sexta-feira, 7 de março de 2003

duas mulheres

Há duas mulheres na minha vida. Ou havia, pelo menos. Até a semana passada, o fim-de-semana passado, para ser exato.

Conheci Andréia no meu trabalho. Ela entrou no meu setor, há uns seis meses atrás. Mesmo não fazendo exatamente o meu estilo, ela chamava a atenção. Cabelos de um louro escuro, lisos até o meio das costas e olhos claros não passam impunes. Quando fomos apresentados, ela sorriu, eu sorri de volta. Tudo, pensei, no maior grau de profissionalismo. Acho que ela não encarou assim.

Já Nicole, posso admitir, é uma paixão antiga. Desde a época da faculdade. Lembro que comecei a estudar e ainda namorava com uma menina do colégio. Nicole também namorava. Mas nada impediu que nos aproximássemos durante os quatro anos. Entretanto, vale ressaltar, nunca havíamos ficado realmente juntos.

Um dia, num aniversário de um sujeito do trabalho, Andréia sentou-se ao meu lado e puxou conversa. Começou falando banalidades, mas em pouco tempo já enveredava por declarações de que desde a primeira vez que havia me visto, tinha mudado sua concepção de vida. Ela tinha um namorado de anos, mas pensava em terminar com ele no momento em que eu quisesse. Fiquei surpreso, mas pensei que a conversa pararia ai. Me surpreendi.

Ao final da faculdade, Nicole terminou com o namorado, e eu já não encontrava a minha há pelo menos dois anos. Fiquei dois anos desesperançoso de que nunca a encontraria de novo. Havíamos nos separado um pouco por minha causa. Já não agüentava pensar que ela nunca seria minha. Toda vez que a via com o cara, sentia meu corpo queimar de uma raiva que era misto de inveja e impossibilidade.

Lembro que disse na festa para Andréia que não, não poderia carregar um peso desse tamanho nas costas. Não poderia ser o responsável pela separação de um namoro tão antigo. Cheguei a ser bastante claro, resvalando na grosseria, disse que não gostava dela, assim não poderia me aproveitar da situação. Ela respondeu que eu deveria me aproveitar.

Com as coincidências da vida, ou porque as amizades sempre são muito próximas quando tratamos da mesma faculdade, comecei a encontrar a Nicole cada vez mais após esses anos todos. Pensava que ela já sabia o que eu sentia por ela, mas, um dia, um pouco bêbado, fui claro para não pairar dúvidas. Ela me olhou nos olhos, mexeu no meu cabelo, puxou meu rosto e me deu um beijo. Depois, foi embora sozinha para a casa dela.

Quando sentei para conversar com Andréia, já havia bebido bastante. E ela também. E continuamos a beber para, sei lá, temperar melhor a conversa. Ora, Andréia é uma menina que atrairia qualquer um. O rosto delicado, o nariz afilado, os grandes olhos verdes me furando quase, a beijei.

Já Nicole me evitou por uns tempos. Dizia que ainda pensava no namorado, que eles ainda se encontravam, que não seria justo comigo. Segurei na garganta o meu impulso de dizer para ela não se importar comigo, mas na hora veio a imagem de Andréia na cabeça e no quão ridículo que isso poderia soar. Permaneci quieto, sentindo novamente o amargor de outrora, só que agora mais forte, ao pensar que ela já tinha sido minha, que aquela menina pequena, de curvas provocantes, com aquele cabelo curto que mostrava o colo, já esteve envolta nos meus braços.

Evitei Nicole por um tempo. Pensei em ficar sozinho e então apareceu Andréia, de pára-quedas, sem avisar, sem nenhum sinal. No final da festa, Andréia pergunta se eu estava de carro, respondo que tinha vindo de carona, ela se propõe a me levar em casa. Fecho os olhos e balanço a cabeça concordando, mas lá dentro uma pergunta martela, será que eu estou fazendo a coisa certa?

Moro sozinho. Chegamos em casa, a convido, sem vontade de a convidar, apenas pelo fator social, para subir, tomar alguma coisa e ela aceita sem pensar. Já no elevador, esquecemos de qualquer convenção. Abro a porta sem olhar para a maçaneta e rolamos pela entrada até o sofá da sala, onde ficamos por algumas horas.

Quando o telefone tocou, acordei num salto e olhei para o relógio, ele marcava 3h47min. Olhei para o meu lado, Andréia deitada, nua, dormia, parecia absorta em algum sonho. Corri para atender ao telefone, parecia que não sabia quem era, mas em algum lugar eu tinha certeza.

Escutei a voz da Nicole e encostei minha cabeça na parede apoiada no braço. Ela perguntou se podia me ver. Primeiro balancei a cabeça, depois respondi que era claro, ela insistiu e eu confirmei mais uma vez, ela queria saber se podia me ver agora, naquele momento e eu fiquei em silêncio. Olhei para Andréia, olhei para a parede em branco, mas só pensava em Nicole, só nela, o quanto eu queria estar com ela ali, o quanto queria essa menina, claro, respondi, é claro que você pode vir para cá agora. Ela disse que chegaria em alguns minutos, quis saber quantos, ela respondeu em quinze, mais ou menos.

Fiquei com um nojo de olhar para Andréia. Sem pensar, a culpei por estar fazendo algo que não queria. Mas eu percebo agora que não houve nem culpa, nem culpados. Apenas algumas pessoas que queriam aproveitar o momento. Acordei Andréia, pedi para ela ir embora e disse a verdade. Queria cortar aquele relacionamento ali mesmo. Andréia me olhou, sentada na cama, sem entender direito o que acontecia, parada, nua, e percebi o exato momento que seus olhos se encheram de lágrimas. Me levantei, fui tomar banho e quando sai, Andréia não estava mais em casa.

Nicole demorou pouco mais de vinte minutos para chegar em casa e meu estômago já me matava de ansiedade. Tinha resolvido tomar um café para ficar acordado, mas acho que só fez piorar meu nervosismo. Ela tocou a campainha, abri a porta e ela ficou parada do lado de fora do apartamento. Depois de alguns segundos, me perguntou se não a convidaria para entrar, disse claro, entre. Sentamos no sofá, naquele sofá que havia estado há poucos minutos com Andréia e de onde havia rechaçado a menina que não tinha nada com o assunto. Nicole começou a falar que desistira do namorado, que não iria nunca mais ver o cara, e eu só pensava em Andréia e o quanto havia sido grosseiro. Nicole se aproximou, pude sentir um cheiro de álcool que brotava dela, fiquei com uma pequena repulsa, e não conseguia parar o meu pensamento. Nicole me beijou e eu fiquei parado, como uma estátua. Ela se afasta e pergunta se está tudo bem, responde que sim, puxo seu rosto para comprovar e a beijo novamente. Começamos a tirar a roupa automaticamente e só vem a imagem de que ali estava Nicole que tanto havia pedido e como eu havia sido ríspido com Andréia, Nicole na minha frente e eu pensava em Andréia. Comecei a me culpar por isso. Estávamos quase nus e eu sentia meu corpo tenso, meus ombros pesados, minha perna dormente. Ela beijava meu pescoço quando pedi para que ela parasse, o que foi, ela me perguntou, nada, respondi. Ficou um silêncio no quarto, ela tentou se aproximar mais uma vez, mas não conseguia relaxar, não conseguia perceber que aquela menina era a que eu havia desejado nos últimos seis anos. Não consigo, disse para ela, ela perguntou se o problema era com ela, respondi que não, que não pensasse nesse absurdo, que eu queria estar com ela sempre, só que não dava, não conseguiria, não dava. Ficamos ainda alguns segundos sentados, um de frente para o outro em silêncio. Então ela se levantou e disse que tinha que ir embora. Deu uma resposta qualquer e eu quase agradeci por tirar aquele peso da minha frente. Antes de ela entrar no elevador, perguntei se poderia ligar para ela, ela respondeu que era claro, mas ainda não tive coragem para isso. Voltei para o apartamento e tentei dormir em vão. Da janela do meu quarto vi o sol nascendo e pensei que há duas mulheres na minha vida. Logo em seguida, corrigi para a verdade, havia duas mulheres na minha vida.

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