sexta-feira, 14 de março de 2003

Não se dê tanta importância

Não se dê tanta importância.
Escutei à minha passagem.
Pense em zumbidos,
igual a milhares de abelhas em vôo ao lado do ouvido
apenas para desviar sua atenção.
Mas, por quê?
Martelava na minha cabeça.
Um por que sem verbo, adjetivo, ou qualquer coisa a mais.
Um por que, apenas e simples.

Não se dê tanta importância.
Repete como num mantra para desviar minha visão.
Esqueça aquilo que você viu.
Acredito que seria bom para você ver o filme.
Não tenho certeza se você vai gostar.
Apenas acho que seria bom, pelo contraste.

Não se dê tanta importância.
Mas como não pensar que a vida não é vida caso você fuja dela?
Já tenho todos os cacoetes necessários para ser um escritor.
Só os cacoetes.

O zumbido desvia a intenção.
Se der importância, percebo que não vale a pena.
Não há lição de moral, não há nem moral.
Apenas pergunto e a pergunta foge com insistência.

Por quê?
A covardia é minha amiga.
Quer dar algum motivo.
Me instiga a responder.
Fornece colaboradores.
Demonstra exemplos.
Abstrato.
Percebo que tudo o mais pode ser tátil, isso não o é.

Eu sei que desistir de tudo agora, novo, é sinal de impaciência.
Mas, e se a única coisa que o tempo me trouxer for o arrependimento?
E se a única coisa que eu puder ser durante toda a minha vida for um fardo?
E se a única maneira de conseguir sobreviver for através de migalhas camaradas?
Por quê?

Eu sei.
Eu sei que a cada tempo uma impaciência diferente povoará minha mente. Como um sinal de angústia temporária.
Eu sei que poucas coisas poderão me fazer feliz por mais de dez segundos. Eu sei que posso conhecer tudo e desistir de tudo na metade de uma volta ao mundo.

Não se dê tanta importância.
Escuto o zumbido ao meu lado.
Basta viver sua vida, medíocre, plana, na superfície.
Sobreviverá.
Terá sempre alimento em casa.
E aos sessenta ou setenta anos, morrerá de um infarto cardíaco.

E como explicar para mais alguém que isso não é o suficiente?
Como dizer que se há a possibilidade de mais alguma coisa,
por que se contentar com algumas migalhas?
E não digo de algo que possa tocar, ou medir com ambas as mãos.
É algo inenarrável.
É algo que existe sem a minha presença ou até existência.
Algo que me infringe a perguntar por quê?

Por quê?
O que é que faz sentido nessa vida?
Dê-me um pequeno exemplo para saber o que é que faz sentido.
Não aceito conceitos ou idéias salvacionistas.
Vivemos porque não temos nada melhor para fazer.
Ou porque não somos corajosos.
Ou porque aceitamos o dia-a-dia como a melhor coisa que tínhamos para fazer.
Por quê?

Medo.
Não se dê tanta importância.
Quem sou eu para dizer algo importante.
Não tenho importância.
Não tenho importância, repete aqui ao lado.
Não sabemos o que somos,
não sabemos aonde chegaremos,
não sabemos nada.
Vivemos numa roleta onde a cada jogada devemos apenas agradecer como a única coisa possível.
É essa pressão que carregamos,
que nos prende ao banco,
que impede de nos levantar.

Quem somos nós além de peças sem importância?
Somos seis bilhões de peças sem importância,
uns com mais poder divino que outros,
nenhum por minha inteira e irrestrita vontade.
E acredito, se é que posso acreditar em algo, que nem de ninguém.

O que temos além de horas que espremem horas, que espremem horas, até o infinito?
E se o infinito já tiver sido definido como o momento exato que existe agora, quando você já pensou já passou.
O infinito é ou era.

Por que, se quero viver apenas para aprender,
apenas para escrever,
para transformar-me numa máquina,
numa locomotiva de produção,
numa espécie de fábrica com coração?

Porém, o que é mais viável, cada vez mais viável
é ser um pequeno e irrisório nada.
Daqueles que só conseguem produzir cascas, embalagens, redomas. Aqueles que só conseguem, ou imaginam, ou fingem entender.
Que riem de alguns por comodismo,
que não sabe nem tocar, nem falar, nem imaginar.
Que não sabe perdoar, não sabe conviver, não sabe imaginar de dentro, de dentro de uma caixa torácica quentinha.

Não se dê tanta importância.
Não se dê importância nenhuma.
Esqueça que você existe.
Viva apenas.
Siga em frente.
Vá a praia.
Ria, disfarce o rancor.
A vida é bela, não é?

Não.
E não adianta agora vir com bolas de cristal,
runas ou qualquer uma dessas coisas.
Não adianta.
Não me dou a importância necessária para acreditar em algo.
Vivo para ser um pária.
Apenas um pária daqueles que só existem por caridade da sociedade.

E se disserem que eu deveria lutar,
que deveria levantar a cabeça,
que deveria ir em frente,
direi que nem sei para onde minha visão aponta.
Não é uma fuga, é a realidade.

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