sexta-feira, 15 de março de 2024

Eudaimonia

Ninguém menos que Aristóteles, chamado na Idade Média apenas de “o filósofo”, diz que o objetivo da vida é a felicidade. Felicidade, para ele, como se sabe, era eudaimonia. Numa tradução literal, eudaimonia quer dizer algo como ter um bom “daimon”. Daimon é uma figura mística do panteão da antiguidade clássica, uma menos conhecida. Sua função, porém, aparece em outras civilizações e é até bastante popular, desde, ao menos, as Mil e uma noites – e os filmes da Disney. Seria parecido com o jinn da mitologia muçulmana, que são mais conhecidos em português brasileiro como gênios, aqueles que, em algumas versões mais conhecidas, ficam aprisionados em lamparinas. São figuras com poderes sobrenaturais, mas que não necessariamente atuam ao lado das pessoas com quem criam uma relação. No caso tradicional das lamparinas, ao ser libertado o gênio concede três desejos para o seu libertador e logo se sente livre para seguir adiante. Outra forma de entender esses daimons são os anjos da guarda. Porém, como é costume no pensamento cristão, o caráter de imprevisibilidade do personagem é totalmente apagado para que ele fique unidimensional. Cada pessoa tem o seu próprio daimon, como acontece com os anjos da guarda, mas os daimons são imprevisíveis como os jinns. Seria, então, um diabinho da guarda. Não o diabo da tradição a que estamos mais ligados, a encarnação do mal absoluto, mas alguém que poderia atuar de forma parecida com um trickster – para ficar ainda em figuras mitológicas. Um malandro, um embusteiro que nos acompanha e pode, sem que percebamos, nos pregar peças. Daí a fórmula de Aristóteles. O objetivo da vida é conseguir se dar bem com o próprio daimon, com esse ser imprevisível que está sempre ao nosso lado, nem sempre para nos ajudar. É estar preparado para qualquer número que cair dos dados jogados por ele, ter alternativas, saber saídas, inventar novos movimentos, tentar dançar conforme a sua – dele – música. 

Um comentário:

Fernanda Monteiro disse...

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