domingo, 4 de novembro de 2012

'Ulysses' e a adoração americana

Em Dublin, no Bloomsday, encontramos americanos, canadenses, irlandes - claro - e até espanhóis. Mas não me lembro de ter visto um inglês lá. O que não deixa de ser digno de nota, já que, apesar de ser, ao menos no início, um livro claramente contra a dominação inglesa sobre a Inglaterra, os ingleses têm essa tradição de tentarem se colocar cima do bem e do mal. Parece que não é o caso, dessa vez.

Por outro lado, grande parte da fortuna crítica sobre o livro me parece vir dos EUA, esses país tão injustamente associado à falta de cultura. Os motivos para isso devem ter sido muito estudados. Especulo apenas alguns.

James Joyce com Sylvia Beach na Shakespeare & Co em Paris, 1920
[não me perguntem  quem é a outra pessoa]
Primeiro: o fato de sua primeira editora ter sido a norte-americana Sylvia Beach. Portanto, apesar do livro sair por uma editora da França, os americanos terem um sentimento de participação nessa vanguarda. Que, aliás, pode ser bastante associada ao crescimento da importância geo-política dos EUA no século XX.

Segundo: a imigração. A colônia irlandesa nos EUA é uma das maiores e mais representativas. Vivendo em uma nova terra, é comum que os imigrantes queiram relembrar o passado da sua terra, e um dos seus maiores ícones recentes.

Terceiro, e mais polêmico: "Ulysses" é um livro claramente contra o anti-semitismo em voga no início do século XX, não apenas na Alemanha, mas também no Reino Unido, que ainda incluía o pedaço que hoje é a  República da Irlanda [aliás, coincidentemente, ou não, a independência irlandesa foi buscada, guerreada, lutada no mesmo período que a escrita de "Ulysses"]. E os EUA são o país que mais apoia as campanhas nesse sentido, após Israel, é claro.

Como argumento desse anti-anti-semitismo, basta lembrar que personagem principal, Leopold Bloom, que só aparece no "quarto capítulo", é judeu e o estereótipo do homem comum.

Além disso, porém, podemos ver como Joyce ressalta atitudes e falas de personagens para mostrar em tom vexatório o sentimento contra judeus. Como se Joyce tivesse previsto - ou até percebido - o mal que faz a discriminação compulsória contra um determinado grupo da sociedade. Os trechos abaixo, da conversa de Stephen Dedalus com Mr. Deasy, o diretor da escola onde Stephen trabalha, são bem exemplares:
—Mark my words, Mr Dedalus, he said. England is in the hands of the jews. In all the highest places: her finance, her press. And they are the signs of a nation's decay. Wherever they gather they eat up the nation's vital strength. I have seen it coming these years. As sure as we are standing here the jew merchants are already at their work of destruction. Old England is dying.
[...]
—They sinned against the light, Mr Deasy said gravely. And you can see the darkness in their eyes. And that is why they are wanderers on the earth to this day.
[...]
—Mr Dedalus!
Running after me. No more letters, I hope.
—Just one moment.
—Yes, sir, Stephen said, turning back at the gate.
Mr Deasy halted, breathing hard and swallowing his breath.
—I just wanted to say, he said. Ireland, they say, has the honour of being the only country which never persecuted the jews. Do you know that? No. And do you know why?
He frowned sternly on the bright air.
—Why, sir? Stephen asked, beginning to smile.
—Because she never let them in, Mr Deasy said solemnly.
A coughball of laughter leaped from his throat dragging after it a rattling chain of phlegm. He turned back quickly, coughing, laughing, his lifted arms waving to the air.
—She never let them in, he cried again through his laughter as
he stamped on gaitered feet over the gravel of the path. That's why.
On his wise shoulders through the checkerwork of leaves the sun flung spangles, dancing coins.
É interessante, portanto, - ou era, ou foi - ver, estudar Joyce como um precursor, alguém que anteviu, ou registrou, fez um crônica daquele tempo.

Há uma vontade grande dos vencedores dos vencedores da guerra e das grandes vítimas dela em tentarem preservar esse tipo de obra.

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