terça-feira, 11 de março de 2003

cenas de carnaval I

Piso na areia e enxergo a multidão aglomerada no quiosque que toca rock... Não conheço ninguém a minha volta... O que eu to fazendo aqui? To sozinho, vou pegar uma cerveja para beber... O quiosque tá lotado, melhor ir nesse trailerzinho aqui do lado... Olha essa ruivinha na mesa... Tá acompanhada, claro... Quanto tá a Skol? Dois reais? Preço justo.

Com a cerveja na mão, é melhor ficar em um lugar que possa observar todo o movimento... Carai, esse grupo de lourinhas que passa é sensacional, mas devem ter dezessete anos no máximo... Que música é essa? Hum, gosto duvidoso, “Na moral, Na moral”. Prefiro a minha versão, “Gadernal, Gadernal”.

Sozinho não dá nem para disfarçar que eu estou olhando para uma das dezenas de meninas lindas que existem aqui. Aquele grupo de lourinhas passou aqui em frente e subiu na mesa de dentro da tenda. Olha aquela ali... Que rosto delicado, de narizinho em pé, que decote... Será que ela olhou para mim? Não, não é possível. A amiguinha dela, outra lourinha, é outra maravilha, só que de rosto mais ossudo, mais angular e a melhor bunda que uma menina pode ter... Acabou minha cerveja, é melhor buscar outra.

Vou me apoiar nesse troço que segura a tenda, assim dá para parecer que eu to aqui só para ver o show... Cacete, Mais um grupo de meninas lindas. Quantos anos devem ter aquelas de cima da mesa? Olha a moreninha, ela olhou para mim. Ou foi para alguém aqui atrás. Vou disfarçar e olhar... Será que ela percebeu que eu olhei para trás?

Que música é essa? Não conheço, deve ser algo de alguma obscura banda gaúcha. Não, segundo o vocalista, é uma música deles. Logo, algo de alguma obscura banda catarinense, o que não é, assim, tão diferente... Quanto esses caras devem ganhar para tocar aqui? Foram eles que tocaram aqui ano passado? Deve ser um bom emprego, tocar numa tenda no meio do carnaval, para várias meninas lindas... Olha, a moreninha de cima da mesa olhou para cá novamente... O que eu devo fazer? Será que eu devo ir lá falar com ela? O que eu falo para ela? Você é linda. Não, isso é ridículo. Mais canastrão impossível. O que eu devo falar para ela para parecer interessante? Vou pegar outra cerveja porque essa aqui acabou.

Aqui atrás da mesa das meninas, consigo enxergar perfeitamente todas... Essa música dá para dançar. Parece que é... É Led Zeppelin... As duas lourinhas estão do outro lado da mesa. Na minha frente a moreninha deliciosa e uma gordinha. Já sei, vou chegar para ela e perguntar quantos anos ela tem. Só para ela ficar curiosa. Então, ela vem falar comigo, e... Impossível. Ninguém cairia numa cantada desse nível. Peraí, subiu um sujeito para falar com a moreninha. Também, quem mandou demorar tanto? Vou ficar olhando a lourinha com o super-decote. Ela tá de costas para mim, mas pode olhar para mim de vez em quando, sei lá. A moreninha deu um beijo no cara. Filho da puta. Eu sou um medroso mesmo. Era só subir e falar qualquer coisa. Mas, será que isso é realmente saudável? Eu nem a conheço direito, e se ela for uma chata? Eu não a conheço nada, para falar a verdade. Digamos que ficássemos juntos, se eu tivesse algum tipo de coragem, o suficiente apenas para falar com ela, e ela, claro, aceitasse ficar comigo, o que teremos em comum para conversar? A menina deve ser muito nova... Caraca, a vontade de mijar vem nas piores horas.

Ainda bem que o meu banquinho continua vazio. Vou subir para ficar na altura da lourinha ali na frente. A outra lourinha, a de rosto anguloso, abaixou, o que ela tá fazendo?, pega um cigarro, eu adoro meninas que fumam, se levanta, olha para o lado, para o outro, para trás, sou o mais perto dela, “Tens isqueiro?”, com todo o som do “s” que tanto adoro, mas não, não tenho isqueiro. Fiz cara de culpado, ela olhou para o outro lado e pediu para um sujeito com uma camisa da gaviões da fiel na mesa ao lado. Ele tinha isqueiro.

Na minha frente, a moreninha dança agarrada ao sujeito que subiu “só” para conversar com ela. Na frente dos dois, as duas louras dançam de frente para o interior da tenda. Ao lado da moreninha, uma baixinha, meio gordinha. Ela olhou para mim. Ela olhou para mim? O que eu faço? Não, não quero nada com ela. Ela repara que eu reparei que ela olhou para mim. Tá vindo para meu lado no banco. Não vou sair daqui. Que situação constrangedora, não quero ser grosseiro, mas, o que devo falar com ela se ela vier falar comigo? A gordinha chama a moreninha na minha frente, e é a minha deixa para ir buscar mais uma cerveja.

Uma versão da Tribo de Jah para “Santeria” do Sublime. Apesar de gostar mais da original, porque é uma das minhas bandas preferidas, essa não me incomoda. Melhor que várias outras músicas que esses caras tocaram.

O sujeito que tá com a moreninha vem falar comigo na maior cara-de-pau. Apela para o sentimento de camaradagem dos homens, “Ai, cara, essa daqui (a moreninha) disse que só fica comigo se você for falar com ela (a gordinha)”. “E você aceitou esse tipo de chantagem?”, como se eu não tivesse reparado nos dois juntos. O sujeito arregala os olhos, com certeza não esperava esse tipo de resposta. Estava preparado para que eu me esquivasse e ele iria contra-argumentar usando o sentimento machista de que o homem deve ter o máximo número de fêmeas possível para disseminar a espécie. Ou algo parecido. A moreninha vem falar comigo, “É só conversar com ela”. “Não rola”. Um pouco grosseiro, talvez. Mas a situação que se previa seria surreal demais até mesmo para quem está acostumado a isso. Imagine para mim.

É melhor ficar atrás da lourinha de traços finos. Ela é sensacional. Deve ser novinha, mas isso, no caso dela, não importa. Parece safadinha, olha como dança. A música? Uma merda. Uma versão da Comunidade Ninjitsu para um funk daqui de cinco anos atrás. É constrangedor, mas ela dança, nossa, como dança a menininha. Sozinha é um espetáculo. Acho que não vi nenhuma como ela aqui. Quero sair com ela daqui, vou convidá-la para tomar uma cerveja comigo, “Você quer tomar uma cerveja comigo?”. Acho que disse algo em voz alta. Foi sem querer, não queria dizer isso. Ela tá se virando, tá procurando quem falou com ela, o que devo dizer?, o que vou fazer?, já sei, vou fazer que nem aquela crônica do Veríssimo que o cara diz qualquer coisa para chamar a atenção da menina e puxa um papo surreal com ela depois disso, ela tá se virando, olhou nitidamente para mim, para os meus olhos, é agora, é agora, “Oi, tudo bom?”, ela desviou os olhos de mim, “Tudo bom”, ela me ignorou, como se eu fosse transparente. Desce da mesa, acompanho todo o seu movimento, vai na direção de um sujeito apenas de sunga na mesa ao lado, sobe na mesa, que saia pequena, abraça o cara, não, não faz isso não. Ela beija ele. Filho da puta.

E, então, penso, Quem sou eu para que aquela ali quisesse algo comigo? O melhor mesmo é ir embora. Vou tomar uma cerveja no caminho.

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