quarta-feira, 2 de junho de 2021

Arte de outros povos

Nos povos que seguiram outras tradições que não a ocidental, mesmo que geograficamente no ocidente do globo, isto é, nas civilizações que se estabeleceram fora do eixo EUA-Europa, as motivações para que eles produzam objetos que têm um grau estético são ainda mais nebulosas ou difíceis de generalizar.

É curioso – para não dizer etnocêntrico, aquele que julga um determinado povo ou tradição como superior às outras – ver como em vários livros de história da arte, o começo da conversa é na Grécia antiga. A linha do tempo passa por Roma, pela Idade Média na Europa, Renascimento, e aí o negócio começa a ficar cada vez mais complexo até chegar na multitude de possibilidades do Modernismo na virada do século XIX para o XX.

Às vezes outros povos (chineses, indianos, toda a cultura do islã, a Pérsia, só para ficar em poucos e famosos casos) e outras temporalidades (pré-História, por exemplo) são mencionados e ganham um capítulo cada. O mesmo que a participação da Alemanha e da Holanda no início do século XVI – isto é, totalmente desproporcional.

Há ainda casos em que livros inteiros são dedicados a essas outras tradições não-ocidentais. Ainda assim o tipo de abordagem parece ser exótico ao objeto estudado, encarando o tipo de produção desses povos como “primitiva” ou “infantil” – como se o “evoluído” ou “adulto” fosse aquele feito na Europa e nos EUA.

Mesmo a antropologia, com o seu esforço de entender as outras culturas como apenas diferentes da sua própria, teve dificuldade de estudar sem desmerecer essas outras culturas.

(“Les Demoiselles d'Avignon”, de Pablo Picasso. Fonte:
https://en.wikipedia.org/wiki/Les_Demoiselles_d%27Avignon )

Foi apenas com o Modernismo, e seus antecessores diretos, em que o alargamento do que era considerado arte foi forçado, que outros povos começaram a ser vistos não como atrasados ou menores, mas apenas com temporalidades diferentes. Ajudou a isso o fator de, entre outros exemplos, Van Gogh ter em certa fase se inspirado nas pinturas japonesas, de Gauguin ter ido para o Taiti e ter mudado completamente sua produção e, principalmente, já no século XX, de Picasso ter reproduzido máscaras africanas na sua obra seminal Les demoiselles d'Avignon (1907).

A partir dessas traduções de outras tradições para a “linguagem” ocidental, as trajetórias dos outros povos começaram a ser estudadas como particulares, independentes do ramo ocidental da História. O problema, porém, da definição da arte continuava em aberto. Aliás, como continua até hoje.

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