sábado, 10 de novembro de 2012

Os 3 mil livros da sua vida

“Quantos livros você vai ler em toda a sua vida?”, me perguntou Marcelo Latcher, responsável pelo sebo virtual “Gracilianos do Ramo”, mas que já esteve à frente, ou ao lado, de outras várias livrarias de segunda mão, e com trocadilho, como a Baratos da Ribeiro. A pergunta rolou enquanto conversávamos para a reportagem que eu estava escrevendo para o "Prosa".



“Nunca fiz as contas, para não ficar deprimido”, respondi, tentando evitar que o meu raciocínio caísse nessa matemática que eu sabia que não teria muito um final feliz.

Ele continuou falando sobre outros muito assuntos, demonstrando que era, além de livreiro, um leitor. Coisa incomum, ele brincou, citando, inclusive o livro “Homem sem qualidade”, do Robert Musil [não li, mas ele explica], que tem uma história em que um bibliotecário fica até ofendido quando é perguntado se ele lê o que guarda.

“Minha geração é até culta, gosta de livros”, brinca, mas a sério, demonstrando a diferença do grupo que o antecedeu e o sucedeu, de puros e ótimos comerciantes físico e virtuais, respectivamente. “Achava que o livro era importante, mas não tinha visão empresarial. Às vezes as pessoas pediam ajuda, e eu gostava de ajudar”, explicou a sua decisão de não ter uma loja física, mas de ter participado da criação de várias. “Vender virtualmente é mais legal. Sou até bom de loja, bom de atendimento, mas não sou bom empresário, bom chefe. A vantagem de ser virtual é ser o exército de homem só. ”

Nosso papo fluía, muitas vezes sem qualquer relação com a pauta. "Quando chega a uma idade", disse ele, "quando você descobre o homem que é, você tem dois caminhos: o de tentar mudar, que eu sou contrário, ou o de tentar viver da maneira como você é", filosofou, sem saber que, sem querer, repercutia um raciocínio que eu estava tendo exatamente na mesma semana. "Quero fazer uma camisa com os dizeres 'Hei de vencer mesmo sendo eu mesmo'.”

Em outro momento, o livreiro me perguntou se eu sabia quantos livros eram publicados no Brasil. Eu disse que não sabia, nem tinha ideia. Ele me respondeu que tinha ouvido falar, há uns anos, que seria em torno de dez livros por dia. Fez um silêncio, como se sorrisse, esperando que eu fizesse as contas sozinho. 

Ele voltou ao assunto inicial da nossa conversa: "Se você ler muito, se você for um ótimo leitor, que, em todo momento livre, está lendo, qual é a sua média de leitura?"

"Sei lá, um livro por semana?"

"Isso, eu também acho que se formos ótimos leitores, leitores rápidos, conseguimos uma média de um livro por semana. Se lermos por 60 anos..."

"Três mil livros", respondi, "Conseguiremos ler três mil livros em toda a vida. O mesmo número dos livros que são publicados por mês no Brasil, nessa periferia do mercado editorial", comecei a ficar desesperado, como vamos resolver esse problema? Vamos ser sufocados, afogados num mar de letras e papéis eletrônicos que não nos deixará respirar, vamos morrer de culpa por não conseguir terminar nenhum livro, vamos ficar angustiados... "O que vai acontecer?", perguntei a ele.

Calmamente, como quem já tinha pensado nesse assunto várias e várias vezes, ele me respondeu:

"Será mais uma volta à Grécia. Uns contam aos outros o que leram. Haverá leitores profissionais, como um tipo de serviço. Empresas vão contratar pessoas que leem para os seus funcionários. Alguém que vai conseguir resumir um capítulo em poucas palavras. Haverá uma valorização da atividade de contar, do falar."

Eu fiquei no meu canto, em silêncio, tentando entender o que tinha ouvido. Mas percebi que já estava acontecendo isso, com esses cursos das escolas como a Casa do Saber ou POP. Quando ele, acompanhando o meu raciocínio, continuou:

"Ainda ainda tem muito preconceito contra esses cursos, ainda acham que é algo menor, falta de caráter, que tem que ler livro inteiro. Você lê o livro inteiro se quiser. As pessoas não entendem que você deve ler o livro até entendê-lo", ele para para completar: "Podemos viver as ruínas da cultura. Haver um monte de coisa que você não consegue entender direito. Podemos ter a barbárie cheio de tecnologia em volta. Ter informação e não levar de uma geração a outra." Parou, respirou, e completou: "Mas o preconceito já está diminuindo."

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