A internet começou a alterar formalmente, em termos de tamanho de versos, de velocidade de imagem, de linguagem coloquial, a maneira de escrever poesia.Leonardo Gandolfi, em uma entrevista semana passada, para a revista do "Globo", talvez tenha resumido - sintetizado? - a razão de uma onda de poesia: a síntese. Que ironia histórica.
Eu acho que as imagens das poesias são muito mais velozes hoje em dia. Uma das características da poesia é este poder de síntese. Mas acho que há um volume tão grande de imagens nas poesias atuais que esta característica perde o sentido, é uma síntese que não sintetiza mais, porque acumula e sobrepõe imagens.
Não sei se essa mudança foi causada pela internet, mas há uma intensificação desta característica nesta nova leva, muito por conta desta necessidade de publicar muito, em blogs, redes sociais. Ao mesmo tempo, tem essa coisa do texto curto, desde o surto do Twitter. Que afeta o verso, afeta.
Que ironia histórica. A poesia, vista nas últimas décadas com um pouco [ou muito] desprezo, principalmente por conta dos ilimitados exageros das décadas de 1960-70 e a ressaca que ainda se mantém nos que não saíram totalmente desse período, talvez tenha encontrado o seu espaço nesse lugar estranho que é a internet.
Não tenho números muito confiáveis, além do fato de um poema da Angélica Freitas [também entrevistada nessa reportagem] ser um dos textos mais lidos em meu blog [o que não é exatamente uma grande vantagem]. É apenas uma suposição, que é adensada com essa entrevista e com os números de venda das obras completas do Paulo Leminski - dizem que foi o livro mais vendido nas livrarias por semanas. Quem diria.
Eu tenho uma sugestão de explicação. Uma possibilidade de início de elucubração. Mas antes, há uma condição pregressa em todas essas poesias: que elas sejam coloquiais ou diretas, cujos sentimentos sejam mais "fáceis" de se pescar, que a primeira leitura esteja ali, quase pronta, bastando o leitor passar os olhos. João Cabral, que fazia da poesia uma educação pela pedra, por exemplo, não deve se tornar pop. Ele não é "difícil", ao contrário, usa de palavras bem simples, mas sua proposta exige mais tempo. Não há uma emoção à primeira leitura. Parece um texto quase banal.
Seria necessário, portanto, para resumir essa minha introdução à introdução, que haja uma comunicação imediata. Uma clara carta de claras intenções. Não pode haver mistério. Ou muito mistério. Ou um mistério total. Algo que torne a leitura difícil. Que exija uma segunda leitura. Uma atenção maior. Isso não quer dizer que as obras atuais que fazem sucesso não mereçam uma segunda leitura, mas que elas podem ser "entendidas" logo no primeiro contato. Uma de suas faces se mostra de cara.
Portanto, o recurso da comunicação é essencial, mas não acredito que seja isso, essa é a razão de haver uma procura maior atualmente, ou uma aceitação razoável por poesias. Se fosse apenas o fato de se comunicar, qualquer pessoa que escreve de maneira clara e em versos entraria nessa categoria. Para mim, o "mistério do sucesso" está nessa capacidade de sintetizar pequenas narrativas. Veja o caso do Leonardo [para mim, um ótimo exemplo - leia algumas poesias dele aqui]. Em outro momento da entrevista ele explica o que o move: "O que eu gosto de fazer é contar histórias. Eu sou um contador de histórias falhado. Eu queria ser contista, romancista. O verso me incomoda um pouco. Mas eu o uso para contar as histórias com uma imagem sintética, ou um verso longo" [o itálico é meu].
Claro que esse processo é dele, mas há algo em comum, suspeito, entre as outras histórias dos outros poetas. As poesias viraram pequeninas narrativas, quase com início, meio e fim, não necessariamente ficcionais, não necessariamente sobre um aspecto tradicional, mas ainda assim narrativas, em que a palavra tem que se virar para dar conta das várias leituras possíveis, para carregar dentro de si, como uma semente, a força, a beleza, a graça.
Essas poesias - é o meu chute - viraram um "sucesso" [lembremos que "sucesso" aqui é uma figura de linguagem hiperbólica] por serem pequenas narrativas - e como o homem tem fome de narrativas! Cada verso pode ser destacado e carregado dentro da memória para futuras repetições, sejam mentais ou virtuais. As poesias podem ser compartilhadas. Os versos que mais tocam o leitor podem virar frases-bordões. Além de todos os outros serviços, dá ao seu compartilhador um status, um verniz cultural, diferenciador dos demais - já que quem gosta de poesia seria, assim, seguindo esse raciocínio duvidoso, mais sensível que os outros. Daí o sucesso igualmente de minicontos, microcontos, e outras narrativas minúsculas. São pílulas de felicidade intelectual que a pessoa precisa tomar para poder continuar.
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