sexta-feira, 7 de março de 2003

Fredinho

Desde moleque Alfredo Boal de Magalhães Pinto, ou Fredinho para os íntimos, não se mostrou de acordo com as tradições de sua família. Com treze para quatorze anos, quis porque quis ir ao forró arrasta-pé que a babá, Dona Jucineide, freqüentava. A mãe, Dona Maria Quitéria Boal de Magalhães Pinto, vetou o máximo que pôde, mas o pai, Seu Carlos Henrique Magalhães Pinto, conseguiu dobrar a mulher na época. Disse para deixar o menino se divertir, que era coisa de fase, que no futuro todos ririam com a atitude rebelde dele. Até hoje o pai se sente culpado por isso.

A partir de dezesseis anos ia normalmente, junto com Carlos Jaime, filho da cozinheira, para os bailes que tocavam forró e música nordestina de toda espécie e qualidade ao pé do morro em que a família da cozinheira morava.

Era um garoto bastante inocente. E não adiantava ir várias vezes no baile, vez por outra era ludibriado por alguém em alguma coisa. Era na entrada, quando pagava o preço de várias pela dele, era ao comprar bebidas, que misturavam algo mais barato do que o que ele pedia, era na tentativa de se aproximar de uma mulher, onde bastavam ficar com ele para as meninas pedirem algo caro para ele comprar. Sempre alguém tirava vantagem de sua ingenuidade.

Um pouco depois, pediu de presente um teclado de presente. Sua mãe ficou prosa, na expectativa de que ele se tornasse algum dia um pianista, ou, ela aceitava, um tecladista de uma banda de rock. Mas Fredinho tinha outras idéias na cabeça.

O garoto chocou tanto sua família na vez que levou a primeira namorada que sua mãe exigiu que ele fizesse análise. Tudo porque a moça era fora dos padrões que ela estava acostumada. O problema era que além de ser pobre, a menina era extremamente feia. Pintara o cabelo de acaju claro, como disse no dia, e, no momento, a tinta estava saindo. Metade do cabelo claro, metade escuro. Fredinho não se importava, afirmou categoricamente para quem quisesse escutar. Disse que gostava dela assim mesmo, não importava que fosse um pouco gordinha, que vestisse roupas apertadas, que usasse uma franja fora da moda há vinte anos ou que o rosto fosse cheio de marcas de espinhas, ele gostava dela.

O fim do namoro o levou a escrever sua primeira música. Era uma tremenda dor-de-cotovelo que falava da separação dos dois. O refrão dizia algo assim “Meu amor / ele me deixou / agora, sozinho / só sinto a dor”. Em seguida escreveu mais 11 músicas, todas seguindo basicamente a mesma vertente. De presente de aniversário de 18 anos, sua mãe queria dar para ele um carro esporte, mas ele pediu a gravação de um cd. Sua mãe não aceitou, disse que aquilo não era música e deu assim mesmo o carro. Foi apenas o trabalho dele vender o automóvel e pagar as despesas com a gravação do cd. “Fredinho e seus teclados” era o título.

Os pais insistiram tanto para que fizesse uma faculdade, que Fredinho aceitou fazer engenharia na Puc. Em troca, pediu uma viagem ao pai para o Nordeste. Seu pai se empolgou, pensou que assim o menino poderia conhecer lugares bonitos, se interessar por algum tipo de arte mais erudita, ou qualquer coisa do gênero para esquecer “essa música de empregada”, como ele costumava dizer. Mas o menino queria mesmo era ir para o interior do Ceará conhecer o que ele chamava dos melhores forrozeiros do Brasil.

Na volta, mais um susto para D. Maria Quitéria. Fredinho trouxe na mala uma namorada Nordestina. A menina, mais uma vez, não se enquadrou no perfil que D. Maria Quitéria esperava. De cabelos ligeiramente cacheado na parte mais alta da cabeça, de rosto largo, de estatura bem abaixo da mediana, Sérgia Augusta, em homenagem aos dois avôs, não era, assim, bonita nos padrões de beleza atuais. Fredinho dizia que não tinha importância.

De volta ao Rio, largou a faculdade logo no primeiro semestre e começou a batalhar a divulgação de seu cd. Percorria todos os bailes cariocas de forró para tocar seu repertório. Com a explosão da onda de forró no Rio, pensou que teria mais espaço, mas o que se viu foram sucessivas portas fechadas na sua cara. Ele dizia que aquilo não era forró, que o verdadeiro forró era o feito no Nordeste, que aquilo era uma deturpação. Entretanto há suspeitas que suas declarações sejam apenas retaliações a sua não acolhida pelo grupo.

O certo é que o seu sustento, o dinheiro que ele sobrevivia, a grana que ele comprava sua carne seca com jerimum, pagava sua cachacinha, sua idas aos forrós, seus cds da Uruguaiana, ele já conseguia tirar com os shows dos bailes de periferia e principalmente, ele havia conseguido através de um conhecido distante da mãe, no pavilhão de São Cristóvão.

Deixou o cabelo crescer só atrás da cabeça, até o pescoço, próximo aos ombros, e um sombreado abaixo do nariz, já que não tinha bigode, como seu pai. E se mudou de casa. Disse para o pai que queria morar com Sérgia Augusta, nem que fosse num quarto e sala no Méier. A mãe quase teve um troço no dia da mudança.

Há duas semanas atrás, teve duas grandes notícias. Primeiro que Sérgia Augusta está grávida. Na hora ele decidiu que se fosse homem se chamaria Reginaldo, em homenagem ao seu ídolo maior. Ou Sérgia, se menina, como o seu grande amor da vida. Rascunhou até uma pequena homenagem para o bebê. “Meu bebê / que felicidade / eu te ter / nessa cidade / de cor dendê / sem idade / nem porquê”, dizia o início da música.

A outra foi num aniversário de uma menina, filha de um funcionário da empresa de seu pai em seu sítio, que ele implorou ao pai para tocar. Montou seu teclado perto da piscina, levou Sérgia Augusta e tocou por horas. Certo momento, um grupo de amigos se aproximou de Fredinho e elogiou bastante o repertório dele. O garoto se encheu todo. Perguntaram quanto ele cobrava para ficar, assim, a tarde inteira tocando, Fredinho passou seu preço e os rapazes, todos moços, com menos de 30 anos, com exceção de um mais brincalhão de orelhas de abano, disseram que o preço era justo. Propuseram para Fredinho fazer, então, uma excursão pelo Nordeste, junto com o famoso Juscelino do acordeão. Fredinho nunca tinha ouvido falar nesse tal Juscelino, mas aceitou de pronto a proposta. Os meninos só pediram que ele fosse para casa o mais rápido possível para ensaiar o repertório que, dentro de poucos dias eles entrariam em contato com ele. Fredinho disse que só iria terminar de tocar nessa festa e não sairia mais de casa. Porém os garotos, principalmente um rapaz bastante peludo, argumentaram que ele deveria ir embora o mais rápido possível mesmo. Isso queria dizer agora, naquele momento. E Fredinho foi-se embora.

Fredinho agora não sai de casa. Está treinando e esperando a ligação. Ele sabe que a qualquer momento o telefone tocará e ele poderá pedir mais informações sobre a “tour do Nordeste”, como ele está a chamando, na qual conhecerá o famoso Juscelino do acordeão. Está há quatro dias sem abrir a porta e disse que só a abrirá quando o telefone tocar. Promessa para o Padre Cícero, diz ele.

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