Wittgenstein era um sujeito descabelado |
Como se sabe, seu tratado versa sobre os limites da linguagem e cria um novo campo de estudos. No fim, ele queria dizer que nossa comunicação é falha por natureza, não conseguimos nem mesmo formular nossos conceitos por completo, quiçá transferi-los a outras pessoas de maneira satisfatória. Temos que nos contentar com esse mínimo.
Como se sabe, também, o austríaco teve uma vida não muito comum. Filho de magnatas, tinha a casa frequentada pela nata de Viena, em uma época que Viena produzia a melhor nata do mundo. Não satisfeito, negou essa opulência e viveu de maneira simples e se engajou em "causas" com a primeira guerra mundial, por exemplo.
Aliás, há uma outra anedota que diz que Wittgenstein seria o grande culpado pelo horror de Hitler pelos judeus. Apesar de ter sido batizado católico, Wittgenstein é de família judia. Da mesma idade que o homem que iria liderar o partido nazista, os dois estudaram na mesma escola ao mesmo tempo, mas Hitler estava dois anos atrasado no colégio e não há informações de que tenham se encontrado. Mas há uma lenda de que no "Mein Kampf", Hitler reclama dos judeus que praticavam bullying contra ele na escola. Como sabemos do caráter irascível de Wittgenstein, podemos imaginar que ele não era apenas um deles, mas o líder do grupo.
Pois bem, reza a lenda que esse homem irascível, inquieto, que tinha passado por situações escabrosas, estava se sentindo perdido no mundo, depois de vagar muito, acabou caindo na aula do professor Bertrand Russell em Cambridge. O lord Russell, de família nobre inglesa [seu avô foi um primeiro-ministro britânico, salvou por vezes o reinado de Victoria e, segundo outra lenda, ganhou a única casa do Regent's Park como forma de agradecimento pelos serviços prestados à coroa], grande filósofo da tradição lógica, autor de uma das melhores histórias da filosofia [considerada um dos livros favoritos de Borges] etc. etc. etc. achou estranho quando aquele sujeito desajeitado e descabelado entrou em sua sala enquanto ele proferia uma das suas máximas. Mas preferiu não dizer nada: não cabe ao homem, principalmente inglês, se altercar com a presença de um estranho. Todos são livres para fazerem o que quiserem, e cabe ao homem apenas continuar a fazer o que já fazia antes.
"Por isso", continuava o seu raciocínio Russell, "podemos dizer que não há elefantes nessa sala".
Disse isso, e se virou para apagar alguma coisa no quadro. Quando ele escuta alguém pigarreando forte, atrás dele, como que quisesse chamar atenção. Russell para um instante e se vira, curioso. Ninguém nunca tinha falado nada nesse momento da suas aulas. Ao olhar para a turma, se surpreendeu. Era o sujeito descabelado. Com a mão levantada. Queria a palavra. Como ousa?, pensou e quase falou Russell. Mas ele era um inglês e ingleses não falam o que pensam. Não sóbrios.
"Sim?", Russell diz, contrariado.
"Como você sabe que não há elefantes nessa sala?", pergunta, cheio de sotaque alemão, e com dificuldade no inglês, o descabelado.
A partir daí, ficaram muito amigos. Wittgenstein virou o protegido de Russell, que via no austríaco o único capaz de responder os problemas filosóficos que o inglês tinha construído durante a vida. E Wittgenstein virou logo professor da própria Cambridge. O resto é história.
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