vezes que nada substitui um boa fritura clássica, deep fry. Se for de algo empanado, ainda melhor, tipo queijo provolone - melhor petisco de boteco. E sabem que isso não pode ser uma comida diária, nem uma defesa de qualquer superioridade moral. Que há momentos para a salada, também, em grandes proporções, que limpam os cantinhos e rejuvenescem as células. E, principalmente, que é na diferença entre as comidas que o corpo fica mais fortalecido.
Nenhum comentário:
Postar um comentário