RH: Você já falou sobre ter sofrido uma crise de identidade na adolescência ao ter que ir estudar na cidade e viver em uma aldeia. Poderia explicar quais eram as grandes dúvidas que lhe perpassavam?
DM: Imagine viver num mundo onde as pessoas se importam umas com as outras; onde não há pobres e ricos; onde não infância abandonada ou jovens em situação de riscos; onde todos têm casa, comida, espaço para diversão...Imagine chegar em outro lugar onde tudo isso desmorona e você se sente à margem, excluído, impotente...acho que isso geraria uma grande crise de identidade, não é mesmo? Criança ainda, fui obrigado a viver uma vida que não era minha, morar numa casa que eu não conhecia, conviver com pessoas que não gostavam de mim e aprender coisas que não me diziam respeito. Como me sentir bem num ambiente assim? Como gostar do que eu era se tudo me levava a crer que minha vida de aldeia era a comprovação de que eu era primitivo, atrasado, selvagem? Ora, tudo isso gerava em mim muitos sentimentos contraditórios que me levaram a negar minha origem e desejar ser outro. Na medida em que eu crescia, as angústias aumentavam e me faziam crer que eu não seria “alguém” na vida, pois minha vocação para o trabalho produtivo era nula. Eu não sabia “fazer” nada de “útil” para a sociedade brasileira. Todo o conhecimento que carregava comigo tinham a ver com o cuidado de casa, com o conhecimento da natureza, com o nadar no rio. E a escola dizia que isso era “coisa de índio” e que eu deveria abandonar aquilo se quisesse ser “alguém”. Francamente eu acho que as crianças e jovens das cidades estão vivendo a mesma crise nos dias de hoje. As escolas continuam descomprometidas com os conhecimentos que as crianças trazem de casa criando uma barreira. A escola é chata, monótona e segue um modelo de poder que já está ultrapassado na cultura juvenil. A impressão que tenho é que a escola quer continuar assim para ser, ainda, um lugar de controle da criatividade e da revolução.
[Entrevista feita com o escritor Daniel Munduruku - foto acima, de Moisés Moraes - para a Revista de História. Para ler o restante, clique aqui.]
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