sexta-feira, 28 de janeiro de 2005

Cinco filmes

Alguns números da última semana: cinco filmes, três americanos, um com forte sotaque inglês, dois italianos. Um que tenta ser vanguarda, ou não tenta ser nada, e eu que fiquei exercitando o meu raciocínio para explicá-lo. Outro que tinha tudo para ser bom, mas que, por uma ineficiência do diretor, perde-se completamente. Os italianos eram mais pés-no-chão, por isso com menos possibilidade de errar. E o inspirado na peça inglesa, rapaz, esse é punk. Fora o fato de terem sido vistos na mesma semana, eles não possuem outra característica em comum. Em (minha) ordem cronológica:
1) Segredos de família: foi a minha segunda opção de sábado a noite. Só assenti porque havia ouvido comentários (inócuos) sobre o filme e porque o casting possui Christopher Walken e Michael Caine. Mas deixo claro, quero meu dinheiro de volta. Se eu contasse a trama principal dessa estréia de Jordan Roberts no comando do "ação" e do "corta", qualquer um poderia pensar que o resultado pode até ser razoável. Por isso não enganarei ninguém. O problema, aliás, nem é de roteiro, mas de direção. Perde-se momentos preciosos de silêncio, as doses de emoção são ministradas desordenadamente e, depois de uns 20 min. de fita, vc já está enfadado. E eu não tolerava mais a propaganda do KFC. Acho que o diretor deve ser apadrinhado da rede de fast food. O pior é que esse é o tipo de filme feito para dar certo: pequeno, patrocinado pela divisão independente da Warner e com dois astros de primeiro time no elenco. Mais um motivo para achar que Jordan Roberts deve ter participação nos lucros no restaurante da galinha frita.
2) Coffe and Cigarretes: Eu já tinha lido críticas dizendo que apenas um ou dois curtas de todos prestavam. Eu daria crédito para apenas um. E com boa-vontade e por comparação com o restante. Chato. Muito chato. As histórias, como é de se imaginar, giram em torno do título do longa. Aqueles que fogem um pouco, melhoram. Se vale ressaltar alguma coisa positiva - porque falar mal seria facílimo -, há um incentivo a um vida voltada para o prazer individual que não machuca a ninguém. As personagens gostam de tomar o seu café e fumar um cigarrinho para acompanhar, por que não o fariam? Como se dissessem: "abaixo a ditadura da saúde". A esquete entre o Alfred Molina (Dr. Octopus em "Homem-aranha II") e o Steve Coogan (Tony Wilson de "A festa nunca termina") é divertida. O resto, chato, muito chato. Sorte a minha que não tive que pagar o ingresso para este, já que vi na casa de um amigo meu.
3) Malèna: Havia ouvido comentários sobre uma determinada cena desse filme na semana passada, e fiquei curioso para vê-la. Estréia no cinema da Monica Bellucci ("Irreversível", "Matrix 2") no papel-título, o longa conta a história da mulher extremamente bela que mora numa cidade provinciana esperando o marido retornar da guerra. A guerra, em questão, é a segunda mundial, onde os italianos foram defenestrados do Norte da África pelas tropas aliadas. Giuseppe Tornatore (do inédito para mim "Cinema Paradiso") usa isso como pano de fundo e coloca um garoto de 12 anos como o espectador onipresente. Como se ele se transformasse numa espécie de anjo protetor de Madalena. Interessante um detalhe que pode passar despercebido. Assim como em "A vida é bela" (o do Roberto Benigni é três anos mais velho), há uma cena onde os americanos adentram a cidade como salvadores da pátria. Ninguém comentou nada. O que me chamou a atenção não foi uma exaltação aos EUA, mas uma demonstração de como o povo, em sofrimento, se agarra a qualquer ideologia que lhe dê esperança. A mesma cidade que se reuniu em praça pública para ouvir o discurso de Benito Mussollini declarando guerra aos aliados, era a cidade que agradecia a ajuda prestada pelos yankees. A sociologia, a índole, e os porquês vêm em segundo plano quando a barriga está vazia. Creio que isso pode ser aplicado a qualquer latitude do globo.
4) Closer: Adaptação de uma peça inglesa de Patrick Marber, o filme é quase teatro. Diálogos intensos, fortes, ácidos. Quatro personagens e nenhum outro. Elipses dramáticas de anos. Lembrou a fase bergmaniana do Woody Allen. Não que Mike Nichols tivesse a pretensão de fazer um tratado sobre filosofia em forma de película, mas porque o clima sempre está pesado demais, como nos filmes do novaiorquino desse seu período. Há frases que deveriam entrar diretamente para os livros de citações: Dan (Jude Law) conta a Alice (Natalie Portman, de "Star Wars I" e "II") que quer se separar porque está apaixonado por Anna (Julia Roberts). Alice pergunta o porquê, Dan não sabe explicar, apenas aconteceu, responde. Alice insinua, então, que sempre há um momento em que se pode escolher. Dan se cala. Ou Larry (Clive Owen de "Rei Arthur") pedindo / obrigando Anna a contar-lhe detalhes sobre as relações sexuais entre ela e Dan. Coisas do tipo: "e você gozou? Quantas vezes? Onde vcs transaram? Você gosta de chupá-lo?" E coisas ainda mais leves. Impactante é pouco.
5) La due vitte de Mattia Pascal: O Mario Monicelli já é um dos meus cineastas favoritos. Algumas vezes o humor dele é tão irônico que nem sei se é para rir ou não. Esta produção, com o Marcello Mastroianni fazendo as vezes do Mattia, é uma adaptação de um texto de Luiggi Pirandello e faz o que o cinema italiano tem de melhor: não inventa muito. Pega uma boa história e a retrata fielmente. Diferentemente do francês (generalizando, claro), os italianos apenas querem fazer um filme, nunca amontoam metáforas e referências para o espectador pensar "como o diretor é inteligente". Nesta história, Pascal é um bon vivant que, depois da morte do pai, deixa todos os negócios da família na mão do gerente. Envolve-se com a mulher de quem não devia, perde o controle sobre o seu dinheiro e, num ato de desespero, foge para Monte Carlo. Joga, ganha dinheiro e resolve voltar. Qual não é a sua surpresa ao saber que ele havia sido dado como morto nesse ínterim. Daí, escolhe viver a sua segunda chance, com os milhões ganhos. Obviamente ele perde tudo de novo e, finalmente, nada lhe resta além de voltar para sua cidadezinha. Claro que essa é a sinopse tipo parte detrás da fita de vídeo, não estou contando toda a história aqui, apenas demonstrando como um roteiro bem feito está ficando mais e mais difícil de se encontrar. O filme, ao contrário das produções de Monicelli ("Quinteto irreverente", "O incrível exército de Brancaleone") não é uma comédia. Mas ele não resiste em colocar cenas de quase pastelão. O inacreditável é que não fica forçado, parece que aquela surrealidade toda era o mais provável de acontecer. Vale muito o aluguel.

terça-feira, 25 de janeiro de 2005

A tecnologia faz, a tecnologia paga

Se é muito fácil baixar a música, e, além do mais, de graça, por que o sujeito vai pagar um absurdo pela capa de plástico e o encarte? Por isso, sempre fui a favor de Napster, Audiogalaxy e, mais recentemente, Soulseek. O preço dos CDs brasileiros mereceria, inclusive, um texto só sobre ele. Mas não falemos sobre isso.

Com o passar do tempo, a minha vertente comunista começou a diminuir. Abri meus ouvidos a alguns argumentos dos homens das gravadoras (dá até arrepios admitir isso). Contudo, afirmo aqui: nunca me combali com eles.

Eles diziam o óbvio: com a troca de MP3, as multinacionais perderiam dinheiro. Há um exagero aqui, os grandes nunca perdem dinheiro, apenas ganham menos. O que, para eles, dá quase no mesmo.

Já admiti para mim mesmo que vivemos num mundo porco, capitalista e cruel e que tudo se move a partir da verba. Mas não posso mentir: sempre gostei quando descobria uma gravadora pequena que conseguia vender um CD pela metade do preço das chamadas Majors. Pensava que se elas conseguiam, por que não uma gigante?

Sempre achei uma falta de imaginação e uma certa preguiça intelectual por parte das grandes não conseguirem arranjar outras fontes de renda. Esse é um caminho que não há volta. Seria lutar contra a tecnologia, como fizeram os trabalhadores no Luddismo.

Por isso, me coloquei a pensar nisso. Claro que eu não cheguei a conclusão nenhuma porque não via como as pessoas poderiam gastar dinheiro em algo que elas teriam de graça. Três fatos mudaram a minha opinião. Sem ordem:

Li no dia 24/01/05, no Caderno da Folha de Informática, uma entrevista com o Pedro Mariano, a cabeça 'artística' da Trama. Maior gravadora independente, de acordo com o texto, eles não estão no vermelho, apesar de disponibilizar parte do repertório de seus artistas para download de graça. De acordo com Pedro, o fã não se contenta com aquelas poucas músicas e quer todo o álbum, assim, o MP3 funciona como um tira-gosto.

Mas o meu raciocínio renovou o argumento: se o cara já baixou uma música, por que compraria o CD?

Volto no tempo. Há duas semanas fui à praia com alguns camaradas. Um deles editou um clipe de uma banda mequetrefe, mas que toca muito em rádios. Segundo ele, os caras do grupo ganham muito dinheiro com a venda do MP3 para tocar em celulares. É a segunda fonte de renda deles.

Pensei: quem será que paga por isso? E, como foi uma informação não-oficial, não levei em conta.
Hoje, na Ilustrada, porém, a oficialidade veio. Empresas de telefonia americanas e européias estão lucrando muito com o download de músicas. O Pedro Mariano fala sobre isso também, só que eu não lembrei anteriormente.

Não digo que o toque de celular salvará as grandes empresas ou o mundo da música - porque esse nunca sofreu o efeito disso. Mas que a própria tecnologia resolve o problema que ela criou. E lutar contra ela é a maior burrice que existe. Falta agora as Majors entenderem isso.

quinta-feira, 13 de janeiro de 2005

como comparar pares distintos

é estranho. como se eu tivesse dormindo, do tipo morto, quando vc sente que há uma separação entre a sua pele e o que realmente é vc. como se vivesse anestesiado. não é um sonho, não, não é algo tão comum. contudo admito: é bastante nebuloso. não sei ao certo nada, apesar de ter uma certeza de assustar. ela me traz uma segurança ao ouvido que percorre todo o meu corpo, e, quando longe, eu tenho medo. como se ela pudesse descobrir em qualquer esquina alguém infinitamente melhor que eu.

não tento dominar nada, quiçá impor minhas vontades, apenas absorvo. e, de vez em quando, me reservo à minha insignificância. como sou pequeno ao lado dela. como, para ela, tudo é tão seguro, tão certo, tão 2 + 2 = 4. eu não sei os caminhos a que tomar diariamente. tropeço em todas as pedras que encontro no caminho. esqueço os pequenos detalhes da vida, para me concentrar - ou me enganar com esse raciocínio - nos grandes. e ela está em todos os lugares.

uma personagem que se admite diálogos sobre qualquer assunto, sob qualquer atmosfera e ainda apresenta sempre os melhores argumentos. ao final, sou convencido daquilo que, para mim, era impossível ou impraticável.

confesso um receio grande pela minha pequeneza. desapareço ao lado dela. como se fosse um personagem terciário de um dos poucos romances do kafka. escondido, escuro, pelos cantos, tentando não chamar a atenção para mim e para os meus óbvios defeitos. ela, peito aberto, coragem, olhos nos olhos, menos quando estamos perto, quando sentamos no mesmo banco (apesar de já ter melhorad0).

um frio na barriga constante, algumas obrigações a que me proponho para tê-la, como embaçar ainda mais a minha volta, chamando a atenção unicamente para mim, como se eu tivesse algo a mostrar. mas, apenas enganando a sua visão periférica. é o que me resta. otimistas diriam que há hipótese de repetir esse mesmo procedimento eternamente. é estranho, mas eu pago para ver.