Na entrevista que Martin Heidegger concedeu à revista "Der Spiegel" em 1966, dez anos, portanto, antes de sua morte, é possível destacar vários aspectos sobre a sua controversa vida e sua até hoje pouco decifrável obra.
O professor americano William J. Richardson, responsável tanto pela tradução para o inglês que eu li quanto por divulgar a obra do alemão nos EUA, sugere por exemplo que essa entrevista é uma espécie de testamento de Heidegger, em que ele se defende de várias acusações que são comumente associadas à sua biografia. Notada e principalmente, a sua ligação com o nazismo.
Também achei curioso, num período histórico [o atual] em que os jornais, e o jornalismo por associação, cai[em] em descrédito, o provável maior filósofo do século XX [na minha humilíssima opinião, claro] ter escolhido esse formato para deixar registrado as suas últimas vontades, e as suas derradeiras opiniões. Tudo bem que era a revista e alemã "Der Spiegel", ou seja, não foi o "Meia hora". Even though. Mas esse detalhe só aparece, provavelmente, para os jornalistas. Os demais mortais nem perceberiam - com bastante razão, eu acrescento timidamente.
Porém, há um aspecto que eu, do alto da minha quase ignorância, gostaria de colocar meus dois tostões sobre. Heidegger aparece em toda a entrevista um pouco contrariado, arredio. Apesar de não termos informações sobre o seu humor, nem uma introdução da própria revista [na versão que eu li, ao menos], é possível ver que há uma contradição constante entre o entrevistador e o filósofo. Como se Heidegger não quisesse, realmente, passar por esse interrogatório, mas engolisse o orgulho pensando em sua posteridade.
Isso se reflete, por exemplo, na sua quase má-vontade [talvez, apenas um comportamento exageradamente prático, o que é, na tradição, deveras germânico] em apontar um papel para a filosofia, demonstrando que ela está ultrapassada e que a cibernética ["Cybernetics"] a teria que / a deveria substituir. Talvez para demonstrar que a filosofia não poderia cair na vala comum tecno-científica das demais áreas do conhecimento em que há um fim claro para toda a sociedade. A filosofia, no olhar de Heidegger, estaria, assim, fora do seu tempo, já que não teria mais importância nem posição dentro dessa sociedade em que tudo converge para uma razão, mas não conseguiria sair de cena. Uma contradição bem interessante a meu ver.
Ele, entretanto, não se vê nem como pessimista - muito menos como otimista, aliás, chamando que ambos os posicionamentos "não iriam muito longe", no que eu só posso concordar, pensando que os dois raciocínios são auto-enganações, máscaras muito parecidas que colocamos para encarar o mundo real como ele é.
Depois de muito pressionado, Heidegger concede - mas pelo lado oposto. Em vez de dizer uma das possibilidades de aplicação da filosofia no mundo atual, ele generaliza [não sem um tom hiperbólico, que pode ser visto como humorado, mas o humor de um filósofo alemão] dizendo que essa inadequação se aplicaria não somente à filosofia mas a todos puros esforço e reflexão humanos ["all purely human reflection and endeavor", na tradução]. E, em seguida, ele solta a bomba que faria qualquer pós-Nietzscheano se arrepiar:
Não, esse não é o Cony |
Também achei curioso, num período histórico [o atual] em que os jornais, e o jornalismo por associação, cai[em] em descrédito, o provável maior filósofo do século XX [na minha humilíssima opinião, claro] ter escolhido esse formato para deixar registrado as suas últimas vontades, e as suas derradeiras opiniões. Tudo bem que era a revista e alemã "Der Spiegel", ou seja, não foi o "Meia hora". Even though. Mas esse detalhe só aparece, provavelmente, para os jornalistas. Os demais mortais nem perceberiam - com bastante razão, eu acrescento timidamente.
Porém, há um aspecto que eu, do alto da minha quase ignorância, gostaria de colocar meus dois tostões sobre. Heidegger aparece em toda a entrevista um pouco contrariado, arredio. Apesar de não termos informações sobre o seu humor, nem uma introdução da própria revista [na versão que eu li, ao menos], é possível ver que há uma contradição constante entre o entrevistador e o filósofo. Como se Heidegger não quisesse, realmente, passar por esse interrogatório, mas engolisse o orgulho pensando em sua posteridade.
Isso se reflete, por exemplo, na sua quase má-vontade [talvez, apenas um comportamento exageradamente prático, o que é, na tradição, deveras germânico] em apontar um papel para a filosofia, demonstrando que ela está ultrapassada e que a cibernética ["Cybernetics"] a teria que / a deveria substituir. Talvez para demonstrar que a filosofia não poderia cair na vala comum tecno-científica das demais áreas do conhecimento em que há um fim claro para toda a sociedade. A filosofia, no olhar de Heidegger, estaria, assim, fora do seu tempo, já que não teria mais importância nem posição dentro dessa sociedade em que tudo converge para uma razão, mas não conseguiria sair de cena. Uma contradição bem interessante a meu ver.
Ele, entretanto, não se vê nem como pessimista - muito menos como otimista, aliás, chamando que ambos os posicionamentos "não iriam muito longe", no que eu só posso concordar, pensando que os dois raciocínios são auto-enganações, máscaras muito parecidas que colocamos para encarar o mundo real como ele é.
Depois de muito pressionado, Heidegger concede - mas pelo lado oposto. Em vez de dizer uma das possibilidades de aplicação da filosofia no mundo atual, ele generaliza [não sem um tom hiperbólico, que pode ser visto como humorado, mas o humor de um filósofo alemão] dizendo que essa inadequação se aplicaria não somente à filosofia mas a todos puros esforço e reflexão humanos ["all purely human reflection and endeavor", na tradução]. E, em seguida, ele solta a bomba que faria qualquer pós-Nietzscheano se arrepiar:
Apenas um deus pode nos salvar. A única possibilidade para nós é que, através do pensamento e da poetização nós preparemos uma prontidão [ou fiquemos prontos, ou nos preparemos, ou preparemos um esquema: "prepare a readiness", na tradução para o inglês] para o aparecimento de um deus, ou para a ausência de um deus em nosso declínio, enquanto à vista do deus ausente, estamos no estado de declínio.Noves fora o fato de o próprio Heidegger não acreditar em traduções - de nenhum tipo, e ele fala isso também nessa entrevista -, Richardson tenta contextualizar algumas das expressões usadas nessa resposta. Diz Richardson:
"Pensamento" para Heidegger quer dizer mais que uma mera atividade intelectual. Envolve uma autêntica resposta do homem total à revelação do Ser [e esse "Ser", eu acrescento, seria o grande motivo heideggeriano]. Assim, é não-conceitual e não-representativo - uma total aceitação aberta ao Ser. Do mesmo modo, "poetizando" significa mais que o simples escrever "poesia" ou a "arte poética" no sentido mais ordinário. Quer dizer trazer a revelação do ser numa linguagem apropriada.E, em outra nota, acrescenta:
Sob todas as probabilidades, Heidegger não usa a palavra "deus" aqui em nenhum sentido pessoal / personalista ["personal sense"], mas no sentido que ele dá à palavra [frequentemente na expressão "deus ou os deuses"] nas suas interpretações de [poeta alemão romântico] Hölderlin, i.e., como a concreta manifestação do Ser como o Sagrado.Ou seja, o pós-Nietzscheano pode ficar um pouco mais tranquilo. Mas não muito. Porque ainda há a possibilidade de interpretação desse deus como uma espécie de substituição do Deus que já conhecemos. Mas me surgiu uma outra possibilidade, ligando a outro filósofo fora da curva da tradição metafísica: Spinoza. Principalmente após uma determinada passagem da mesma entrevista:
Nós não precisamos mesmo de bombas atômicas [para nos desenraizar] - o desenraizamento do homem já é uma realidade. Todas as nossas relações tornaram-se meramente técnicas. Não é mais sobre a terra que o homem vive hoje. [na tradução para o inglês: We do not need atomic bombs at all [to uproot us]— the uprooting of man is already here. All our relationships have become merely technical ones. It is no longer upon an earth that man lives today.]Ou seja, como se o homem tivesse se deslocado, saído da terra. Terra, eu acrescentaria, poderia ser, na minha interpretação, um sinônimo para natureza, naquele velho e grego sentido de Physis, em que todas as coisas que existem fazem parte dela. Daí eu linkaria com Spinoza que, segundo meus parcos conhecimentos, dizia que deus era um dos nomes para a physis, já que ele seria tudo, a totalidade e nada estaria fora. E sustentaria essa hipótese com o fato de Heidegger ter buscado muito de sua filosofia revisitando os pré-socráticos, onde esse conceito de physis era bastante forte.
Portanto, seguindo essa linha de raciocínio, encontrar esse "deus" seria encontrar essa "natureza", essa "physis", que teríamos perdido em algum lugar, quando começamos a optar por esse mundo tecno-científico [em que cada vez mais vivemos], que estaria, pela primeira vez, fora da physis. Nesse momento, e já há algum tempo, teríamos perdido contato, estaríamos desenraizados, nas palavras de Heidegger. Não sei como isso poderia ser mais atual.
Nenhum comentário:
Postar um comentário