Muito bonito o senhor Sloterdijk |
Pelo que eu pude perceber até agora - mas posso estar completamente enganado -, Sloterdijk até toma uma posição polêmica, corajosa e extremamente perigosa: opta por um dos lados. Ele prioriza o homem, acredita no humano, no individualismo, sugere que invistamos nesse ser que até hoje conseguiu trazer a espécie mais ou menos intacta.
Entre as sugestões que eu li, por exemplo, parece que ele diz no primeiro volume da trilogia de sua obra máxima "Esferas" [acho que só traduzido para o espanhol] que o Estado substituiria o papel do superior ao indivíduo. Papel que antes havia sido interpretado por, entre outros, a mãe, enquanto o bebê ainda está na placenta. Ele é contra, pelo que eu entendi, ao pagamento de imposto proporcional à renda - entre outras ideias. No que eu vi, ele sugere que as pessoas paguem o quanto de taxas quiserem. Só assim, seguindo o seu argumento, o Estado não interferiria demasiadamente nas questões individuais. Digamos que numa disputa entre o Leviatã estatal de Hobbes e o Bom selvagem do Rosseau, ele estaria, me utilizando de uma grandessíssima liberdade poética e filosófica, do lado do francês. Como disse, é uma proposta no mínimo ousada.
Eu vou para um outro lado. Vou tentar fugir da política, apesar de não gostar que haja uma polarização entre a esquerda e a direita - como, aliás, cada vez mais se apregoa na teoria [e menos na prática]. Por que tentamos entender o mundo sempre com apenas dois conceitos? E mais: por que temos que ficar fixos em ideais que se mostraram falhos, ou que não podem se aplicar a todos os aspectos da vida? Por que temos que ignorar que podemos sempre "estar algo", portanto circunstancial, momentâneo, adaptável, maleável, em vez de, como agora, "ser alguma coisa", e aí, existencial, eterno, pesado?
Talvez essa minha atitude seja reflexo de uma vida quase que inteira sem ter que prestar continência a nenhuma grande ideologia - ou deus, para usar a minha expressão do momento. Talvez eu seja "pós-moderno", como já me chamaram. Talvez. Mas acho que a divisão fixa em dois grande totens muito limitadora. Também acredito que haja trocentas gradações entre um lado ao outro, como me disse meu cunhado americano-republicano. É verdade. Mas por que se ater a apenas duas formas de encarar o mundo? [E eu nem estou falando do Rede, novo partido da Marina, hein.]
Peguemos pelo lado da arte, por exemplo. Por que temos que gostar da vanguarda, por ser ousado, cerebral, desafiador, e desprezar o popular? Ou vice-versa: por que acreditamos que o fato de comunicar com as pessoas é a principal característica que uma obra deve ter? Por que não pensamos que o que torna um objeto qualquer uma obra de exceção é algo tão inapreensível que não dá para colocar apenas duas grandes balizas ao redor eles?
Alguns grupos tentaram, com mais sucesso na minha opinião, a solução terciária. Entre os que me ocorreram agora estão hindus, católicos e a dialética, vista mais recentemente sob a ótica marxista. O raciocínio hindu é bem interessante. Pensam ciclicamente com um personagem criador [Brahma], um mantenedor [Vishnu] e um destruidor [Shiva]. Assim, conseguem mitologicamente dizer que a vida nunca para. Os católicos fizeram uma mistureba grande: há o criador [deus pai], o mantenedor [deus espírito santo] e o destruidor [deus filho]. Ou, para usar a dialética: a tese [deus pais], a antítese [espírito santo, mas também aqui poderia ser o anjo caído, e agora me ocorreu que o espírito santo seria apenas um nome para satanás - Nota mental: desenvolver a ideia depois] e a síntese: [J.C.].
Eu gosto de uma solução mais caseira. Gosto da ideia principal do continho de Guimarães Rosa, "A terceira margem do rio". Como em quatro páginas é possível resumir uma ideia tão grandiosa? É ainda mais difícil retirar um trecho que dê conta do todo, de todo o paradoxo, da decisão de viver ao sabor do rio, no meio do devir, sem ter que optar tão fortemente por um ou outro lado, porque nenhuma margem é realmente uma escolha acertada, apenas demonstra a vontade de parar de viver livremente. Vou tentar: "Nosso pai não voltou. Ele não tinha ido a nenhuma parte. Só executava a invenção de se permanecer naqueles espaços do rio, de meio a meio, sempre dentro da canoa, para dela não saltar, nunca mais. A estranheza dessa verdade deu para estarrecer de todo a gente. Aquilo que não havia, acontecia." Mas sugiro fortemente a leitura de todo o texto.
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