[Desculpem-me meus três improváveis leitores, mas o papo agora é pesado: filosofia. Prometo ser o mais simples possível, mas é que tenho que deixar registrado, escrever isso que me ocorreu hoje e que pode ser algo interessante para ser desenvolvido no futuro.]
Heidegger consegue resolver bastante das minhas questões em relação a Nietzsche. Explico rapidamente: Na tradição da filosofia ocidental, há um caminho razoavelmente claro que pode ser chamado de metafísica. O termo tem várias explicações, desde que foi cunhado lá por Aristóteles, mas o que Heidegger, esse clone do Cony, chama de "metafísica" pode ser muito do resumidamente explicado na diferença entre um mundo "verdadeiro" e um mundo "imaginado".
O exemplo mais fácil de entender isso, para nós nascidos da tradição cristã, é a noção de paraíso versus o mundo "real", em que vivemos. Ou seja, o mundo "verdadeiro" é aquele em que há nascimento, crescimento, doenças, violência, inseguranças, etc etc etc, e morte. Ou seja, um mundo que seria, segundo essa tradição do pensamento, sofrido. E outro em que haveria a perfeição, no caso, o paraíso.
Quem estudou alguma coisa de Platão, ou leu ao menos "A caverna" do Saramago, sabe que essa ideia não nasceu com o cristianismo. O mito da caverna platônico [daí o nome do romance do português] fala também de um mundo "real" e um mundo "ideal", onde só haveria os objetos "ideais", perfeitos. Se não leram o mito, vale muito a pena.
Pois bem, Nietzsche foi o cara que quis fazer a filosofia da destruição. Ele era contra essa ideia de ideia. De optarmos em viver uma vida pensando em outra. Ele dizia que só temos uma vida e é essa que temos que aproveitar. Então, para um bando de gente, ele teria acabado com a metafísica, com essa tradição da metafísica. Mas não para Heidegger.
O alemão que morreu em 1975, ou seja, ontem para os padrões da filosofia [lembre-se que estamos falando ao mesmo tempo de gregos que viveram antes de Cristo], argumenta que Nietzsche continuou a metafísica, apenas de um jeito, de um outro jeito, e que esse outro jeito ainda é ruim. Explico:
Uma das mais famosas passagens de Nietzsche tem a ver com a sentença de que "Deus está morto" [o que é curioso que ele só diz isso três vezes em toda a sua obra]. O que ele queria dizer, em linhas muito resumidas, é o que eu disse dois parágrafos acima: que nós não precisamos respeitar nenhum deus [seja ele o deus cristão, o deus platônico, ou qualquer outro] para saber como viver. Basta que vivamos. Ou seja, ele traz para o homem a noção completa de sua existência, dá autonomia para esse homem, que é apelidado de Übermensch, termo comumente traduzido como "Super-homem", mas que agora se prefere "Além-do-homem".
Claro que isso dá ruim - se não desse ruim não seria filosofia. Novamente, e novamente bem resumidamente, o que Heidegger critica nessa solução de Nietzsche é o poder dado ao homem. Ele até gosta muito dos raciocínios de Nietzsche, mas diz que o homem não consegue viver sem deus, ou um deus qualquer. Só que diferentemente de antes, o deus é decidido pelo homem, não pelo "lado de fora", não é imposto, mas escolhido. Ou ainda: passa pela subjetividade de cada um e cabe a cada um escolher o seu próprio deus. E, nisso, novamente, estaríamos na metafísica, na divisão. [Novamente, são raciocínios rápidos, introdutórios, rasos mesmos, para chegar onde eu verdadeiramente quero chegar.]
Esse arremate do Heidegger também tem problemas. Porque como vamos pensar nesse homem capaz de escolher sozinho o seu deus? Como assim ele não é influenciado? Como ele vive sem ouvir as vozes de outras pessoas e a TV ligada? Que sujeito é esse que vive isolado dos demais? Convenhamos que não há tal indivíduo. Portanto, para algumas pessoas não há diferença entre esse lado de "dentro" e o de "fora". Tudo seria de "fora". Mesmo que os homens não sejam iguais, nós somos construídos, nossas referências são todas externas. Todas as nossas escolhas são as escolhas que há. Não dá para ser completamente individual, sendo que vivemos dentro de um mundo, pense só. Mas Heidegger também tem a resposta para isso - e finalmente chegamos lá onde quero chegar!
O seu grande tema, a questão que perpassa todos os seus principais escritos é a noção do Ser. Não é nada fácil definir o que é Ser. Mas, digamos, novamente de maneira bem simplificadíssima, e podendo incorrer em um erro grave, seria algo próprio de cada um, que seja você e não mais ninguém. Sua essência. Você, lá no seu fundinho.
Mas aí sou eu agora quem não gosta desse arremate. Porque essa explicação, para mim, é deveras... hum... religiosa. Parece, em alguns momentos, como se tivéssemos algo que nos definisse, algo que fosse nosso, completamente nosso, e nada influenciado pelo exterior. Um alma, enfim. Não me agrada. Não consigo concordar com algo que seja "eterno", que não seja imutável, que não seja mexido. Daí, hoje me ocorreu uma possível explicação.
A palavra que Heidegger usa para definir esse Ser é "Sein". Mas, como no inglês com o "To Be" e no francês com o "Être", não há divisão entre "ser" e "estar" no alemão. Não há, como Borges bem notou ao falar sobre o idioma italiano, a diferença entre o existencial e o circunstancial. E, mesmo que para Heidegger a questão seja existencial, da existência, de essência, eu vou tomar a liberdade da tradução, para dizer que a minha resposta, que me deixaria mais satisfeito seria se Sein fosse traduzido para "Estar".
E uso o próprio Heidegger para me defender. Seu texto é bastante complicado, principalmente para as traduções, já que ele usa da capacidade do idioma alemão de criar novas palavras que perdem muito do significado ao passar por uma língua menos "matemática" [por favor, sem tomates! Estou resumindo!]. Ele chegou até a dizer que só se poderia filosofar em grego e alemão - não deveria ser coincidência o jogo lá do Monty Python. Eu vou tomar a liberdade que a nossa língua nos dá - e não dá para ele, para simplesmente modificar o conceito dele.
Sendo "Estar", você pode pensar que há um "Ser" que muda de "Ser" instantaneamente. Ou seja, ele sempre é um "Ser" novo, influenciado pelo seu exterior, pelo seu passado, pelas suas aspirações de futuro, pela suas ambições, pelo seu nervosismo, pelo que ele aprendeu e pelo que ele quer aprender. Ou seja, é alguém [Heidegger chamaria de "ente"] que está no tempo [hum... a principal obra do moço é "Ser e tempo"], mas está também no espaço. Não é alguém isolado. Mas é um indivíduo, há algo só dele, que muda a todo e qualquer instante. Em vez de dizer que ele, que esse ente "é" alguém, eu diria que ele "está" alguém.
Ufa. Ende. Ou melhor: fim.
Que bom é poder filosofar em português, hein, seu Heidegger?
Heidegger consegue resolver bastante das minhas questões em relação a Nietzsche. Explico rapidamente: Na tradição da filosofia ocidental, há um caminho razoavelmente claro que pode ser chamado de metafísica. O termo tem várias explicações, desde que foi cunhado lá por Aristóteles, mas o que Heidegger, esse clone do Cony, chama de "metafísica" pode ser muito do resumidamente explicado na diferença entre um mundo "verdadeiro" e um mundo "imaginado".
O exemplo mais fácil de entender isso, para nós nascidos da tradição cristã, é a noção de paraíso versus o mundo "real", em que vivemos. Ou seja, o mundo "verdadeiro" é aquele em que há nascimento, crescimento, doenças, violência, inseguranças, etc etc etc, e morte. Ou seja, um mundo que seria, segundo essa tradição do pensamento, sofrido. E outro em que haveria a perfeição, no caso, o paraíso.
Quem estudou alguma coisa de Platão, ou leu ao menos "A caverna" do Saramago, sabe que essa ideia não nasceu com o cristianismo. O mito da caverna platônico [daí o nome do romance do português] fala também de um mundo "real" e um mundo "ideal", onde só haveria os objetos "ideais", perfeitos. Se não leram o mito, vale muito a pena.
Pois bem, Nietzsche foi o cara que quis fazer a filosofia da destruição. Ele era contra essa ideia de ideia. De optarmos em viver uma vida pensando em outra. Ele dizia que só temos uma vida e é essa que temos que aproveitar. Então, para um bando de gente, ele teria acabado com a metafísica, com essa tradição da metafísica. Mas não para Heidegger.
O alemão que morreu em 1975, ou seja, ontem para os padrões da filosofia [lembre-se que estamos falando ao mesmo tempo de gregos que viveram antes de Cristo], argumenta que Nietzsche continuou a metafísica, apenas de um jeito, de um outro jeito, e que esse outro jeito ainda é ruim. Explico:
Uma das mais famosas passagens de Nietzsche tem a ver com a sentença de que "Deus está morto" [o que é curioso que ele só diz isso três vezes em toda a sua obra]. O que ele queria dizer, em linhas muito resumidas, é o que eu disse dois parágrafos acima: que nós não precisamos respeitar nenhum deus [seja ele o deus cristão, o deus platônico, ou qualquer outro] para saber como viver. Basta que vivamos. Ou seja, ele traz para o homem a noção completa de sua existência, dá autonomia para esse homem, que é apelidado de Übermensch, termo comumente traduzido como "Super-homem", mas que agora se prefere "Além-do-homem".
Claro que isso dá ruim - se não desse ruim não seria filosofia. Novamente, e novamente bem resumidamente, o que Heidegger critica nessa solução de Nietzsche é o poder dado ao homem. Ele até gosta muito dos raciocínios de Nietzsche, mas diz que o homem não consegue viver sem deus, ou um deus qualquer. Só que diferentemente de antes, o deus é decidido pelo homem, não pelo "lado de fora", não é imposto, mas escolhido. Ou ainda: passa pela subjetividade de cada um e cabe a cada um escolher o seu próprio deus. E, nisso, novamente, estaríamos na metafísica, na divisão. [Novamente, são raciocínios rápidos, introdutórios, rasos mesmos, para chegar onde eu verdadeiramente quero chegar.]
Esse arremate do Heidegger também tem problemas. Porque como vamos pensar nesse homem capaz de escolher sozinho o seu deus? Como assim ele não é influenciado? Como ele vive sem ouvir as vozes de outras pessoas e a TV ligada? Que sujeito é esse que vive isolado dos demais? Convenhamos que não há tal indivíduo. Portanto, para algumas pessoas não há diferença entre esse lado de "dentro" e o de "fora". Tudo seria de "fora". Mesmo que os homens não sejam iguais, nós somos construídos, nossas referências são todas externas. Todas as nossas escolhas são as escolhas que há. Não dá para ser completamente individual, sendo que vivemos dentro de um mundo, pense só. Mas Heidegger também tem a resposta para isso - e finalmente chegamos lá onde quero chegar!
O seu grande tema, a questão que perpassa todos os seus principais escritos é a noção do Ser. Não é nada fácil definir o que é Ser. Mas, digamos, novamente de maneira bem simplificadíssima, e podendo incorrer em um erro grave, seria algo próprio de cada um, que seja você e não mais ninguém. Sua essência. Você, lá no seu fundinho.
Mas aí sou eu agora quem não gosta desse arremate. Porque essa explicação, para mim, é deveras... hum... religiosa. Parece, em alguns momentos, como se tivéssemos algo que nos definisse, algo que fosse nosso, completamente nosso, e nada influenciado pelo exterior. Um alma, enfim. Não me agrada. Não consigo concordar com algo que seja "eterno", que não seja imutável, que não seja mexido. Daí, hoje me ocorreu uma possível explicação.
A palavra que Heidegger usa para definir esse Ser é "Sein". Mas, como no inglês com o "To Be" e no francês com o "Être", não há divisão entre "ser" e "estar" no alemão. Não há, como Borges bem notou ao falar sobre o idioma italiano, a diferença entre o existencial e o circunstancial. E, mesmo que para Heidegger a questão seja existencial, da existência, de essência, eu vou tomar a liberdade da tradução, para dizer que a minha resposta, que me deixaria mais satisfeito seria se Sein fosse traduzido para "Estar".
E uso o próprio Heidegger para me defender. Seu texto é bastante complicado, principalmente para as traduções, já que ele usa da capacidade do idioma alemão de criar novas palavras que perdem muito do significado ao passar por uma língua menos "matemática" [por favor, sem tomates! Estou resumindo!]. Ele chegou até a dizer que só se poderia filosofar em grego e alemão - não deveria ser coincidência o jogo lá do Monty Python. Eu vou tomar a liberdade que a nossa língua nos dá - e não dá para ele, para simplesmente modificar o conceito dele.
Sendo "Estar", você pode pensar que há um "Ser" que muda de "Ser" instantaneamente. Ou seja, ele sempre é um "Ser" novo, influenciado pelo seu exterior, pelo seu passado, pelas suas aspirações de futuro, pela suas ambições, pelo seu nervosismo, pelo que ele aprendeu e pelo que ele quer aprender. Ou seja, é alguém [Heidegger chamaria de "ente"] que está no tempo [hum... a principal obra do moço é "Ser e tempo"], mas está também no espaço. Não é alguém isolado. Mas é um indivíduo, há algo só dele, que muda a todo e qualquer instante. Em vez de dizer que ele, que esse ente "é" alguém, eu diria que ele "está" alguém.
Ufa. Ende. Ou melhor: fim.
Que bom é poder filosofar em português, hein, seu Heidegger?
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