Entre os dez filmes preferidos do crítico Roger Ebert, que morreu essa semana, coincidentemente eu só não tinha visto um, logo o primeiro: "Aguirre, a cólera dos deuses", de Werner Herzog. No segundo lugar, estava um dos meus filmes favoritos, se não "o" mais: "Apocalipse now". Em geral, a lista mostra um gosto para filmes grandiosos - com a excelente exceção de "Era uma vez em Tóquio", do Ozu, talvez o menor filme já feito. Portanto, eu, que gosto de épicos, de gostos fortes, de comida bem temperada, decidi assistir ao longa do diretor de "Fitzcarraldo" [outro filme épico passado na floresta].
O curioso, para mim, foi a conexão que se fez na minha cabeça entre o primeiro e segundo colocados. Enquanto via o "Aguirre", me lembrava de "Apocalipse now". Os dois se passam dentro de uma embarcação, que desce um rio caudaloso, em que as margens são inseguras. Estão com medo, não sabem como se comportar. Mas eles continuam porque têm uma missão, algo a conquistar. Uma motivação de vida, algo por que continuar a seguir. A diferença, a meu ver, fica para o fato de Aguirre ter menos relações diretas com Willard, que no filme de Coppola é o capitão interpretado por Martin Sheen. Aguirre é Kurtz.
Klaus Kinski e Marlon Brando - Aguirre e Kurtz, respectivamente - são dois atores que sugam nossa atenção para eles, como se fossem buracos negros. Ambos destoam do seu entorno. Se no filme de Herzog a intenção é clara, mostrar que Aguirre está em um lugar diferente dos demais, no de Coppola, Kurtz só aparece no fim da produção, mas é o suficiente para quase obliterar o que veio antes.
Aguirre, além disso, é um coronel Kurtz que ainda - ainda - não perdeu a esperança por completo. Ainda não enfrentou o coração das trevas da floresta e montou o seu acampamento no meio da mata, se entronizando um rei dos selvagens e criando uma sociedade não alternativa, mas nociva. É como se Herzog tivesse interrompido o filme na hora que Coppola continua. Como se "Apocalipse now" fosse a continuação de "Aguirre".
Se o espanhol, interpretado por um alemão, é a cólera, a ira, dos deuses, o resultado só pode ser, mesmo, o apocalipse, do americano, inspirado no personagem belga [criado por Conrad, polonês de uma região influenciada por ucranianos, que fugiu do país com a invasão dos russos e vai morar na Inglaterra, onde escreve suas obras, depois de ser marinheiro pelo mundo]. Os deuses, na África, no Vietnã ou na Amazônia, se revoltam quando não têm suas vaidades bem alimentadas.
Kutz perde a razão, da maneira mais racional possível, quando percebe que o deus por quem ele lutava - no livro, a civilização ocidental, no filme, a sociedade liberal - não o escuta mais. Sua utopia perde o sentido. Sua crença se mostra insuficiente para mantê-lo "são", para os padrões dessa mesma civilização ocidental, dessa mesma sociedade liberal. Cabe agora aos deuses expurgá-lo.
Aguirre ainda não perdeu a razão até o fim do filme. Ou, na verdade, nunca a teve, mas sua irracionalidade é usada a favor da sociedade: eles procuram Eldorado, o lugar onde há ouro abundante. E para enfrentar a luxuriosa floresta, deve-se ser, no mínimo, um pouco louco e muito corajoso. Aguirre, porém, não quer exatamente o ouro. Ele almeja a fama, ser reconhecido como um dos conquistadores, como Córtes, o espanhol que subjugou o México. Ele inveja o México. Seu deus é a eternidade, o que lhe move é não morrer quando fechar os olhos pela última vez, mas ficar marcado na memória das pessoas. E quando se tem esse tipo de deus, é-se capaz de produzir loucuras que não se sabia capaz. Mas, dentro da floresta, sua vida não está mais apenas em suas mãos. É ainda mais arriscado viver em um terreno totalmente desconhecido.
Pode-se, cansado e desesperançoso, desistir e se assentar, como Kurtz, à espera que a vida se acabe, de uma ou outra maneira. Ou pode-se continuar, "louco", descendo o rio, até o oceano, um oceano qualquer, até que a vida se acabe - de uma maneira ou de outra. Porque como Willard diz logo no início de "Apocalipse now", ele queria uma missão na vida - um deus - como todo mundo. E eles apenas lhe deram uma.
O curioso, para mim, foi a conexão que se fez na minha cabeça entre o primeiro e segundo colocados. Enquanto via o "Aguirre", me lembrava de "Apocalipse now". Os dois se passam dentro de uma embarcação, que desce um rio caudaloso, em que as margens são inseguras. Estão com medo, não sabem como se comportar. Mas eles continuam porque têm uma missão, algo a conquistar. Uma motivação de vida, algo por que continuar a seguir. A diferença, a meu ver, fica para o fato de Aguirre ter menos relações diretas com Willard, que no filme de Coppola é o capitão interpretado por Martin Sheen. Aguirre é Kurtz.
Klaus Kinski e Marlon Brando - Aguirre e Kurtz, respectivamente - são dois atores que sugam nossa atenção para eles, como se fossem buracos negros. Ambos destoam do seu entorno. Se no filme de Herzog a intenção é clara, mostrar que Aguirre está em um lugar diferente dos demais, no de Coppola, Kurtz só aparece no fim da produção, mas é o suficiente para quase obliterar o que veio antes.
Aguirre, além disso, é um coronel Kurtz que ainda - ainda - não perdeu a esperança por completo. Ainda não enfrentou o coração das trevas da floresta e montou o seu acampamento no meio da mata, se entronizando um rei dos selvagens e criando uma sociedade não alternativa, mas nociva. É como se Herzog tivesse interrompido o filme na hora que Coppola continua. Como se "Apocalipse now" fosse a continuação de "Aguirre".
Se o espanhol, interpretado por um alemão, é a cólera, a ira, dos deuses, o resultado só pode ser, mesmo, o apocalipse, do americano, inspirado no personagem belga [criado por Conrad, polonês de uma região influenciada por ucranianos, que fugiu do país com a invasão dos russos e vai morar na Inglaterra, onde escreve suas obras, depois de ser marinheiro pelo mundo]. Os deuses, na África, no Vietnã ou na Amazônia, se revoltam quando não têm suas vaidades bem alimentadas.
Kutz perde a razão, da maneira mais racional possível, quando percebe que o deus por quem ele lutava - no livro, a civilização ocidental, no filme, a sociedade liberal - não o escuta mais. Sua utopia perde o sentido. Sua crença se mostra insuficiente para mantê-lo "são", para os padrões dessa mesma civilização ocidental, dessa mesma sociedade liberal. Cabe agora aos deuses expurgá-lo.
Aguirre ainda não perdeu a razão até o fim do filme. Ou, na verdade, nunca a teve, mas sua irracionalidade é usada a favor da sociedade: eles procuram Eldorado, o lugar onde há ouro abundante. E para enfrentar a luxuriosa floresta, deve-se ser, no mínimo, um pouco louco e muito corajoso. Aguirre, porém, não quer exatamente o ouro. Ele almeja a fama, ser reconhecido como um dos conquistadores, como Córtes, o espanhol que subjugou o México. Ele inveja o México. Seu deus é a eternidade, o que lhe move é não morrer quando fechar os olhos pela última vez, mas ficar marcado na memória das pessoas. E quando se tem esse tipo de deus, é-se capaz de produzir loucuras que não se sabia capaz. Mas, dentro da floresta, sua vida não está mais apenas em suas mãos. É ainda mais arriscado viver em um terreno totalmente desconhecido.
Pode-se, cansado e desesperançoso, desistir e se assentar, como Kurtz, à espera que a vida se acabe, de uma ou outra maneira. Ou pode-se continuar, "louco", descendo o rio, até o oceano, um oceano qualquer, até que a vida se acabe - de uma maneira ou de outra. Porque como Willard diz logo no início de "Apocalipse now", ele queria uma missão na vida - um deus - como todo mundo. E eles apenas lhe deram uma.
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